Flávius, Marcelo, Eddard e Rick andavam cercados por campos. Hora ou outra, ficavam rodeados por morros ou montanhas enormes; outras se deparavam com imensas quedas e se não tomassem cuidado, poderiam perder suas vidas caindo em seu interior.

Alguns anos atrás, Flávius e Marcelo passavam bastante por aquele lugar. Sabiam muito bem aonde iam.

Perceptível a um quilômetro de distância, havia uma montanha maior que todas as outras. Todos, menos Mestre Eddard, sabiam que não era somente uma alta elevação no caminho.

Meu antigo lar – Rick pensou. Mesmo nunca tendo visto Altos Terrenos exteriormente, tinha conhecimento de que o reino estava dentro de uma enorme depressão. Depois de dois dias andando sem parar, finalmente chegara.

Pararam bem na frente da barreira.

– Muito bem. – Flávius falou. – Teremos que subir com cuidado por aqui, pois a possibilidade de ocorrer alguma queda é grande, principalmente por conta da grama escorregadia.

Eddard deu uma olhadinha no mapa. Agora que percebia o quanto estava perto do reino.

Espero que encontremos algo útil.

Levaram mais ou menos uma hora para alcançar o topo. E até mesmo Flávius e Marcelo trancaram a respiração ao deparar-se com a cena esplêndida de Altos Terrenos.

Para sair do lugar, havia caminhos de pedra em torno de toda a elevação, tornando-se a saída mais fácil. As casas humildes se alastravam por quilômetros, rodeadas por estradas de cimento. Se prestassem atenção reparariam em vários estábulos, ferrarias, lagos, jardins e muros para separar a humildade da nobreza do enorme castelo. Com mais janelas e sacadas que podiam contar, erguia-se magnificamente acima de tudo, com uma enorme ponte levando à sua torre principal.

A visão seria bela, se não fosse a destruição a acompanhando.

Podiam-se ver mais casas destruídas do que inteiras. Parte das escadas que levavam ao castelo e diversas estradas continham enormes crateras; e o castelo... A ponte havia desabado no meio e muitas das varandas mantinham-se em pé por muito pouco. Teriam que tomar cuidado ao entrar lá. De vez em quando viam algum monstro andando pela vizinhança.

Rick sabia que o seu lar estaria desse jeito; fora ciente disso. Porém, tudo o que lhe acontecera parecia mais um pesadelo interminável do que a realidade – e agora a vista lhe mostrava que a situação era a oposta.

– Melhor irmos logo. Não iria ser bom andar por essas ruas à noite. – Marcelo recomendou e seguiram o passo descendo pelo caminho estreito até o castelo; que era longe e deveria ser umas quatro da tarde naquele instante.

Enquanto andavam, Eddard olhava para o reino-fantasma admirado. Nunca vira algo tão grande em toda a sua vida – e imaginava o caos que deveria ter sido quando os monstros invadiram em massa. Se na sua vila, que era pequena, fora a confusão que lembrava, tinha até arrepios em imaginar como foi em Altos Terrenos.

Conforme o sol abaixava cada vez mais no horizonte o grupo avançava pelas estradas, vendo diretamente a destruição. Flávius e Marcelo já a tinham visto quando resgataram Rick; mas o mesmo estava inconsciente quando o encontraram. Encarava as casas de seus antigos amigos e adultos que gostara – e na maioria das moradias ainda continham os restos mortais deles.

Algumas vezes se deparavam com monstros – porém nunca mais do que dois juntos. Flávius e Mestre Eddard os eliminavam rapidamente.

Após algum tempo, enfim chegaram às escadarias do castelo. Tinham que tomar cuidado com as crateras, mas conseguiram subir tranquilamente todos os degraus.

Como anos atrás, vários destroços inundavam o salão principal que fora tão belo, que chegava a ter quase dez metros de altura – assim como os esqueletos dos antigos guardas de Marcus IV. Aos lados, havia diversos caminhos para aventurar-se; tanto para os quartos quanto para a cozinha, salão de jantar e outros lazeres.

