The Discovery

Another Brick In The Wall


Anna olhava ao redor e observava cada detalhe daquele lugar que trazia tantas boas recordações. Os antigos moradores eram grandes amigos de sua família, e sempre os convidava para fazer algo. Era uma época em que Lacock ainda era uma cidade muito pequena, sem muita coisa para se fazer além de conversar com os amigos. Assim, nos finais de semana, especialmente nos domingos, ela vinha para cá, passava a tarde brincando e só voltava para casa quando não aguentava mais ficar de pé. Conhecia cada canto daquela casa e daquele jardim, por mais que agora tudo estivesse com um outro toque, o que ela ainda achava esquisito. Era estranho ver outra família morando ali. Era como se essa mudança fosse uma metáfora acerca da passagem da sua vida, ou seja, do fim da sua infância, o que ela concluiu que fazia total sentido.

Ela estava imersa nesses pensamentos, sentada com as mãos no chão e seu corpo pendendo para trás, os longos cabelos fazendo cócegas no chão, os olhos fechados e o rosto voltado para o céu, recebendo todo o resquício de calor e luminosidade que o sol propagava nesse fim de tarde. Nick se deitara de um jeito folgado ao lado do violão de Ed, e parecia estar adorando a grama. A garota sentiu que poderia ficar daquele jeito para sempre, mas de repente sentiu a luz bloquear-se sobre seu rosto. Abriu os olhos e se deparou com um Edward de sorriso brincalhão entre ela e o sol, o rosto próximo ao seu.

— Caraca, que susto! – Disse, afastando-se e se apoiando com os cotovelos na grama.

Ele deu risada e estendeu a mão para ajudá-la a ficar sentada.

— Não resisti. Você tava tão concentrada que nem me viu chegando – ele sentou-se na frente dela, ao lado do violão – parecia que tava meditando.

— Na verdade, é só sono mesmo – ela respondeu, devolvendo um sorriso a ele – essas provas acabaram comigo.

Ele observou bem a garota a sua frente. Ela tinha cabelos escuros, muito longos e ondulados, os olhos negros e a pele parda, que contrastava com a sua exageradamente branca. Seu olhar demonstrava cansaço, mas seu sorriso não dizia o mesmo, era o que ela tinha de mais leve.

— Acho que hoje você vai ter uma boa noite de sono – ele disse, mas emendou uma outra frase – Quer tocar alguma coisa? É o que mais relaxa no mundo.

— Você quem manda. Antes que pergunte, não tenho um estilo musical preferido, gosto de quase todo tipo de música.

— Quem disse que eu ia perguntar isso? – Ele disse ironicamente e colocando a mão no peito, o que fez a garota rir.

— Engraçadinho... – Anna revirou os olhos, depois colocou de volta o sorriso no rosto.

Eles se encararam por um tempo, os dois rindo aparentemente sem motivo algum, mas na verdade cada um tinha o seu.

— Que tal a gente parar de rir? – Ele questionou, mas rindo

— Desculpa! – Ela disse, rindo. Depois apontou para ele de um jeito fingindo provocação – Você que é o anfitrião e tem a obrigação de conversar comigo.

— Sou melhor com melodias do que com frases – ele disse, antes de começar a tocar os primeiros acordes de Hey Jude

— Canta comigo – falou

A garota o acompanhou depois que ele cantou sozinho o primeiro verso e, juntos, finalizaram a música. Anna bateu palmas, empolgada, e ele sorriu para ela.

The Beatles, então – Ele disse, fazendo uma expressão vitoriosa. A garota riu enquanto revirava os olhos.

— Eu falei que gosto de quase todo tipo de música, no caso, acho que os Beatles estão incluídos nessa vista.

Ele levantou uma sobrancelha:

— Desculpa, mas qualquer pessoa que tenha um gosto musical bom o suficiente para gostar deles não pode ter um gosto qualquer.

— Mas eu tenho um gosto variável. Vai de Beatles até Taylor Swift...

Dessa vez ele deu risada.

— Ok, você venceu. Taylor Swift então. Hm...deixa eu ver – Começou a “procurar” acordes no violão, tentando achar o certo para começar a tocar – Ah, lembrei. Love Story!

Anna sorriu. Era incrível ouvir uma música dela com a voz de Ed, que era maravilhosa. Por algum motivo, imaginou que os dois ficariam maravilhosos em um dueto, mas resolveu não externar essa opinião e apenas curtir o momento.

— Meu Deus, como eu amo essa mulher! – Ela disse, ao fim da música.

— Ela é maravilhosa mesmo. Acho que dentro de alguns anos será uma grande estrela mundial.

Os olhos de Anna ficaram radiantes.

— Mas, claro – ele continuou – não tão grande quanto eu – Enfatizou a última palavra.

A garota reparou no quanto os olhos deles brilhavam quando falava qualquer coisa que envolvesse música. Ela sorriu para ele e o lançou um olhar desafiador.

— Esse papo de músico...isso é sério mesmo? – Ela perguntou, confusa, mas, de certa forma, em um tom sério. Arrependeu-se imediatamente depois, porque o garoto parou de dedilhar e a encarou, lentamente colocando o violão ao lado de si.

