Tales of Star Wars

Uma conversa às escondidas (Obi-Wan x Beru)


Ele levou o copo à boca e experimentou a bebida roxa e espumosa. O sabor era suavemente doce e havia algo de muito nostálgico que ele não sabia dizer o que era, mas que recrutava memórias antigas de momentos que ele já não se recordava e que não sabia quando ou onde haviam sido vividos. Na sua infância, antes de ser levado ao Templo Jedi, talvez? Talvez...

— Esse suco está realmente delicioso – disse Obi-Wan, depositando o copo sobre a mesa da cozinha da fazenda Lars.

— Obrigada – disse Beru, um pouco encabulada, sentando-se à frente do mestre Jedi enquanto arrumava o cabelo atrás da orelha. – Owen colheu as palies hoje de manhã, estavam bem maduras. Pode pegar mais se quiser.

— Ah, eu vou, com certeza – ele emendou imediatamente. – Mas, e então? Por que me chamou aqui?

Beru não olhava para Obi-Wan. Sobre a mesa, ela cutucava uma unha com a outra mão. Estava inquieta, nervosa. Como se estivesse pensando em como falar o que tinha que falar. Obi-Wan sabia que era algo importante. Caso contrário, ela não o chamaria ali, correndo o risco de Owen o ver e instabilizar ainda mais o frágil e delicado elo que o antigo Jedi ainda conseguia manter com o pequeno Luke. Mas a ansiedade da mulher apenas o deixava inquieto também, alheio a tudo ao seu redor: se Owen estivesse chegando, nada e nem ninguém (nem mesmo a Força) fariam com que ele percebesse isso.

— Luke começou a fazer perguntas sobre o pai – Beru começou. – A primeira vez foi na semana passada. Ele conheceu o pai de um amiguinho e ficou confuso... Quis saber porque o menino não morava com os tios como ele... Conversa vai e conversa vem, ele chegou em casa perguntando sobre o pai dele.

Pensativo, o Jedi recuou, apoiando as costas sobre o estofado do assento e acariciando a barba.

— O que vocês disseram a ele?

— A verdade – Beru respondeu. – Bem, não toda a verdade, obviamente – ela completou quando Obi-Wan arregalou os olhos, assustado, e quase engasgou com um novo gole do suco. – Contamos que ele se chamava Anakin e que morreu logo depois que ele nasceu. Mas ele pareceu não gostar muito da resposta. Ele é uma criança bem curiosa, sabe? E ainda está fazendo um monte de perguntas. Eu e o Owen... bem... nós não sabemos como responder.

— Que tipo de perguntas?

— Detalhes – ela respondeu. – Ele quer saber detalhes. Quem era o pai, quem era a mãe, o que faziam, onde estão, onde ele nasceu... Nós não sabemos o que dizer, Ben. Ele é uma criança, pode acabar comentando com algum amiguinho na escola mais cedo ou mais tarde e, dependendo do que ele falar, pode ser perigoso, como você mesmo disse. Iria expor ele demais e sabe lá onde esse tipo de informação pode chegar. Mas, ao mesmo tempo, nós não queremos mentir pra ele.

Obi-Wan entendia o dilema, mas esclarecer todas aquelas dúvidas do menino era algo simplesmente inconcebível. Colocaria Luke, os Lars e, inclusive, ele mesmo em uma exposição cujas conequências poderiam ser brutais.

— Podem dizer a ele que o pai era um soldado – sugeriu Obi-Wan, após beber mais um longo gole do suco à sua frente. – E que morreu no final da guerra. No fim das contas, não acaba sendo uma mentira completa e pode ser suficiente para acalmar um pouco a curiosidade dele. Bem, pelo menos por um tempo.

— Eu duvido – Beru parecia descrente. – Ele não vai se contentar com tão pouco. Mas, podemos tentar.

Houve um pequeno instante de silêncio, mas, na cabeça dos dois, o mesmo pensamento se passava. Eles sabiam que aquele era um caminho sem volta. Cada vez mais, Luke iria ter ainda mais interesse por descobrir sobre si mesmo e, em algum momento, não iria mais se contentar com respostas vagas e evasivas. Mais cedo ou mais tarde, a verdade teria que ser contada, e Obi-Wan apenas esperava que, quando esse momento chegasse, Luke tivesse idade o suficiente para entender a importância de manter tudo isso em sigilo absoluto.

— É engraçado que, aqui, ele precise levar essa vida tão humilde e escassa – disse Beru, pensativa olhando para a mesa. – Não muito longe daqui, ele seria realeza...

— Naboo não era uma opção – emendou Obi-Wan, quase que imediatamente. – É o planeta natal do Imperador, deve estar funcionando como um polo de operações imperais. Talvez, apenas por ter uma importância simbólica. Mas seria arriscado demais manter ele lá de qualquer jeito. Seria óbvio demais. Luke seria descoberto antes mesmo de completar um ano de vida. Aqui, pelo menos, ele está seguro. Anakin não vai voltar pra cá. Ele jamais retornaria pra esse planeta. Não depois de tudo o que ele viveu aqui. Não depois de tudo o que ele deixou pra trás aqui.