Contudo somente um lugar lhes interessava.

– Rick, por onde devemos... – Mestre Eddard parou de falar ao ver o que o menino estudava. Ele ajoelhou-se ao conteúdo, afastando sujeira do esqueleto e apalpando a seda do vestido lilás que o mesmo usava.

– Foi ali que o encontramos, ao lado de uma mulher – Marcelo cochichou para Eddard, o mais baixo que pôde.

Eddard suspirou entristecido. A cena lembrava-lhe más recordações; como quando abraçara Amy em prantos naquela cratera, não controlando suas lágrimas.

Flávius aproximou-se de Rick mansamente, medindo as suas palavras seguintes.

– Se ficar vendo isso só será pior. Temos um objetivo aqui, vamos cumpri-lo logo e sair dessa carnificina.

O menino demorou um pouco para se levantar – contudo quando o fez, parecia determinado a não se entregar às suas emoções.

– Não me lembro exatamente de onde que era... Já faz tantos anos... Mas acho que é por aqui. Sigam-me.

Lentamente, subiram os destroços e seguiram por um longo corredor no meio das trevas, passando por várias portas no decorrer do caminho. O único objetivo de viajar tão longe era encontrar a biblioteca real de Altos Terrenos. Neste local seria a única fonte ilimitada de descobrir quem era aquele homem misterioso. Em todos os outros reinos, por serem simples aldeões teriam que esperar por um tempo bem demorado na fila de materiais privilegiados. Mesmo com o príncipe de Altos Terrenos entre eles.

Hora e outra Rick abria alguma porta, fechando-a novamente quando descobria que não era a que procurava. Do pouco que Mestre Eddard enxergava, via se a estrutura acima deles estava prestes a desabar ou não. Felizmente, essa parte parecia bem rígida.

Todos começavam a desconfiar se seguiam pelo labirinto correto. Até que finalmente Rick abriu a porta certa. Afastando o pó que veio nas suas caras, adentraram o local.

Ao ver a quantidade de estantes e livros que preenchiam o lugar, Eddard murchou um pouco. Deveria ter centenas, não, milhares de manuscritos por ali. Na penumbra por conta das janelas soterradas e com o teto bem baixo, perguntou-se quanto tempo demoraria explorando todo esse conhecimento e ficaria confinado naquele espaço empoeirado.

– Vamos ficar aqui só uma noite? – Marcelo perguntou.

– Só iremos às partes que interessam. Deve ter todo tipo de assunto que o mundo conhece nessas estantes... – Eddard comentou – Se pegarem alguma coisa que não tem nada a ver com o que procuramos, já deixem separado em qualquer outro lugar para não pesquisarmos neles novamente em vão.

Virou-se para Rick – Você sabe mais ou menos onde temos mais chances de achar?

– Não tenho ideia. Eu só vinha aqui raramente com a minha mãe ler contos infantis.

O Mestre suspirou – Só nos resta procurar em todo canto.

* * *

Provavelmente já se passara duas horas desde que chegaram. Colocaram a mochila e as espadas perto da porta e espalharam-se entre as estantes. Em diferentes mesas, foram acendendo as velas quase completamente gastas e comprometiam-se a estudar o conteúdo.

Ao decorrer do tempo, Eddard, assim como os outros, ficava cada vez mais cansado e com dor de cabeça – mas adorava fazer aquilo. Tantos conhecimentos... Coisas a se aprender... Fascinava-se com o aprendizado.

Depois de muito vasculharem a biblioteca, somente acharam dois ou três livros que continham algum conteúdo útil. Quando até mesmo o Mestre Eddard não aguentava mais, chamou todos para o lugar onde depositaram a bagagem.

Flávius e Marcelo saíram de duas estantes diferentes, massageando as têmporas. Chamaram o Rick duas vezes, e ele não apareceu.

Perdendo a paciência, rodeou toda a biblioteca, mas não o encontrou.

Rick sumira.