Ed abriu a boca, preparando-se para responder, mas foi interrompido por uma batida de porta. Anna já estava sentada de frente para a casa, mas ele virou de costas para olhar, e deparam-se com a mãe de Ed com dois saquinhos nas mãos andando em direção a eles.

— Mãe? – ele perguntou confuso.

Ela se aproximou e fez um cafuné na cabeça do filho

— Trouxe um lanchinho para vocês. Você devia ter me avisado para preparar algo melhor, Ed! – ela reprimiu

Anna sorriu, constrangida.

— Não precisa se preocupar, de verdade – disse

— Ah, não é preocupação, querida. É meu dever tratar bem as visitas, ainda mais os amigos do Edinho. Sou Imogen – disse, sorrindo simpaticamente para a garota e estendendo a mão

— Prazer, dona Imogen, meu nome é Anna.

Ed observava as duas, o rosto quase da cor de seu cabelo. Imogen entregou um sanduiche para cada um e parecia querer ficar um pouco mais para conversar com Anna, enche-la de perguntas sobre de onde ela era e como conheceu seu filho – e essas coisas de mãe. Mas Ed a reprimiu com um olhar e ela se retirou, murmurando alguma desculpa como “tenho coisas do trabalho a fazer”. Entrou em casa e, antes de fechar a porta, gritou:

— Anna! Fica a vontade viu! Você é muito bem-vinda.

Ela agradeceu e sorriu para ela. Depois olhou para Ed e riu da sua expressão envergonhada. Ele foi o primeiro a se manifestar

— Desculpa, sério. Ela só está empolgada por eu estar fazendo novos amigos. Resisti muito para me mudar, sabe?

— Não precisa pedir desculpas por ter uma mãe legal! – Ela falou, dando uma primeira mordida em seu sanduíche.

— É, enfim... – ele disse, colocando a mão no rosto e rindo.

Anna inclinou-se para frente e tirou a mão dele do rosto, delicadamente.

— Deixa disso! – Ela falou, rindo.

— Na verdade, acho que isso foi mais por você ser uma garota. A casa meio que só vive cheia de homem.

Ela riu nervosa. Os dois se encararam por um tempo, até que ela baixou o olhar.

Ed limpou a garganta e voltou a falar.

— Sim, é sério...é realmente o que eu quero – disse, com um meio sorriso.

— E por que você tem essa aversão tão grande aos estudos, à escola...?

Ed respirou fundo, medindo suas palavras. As pessoas sempre o perguntavam coisas desse tipo, o que ele desconversava ou dava uma desculpa qualquer. Normalmente o viam apenas como um jovem rebelde, alguém que sonhava muito e não tinha os pés no chão. “É coisa da idade”, “Música não é profissão” e “Estuda para ser gente” eram algumas das frases que ele sempre ouvia, tanto que já estava acostumado e tinha condicionado sua mente a ignora-las. Mas a garota a sua frente parecia estar perguntando não por querer menosprezá-lo, como a maioria fazia, mas por realmente querer entende-lo. O olhar dela denunciava isso. Ele deu um suspiro antes de começar a falar:

— Cara, é complicado...quer dizer, na verdade não é, as pessoas quem complicam. Eu quero ser músico. Só isso. E eu acho que para ser o que eu quero, eu não preciso fazer faculdade, porque esse é o “sonho” da sociedade, não o meu.

Anna o encarou, interessada. Enrugou a testa e disse:

— Continue.

— Sei lá, é só que...onde tem escrito que eu tenho que fazer faculdade? Quer dizer, é algum tipo de lei? Eu só sei que as pessoas botam isso nas nossas cabeças desde cedo, vendendo a entrada na universidade como um sonho, mas simplesmente não é o meu. Eu quero viver a minha vida de outra forma. Não só ter um emprego, ganhar uma estabilidade e depois criar meus filhos. Eu quero ser músico, quero fazer o que eu amo e ajudar as pessoas. Sinto que tenho muito mais a oferecer dessa forma.

Anna o olhou, curiosa com as ideias daquele menino, tão diferentes de tudo que ela já tinha ouvido.

— Eu entendo o que você quer dizer. Mas infelizmente esse é o mundo em que a gente vive. Temos que estudar para trabalhar, e trabalhar para viver. E o vestibular e faculdade são o caminho.

— Não. A faculdade é UM caminho. Só um, entre vários. Só colocaram na nossa cabeça que ele era obrigatório para ser feliz e para realizar todos os nossos sonhos. Não precisa ser assim. Tá tudo errado, Anna, você não percebe? A educação que nós recebemos na escola...ela não tem um papel educacional de verdade, se é que você me entende.

