– Pega! – Jean falou, jogando um monte de feno na sua direção.

– Ought! – Rick exclamou, quase caindo com o peso inesperado – Pare de jogar as coisas avisando na última hora! – falou irritado, depositando o conteúdo no chão.

– Você é ágil, então use isso a seu favor. – Jean tentou falar seriamente, mas Rick podia ver o vestígio de um sorriso estampado na cara dele.

– Se o feno cair e se espalhar todo, não vai ser eu que vou juntar.

Rick viu que Jean mexeu o braço esquerdo desconfortavelmente. O seu machucado faltava pouco para ser cicatrizado, mas pelo jeito ainda devia incomodar bastante. O ferimento feio do pedaço que fora arrancado nunca iria desaparecer; embora não fosse aparecer tanto assim depois de sarado.

A maior preocupação havia sido se Jean pudesse ser contaminado e acabar morrendo pela febre alta causada pelos vírus dos zumbis; porém era necessária uma grande quantidade de bactérias para infectar o organismo, então por enquanto não haveria riscos.

– Jean! – alguém chamou ali por perto.

Os dois garotos olharam para a pessoa que vinha. Assim que reconheceram Rodrick, já sabiam o que significava.

– Oi professor. – Jean o cumprimentou. Rick acenou com a cabeça.

– Pronto para o treino? Já estamos atrasados. – Rodrick perguntou após cumprimenta-los.

– Acho que sim. Rick, você pode terminar de depositar o feno para o Scar?

– E tenho opção? – ele responde com um tom de ironia.

– Valeu, sabia que podia contar com você. Depois nos falamos. – Jean disse rapidamente, e ele e Rodrick seguiram para o lugar que sempre iam quando treinavam.

Rick respirou fundo e carregou o último monte de feno para o potrinho esfomeado chamado Scar. Ele crescera bastante nesses últimos anos, contudo não o suficiente para alcançar a idade adulta.

– Pronto Scar. Pode comer à vontade. – Rick comentou aletoriamente, apoiando-se na cerca de madeira.

O cansaço das noites mal dormidas esgotava rapidamente as suas energias. Mesmo sendo apenas três horas da tarde, sentia-se como se já fosse o final do dia. Desde que aquele homem de capuz aparecera e comandara aquele ataque, os pesadelos sobre ele só haviam aumentado – antes sonhava com o homem de vez em quando; agora toda noite era atormentado pelas trevas e pelos monstros.

Rick olhou para um canto específico no horizonte; se avançasse naquela direção, encontraria novamente o templo onde os mortos eram enterrados.

Passara um mês desde que a vila fora atacada tão violentamente; contudo Rick lembrava-se como se fosse o dia anterior. Houve três fatalidades no total: Otávio, um aldeão e uma mulher. Recordava-se da reação do filho da mulher ao saber que a mãe morrera. Nunca vira e revivera algo tão triste. Naquele dia também fizeram um túmulo simbólico para Martin... Assim que todos souberam de sua morte, ficaram tão comovidos quanto os dois garotos.

Scar relinchou, desviando a atenção de Rick. Ele não queria mais comer; pelo menos, não feno. Olhava para Rick com expectativa.

– Eu não posso pegar tantas maçãs assim. Desculpa, mas se eu pegasse os adultos perceberiam e você não iria ganhar mais. – Rick poderia jurar que Scar entendia o que ele falava.

Bufando, o cavalinho ficou rodeando o espaço limitado que tinha. Rick olhou para os lados: perto de onde ficava não havia ninguém o observando. E já fizera todos os deveres que lhe foram mandados até o momento.

Sorrateiramente, pulou a cerca e pegou a rédea pendurada na mesma. Após coloca-la e ajusta-la no Scar abriu o portão e o guiou para fora. O potrinho movia-se agitado; fazia tempo desde que correra pela última vez.

Um pouco mais longe Rick montou-o e lhe deu o comando para correr, o que Scar fez de bom grado. O cavaleiro montava bem – aprendera sozinho durante o tempo livre. E ambos poderiam ser pequenos, mas continham eletricidade nas veias com a adrenalina.

Rick não podia sair da vila; contudo no momento aquilo pouco lhe importava. Precisava esfriar a cabeça e sentir-se livre por um instante. O sol ainda estava no céu – as probabilidades de encontrar algum monstro eram baixas.