Imediatamente, o túmulo mal cuidado de Shmi Skywalker, apenas alguns metros acima deles, na superfície, veio à mente de Obi-Wan. Realmente, Anakin havia deixado coisas demais para trás quando foi embora desse planeta. Coisas de uma vida passada que ele queria esquecer. De uma vida que já não mais lhe pertencia.

— Eu sei... – Beru ainda tinha o olhar distante. – Mas eu ainda penso que ele poderia ter uma vida melhor do que a que eu e o Owen podemos oferecer. Como a que a menina... qual é mesmo o nome dela?

— Leia.

— Leia! Isso mesmo... Como a vida que a Leia está levando em Alderaan. O Luke é um menino tão bom, Ben. Tão amável, tão inteligente. Infelizmente, aqui ele jamais vai ter oportunidade de desenvolver todo o potencial dele.

Os dois permaneceram em silêncio por alguns instantes e Obi-Wan sabia que Beru tinha razão.

— Agora, sem querer parecer rude, eu acho melhor você ir – disse a mulher, levantando-se em um gesto que, silenciosamente, pedia que Obi-Wan fizesse o mesmo. – Owen deve voltar logo e ele vai ficar furioso se te ver aqui.

— Ah, claro... – disse Obi-Wan.

Ele bebeu o restante do suco em apenas um gole e, então, acompanhou Beru pelas escadas, em direção à saída da casa dos Lars. Estava no último degrau, quando a mulher tornou a falar.

— Sabe, aconteceu uma coisa curiosa esses dias.

— O quê? – Obi-Wan perguntou, enquanto, curvado, desamarrava as rédeas de seu eopie.

— Eu e Luke tínhamos ido fazer compras em Mos Eisley – ela começou. – Estávamos voltando quando encontramos um gorg preso em uma armadilha. Provavelmente, dos hutt... Ele insistiu que tínhamos que ajudar, soltou a minha mão e correu até ele. Eu, claro, fui atrás.

Atento, Obi-Wan olhava para ela enquanto montava no eopie.

— O gorg estava agressivo – continuou Beru. – Não queria que a gente se aproximasse. Até me arranhou – ela mostrou o dorso da mão, onde três finas feridas lineares e paralelas ainda cicatrizam. – Mas, então, ele e o Luke começaram a se olhar. Eu não sei o que aconteceu, mas o bicho foi se acalmando, sabe? Era como... como... você vai achar que eu estou louca... mas era como se os dois se entendessem. Como se estivesse se comunicando. No fim, o gorg ficou tão calmo que o Luke conseguiu soltar ele da armadilha.

Novamente, houve um curto silêncio entre os dois e, pela primeira vez naquele dia, Beru olhou diretamente para Obi-Wan. Havia preocupação em seu rosto e ela, evidentemente, não entendia o que havia acontecido. Um misto de medo e admiração.

— E teve uma sensação estranha – ela completou. – Enquanto o Luke fazia isso. Eu não sei bem explicar, mas... era uma paz estranha sabe? Como se, naquele momento, apenas os dois existissem e mais nada. Eu não sei explicar, mas era uma sensação boa, uma sensação que eu nunca tinha sentido antes.

Os dois se olharam por alguns instantes antes de, por fim, Obi-Wan dizer:

— Você não está louca, Beru. O menino é grande na Força. É por isso que eu gostaria de treinar ele.

— Ben, por favor, não – disse Beru, ligeiramente impaciente, revirando os olhos nas órbitas e deixando explicitamente claro o quanto aquele assunto a estressava. – Isso de novo não...

— Por favor, converse com o Owen mais uma vez – Obi-Wan implorou, juntando as mãos. – Isso que você me contou só prova, mais uma vez, que o Luke não é uma criança qualquer. Ele poderia se tornar um Jedi incrível se recebesse o treinamento adequado.

Por alguns instantes, Beru olhou para Obi-Wan, irritada que aquele assunto tivesse sido discutido mais uma vez, mas, ao mesmo tempo, convencida de que o homem à sua frente tinha razão. Não era a primeira vez que Luke demonstrava ter uma conexão com o Universo melhor do que qualquer outra pessoa que ela conhecesse.

— Uma vez – ela disse, por fim, mostrando o dedo indicador para Obi-Wan – Eu vou tentar convencer o Owen só mais uma vez. E depois disso, nunca mais. Entendeu? Por favor, pare de me pedir essas coisas!

Um sorriso de agradecimento surgiu no rosto do Jedi.

— Você não sabe o quanto isso me deixa feliz, Beru. Obrigado pelo suco. Foi, definitivamente, uma das melhores coisas que eu já provei desde que cheguei em Tatooine.

— Vou fazer mais da próxima vez que você vier – ela sorriu, encabulada, abandonando o semblante sério e impositivo de apenas alguns segundos antes. – Obrigada por ter vindo, Ben.

Nesse instante, enquanto o último sol de Tatooine terminava de se pôr, Obi-Wan puxou as rédeas do eopie e o animal se pôs a andar, levando-o para longe da fazenda dos Lars, de volta para o conforto e para a solidão do seu pequeno e remoto lar, além do Mar das Dunas Ocidentais.