A garota riu, sem entender, e levantou a sobrancelha. Ele resolveu continuar. Sempre que dividia suas opiniões com alguém, as palavras saiam de uma forma atropelada, quase que natural, como se estivessem desesperadas para serem externadas:

— Olha – ele disse, rindo, tentando deixar a conversa um pouco mais leve – eu sei que eu to te deixando confusa, e que eu pareço ser só um menino revoltado inventando desculpas por não querer estudar. Mas é mais do que isso, juro. Quanto a escola, o que eu penso é o seguinte: somos ensinados um monte de coisas de forma superficial para fazermos uma prova e entrarmos na universidade, mas na maioria das vezes, as crianças, e os adolescentes, sei lá, eles não são preparados para a “vida”, que deveria ser o papel da educação básica, escolar. Noções de cidadania, de economia, de política. Ah, sei lá.

Ele sabia que ela estava confusa, e sabia que provavelmente estava pensando coisas erradas sobre ele, mas, embora tivesse a certeza de que não precisava provar nada para ninguém, ele queria que ela acreditasse nele. Por algum motivo. Respirou fundo mais uma vez, sufocando as palavras dentro de si.

— Sabe o que eu acho? – Ela perguntou, rindo para ele maliciosamente, que a olhou esperando uma resposta – acho que você ta ouvindo muito Another Brick In The Wall

Os olhos dele brilharam. Aquela garota definitivamente não tinha um gosto musical qualquer. Ele sorriu:

— Olha, vou encarar isso como um elogio – comentou – Pode ser, não sei. Mas a realidade é essa...desculpa se você tá me achando maluco, sempre que eu tento falar com meus pais eles meio que surtam.

— Bem, acho que não deve ser fácil um filho chegar para os pais nos dias de hoje e falar que não quer fazer faculdade.

— Eu sei – ele disse – mas isso não é motivo para eu desistir do que eu realmente quero.

A garota olhou para cima, procurando as palavras certas.

— Ed, você é bom, de verdade. Sua voz é incrível. Mas acho que você deveria ouvir seus pais e, bem, todas as outras pessoas com mais experiência do que nós. A universidade é para termos um mínimo de garantia na vida, nesse mundo cada vez mais inseguro. Só isso. Depois, você tenta ser músico, sei lá.

Ele riu ironicamente.

— Já imaginou quanto tempo eu vou perder estudando um monte de coisa que eu não quero, ao invés de estudar para ser melhor no que eu quero? E se depois for tarde demais?

A garota mordeu os lábios. Era claro que discordava dele, mas não queria iniciar uma discussão. Sacudiu os ombros, pensativa.

— Eu sei que é muita coisa para pensar – ele falou – esquece, eu to estragando seu dia de folga.

— Não – ela disse – tá tudo bem. Eu gostei de ouvir sua opinião, Edward

Ele sorriu. Pelo menos ela não o chamou de maluco e foi embora. Sim, isso já tinha acontecido.

— Acho que você escolhe a próxima música, então – ele falou.

Ed e Anna comeram seus lanches e passaram o resto da tarde juntos. Ele tocava violão e os dois cantavam, se bem que as vezes a garota o deixava cantar sozinho para apreciar a voz dele. E como ela era linda...Anna falou diversas coisas sobre Lacock e ouviu Ed contar como eram algumas coisas em sua cidade antiga. Eles correram pelo jardim com Nick e se sujaram todos de grama. O dia só foi interrompido por uma ligação.

— Minha mãe quer saber por que estou demorando tanto – ela comentou – Caramba, Ed, já são mais de 17h

— O dia passou rápido né?

— Muito! Pra falar a verdade, me senti de férias aqui com você. Nem acredito que amanhã tem aula – Suspirou

Anna arrumou Nick e preparou-se para se despedir de Ed, passando por um momento constrangedor em que não sabia se deveria abraça-lo ou simplesmente acenar um cumprimento, como eles sempre faziam. Mas Ed foi mais rápido, e deu um grito voltando-se para sua casa:

— MÃE! Vou levar a Anna em casa, no fim da rua, já volto.

Antes que ela pudesse responder, a garota tomou a frente:

— Ed! Não! Não precisa, sério.

— Para, vai. Que tipo de pessoa eu seria se deixasse você ir desacompanhada até em casa?

— Uma normal? – Disse com um tom de interrogação – Eu to acostumada a andar sozinha, cara.

— Hm...ta bom então, vou apelar pra outro ponto: você vai dispensar minha companhia? – Provocou

A garota deu uma risada.

— Gosto desse seu ar modesto – Finalizou.

O rapaz sorriu satisfeito e então abriu o portão e esperou que Anna e Nick passassem por ele, depois o fechou e foi ao encontro deles na calçada.

Era um fim de tarde calmo, e passava tão pouco carro que eles andaram na rua. O sol já estava quase se pondo, e os dois caminharam observando a paisagem e sentindo a brisa no rosto. Anna foi cumprimentada por diversos vizinhos, que passavam e encaravam o garoto com um ar curioso, obviamente não demoraria até que ele também fosse reconhecido por toda a sua nova vizinhança. Alguns até paravam para falar com Nick.

Tinham passado a tarde trocando ideias, e foram até a casa de Anna conversando e caminhando sem pressa, os dois sem querer que o dia acabasse.

Por incrível que pareça, não faltou assunto.