Enquanto guiava Scar pelo deserto, sentindo o vento morno no rosto, pensava sobre a sua situação e os seus sonhos. O que aquele homem quer de mim? Não fiz nada para fazê-lo perseguir-me deste jeito! Quais são as suas intenções? O que ele é? Certamente não é normal, já que invoca monstros e os tem como aliados...

E o mais importante: será que ele nunca vai me deixar em paz? Lembrava-se que desde que sobrevivera ao ataque de Altos Terrenos sonhava com ele. E agora se supondo que os dois ataques estavam relacionados um com o outro... Qual a razão disso tudo? Por que o homem misterioso queria tanto extermina-lo?

Tantas perguntas... Nenhuma resposta. Não gostava disso.

Estava se afastando muito da vila; percebeu o fato quando viu um Creeper ao longe.

– Não bastava os monstros, agora tem também um maníaco atrás de mim. – falou consigo mesmo, puxando a rédea e guiando Scar novamente à vila.

* * *

Uma linda mulher estava a sua frente. Com seus belos cabelos louros formando cachos tão compridos e os seus olhos verdes, não havia um homem que não a admirasse quando passava ao lado. O seu sorriso gentil e a simplicidade da beleza dela o encantava desde que ela chegara à vila. Sorriu-lhe carinhosamente, pegando na sua mão.

De repente, o sol escureceu, e o homem soltou-se da mão dela ao ir caindo... Caindo... Até desabar ao lado de duas caveiras ao fundo de uma enorme cratera, sem conseguir sair, por mais que gritasse por ajuda e tentasse escalar. Então a sua visão ficou vermelha-sangue e as caveiras levantaram-se do chão – uma pequena feita um bebê e outra no tamanho adulto e começaram a espanca-lo até ele desabar no chão em agonia...

Mestre Eddard arregalou os olhos. Olhou em volta: estava em casa, no seu quarto. Suspirou fundo e levantou-se.

Durante a folga, Mestre Eddard aproveitara para descansar um pouco, embora visse que não fora a melhor ideia do mundo.

Sua cabeça ainda doía enquanto consultava pela última vez os mapas que Flávius e Marcelo haviam lhe fornecido. Seria uma viagem longa e cansativa – uns dois ou três dias andando... Contudo precisava de mais materiais para entender o que tanto pesquisava nesse último mês.

Mais tarde, ao pôr do sol, Rick abriu a porta de entrada, cansado. Mestre Eddard não falava nada, mas sabia que o garoto também não conseguia dormir direito durante a noite. Deixou-o ir para o quarto até chama-lo para a janta.

Assim que ele saiu da mesa após comer, Eddard chamou-o e o mandou sentar na cadeira novamente. Obviamente, Rick achou estranho, já que somente se falavam na hora da refeição, então ele sentou desconfiadamente, com o Mestre esperando na sua cadeira.

– Tenho que te perguntar uma coisa importante. – Eddard falou – Amanhã vou acompanhar Flávius e Marcelo rumo a um reino. Irei ficar fora por no máximo seis dias. Se eu te desse a oportunidade de ir, você aceitaria?

Rick franziu a testa. Claramente achava a proposta surreal.

– Hum... – pensou um pouco antes de responder, mas antes de dar a resposta deu um sorriso mínimo – Seria interessante sair um pouco da rotina. Mas por que me deixa acompanha-los?

– Você pode nos dar uma grande ajuda em termos de orientação. Vai nos agilizar bastante no que estamos procurando.

– Mas... Eu só vi mapas poucas vezes quando você me dá aula de leitura...

– Não é disso que estou falando. Então, você aceita?

– Aceito. Gostaria de ir.

– Muito bem. Amanhã vamos sair cedo. Trate de não se atrasar. – Eddard diz levantando-se, mas antes de chegar a ficar ereto Rick perguntou:

– Mestre, aonde nós vamos afinal?

– Para Altos Terrenos.

O garoto arregalou os olhos.

– O... O quê? Por quê?

– Lá é o único lugar que imagino ter um acesso ilimitado a pesquisas de altos níveis. Quero achar mais sobre o homem que quer nos matar.