Os pés de Rick ardiam por conta do cansaço. Mesmo gostando muito de não ser o Marcelo naquele momento (já que era ele que carregava a bagagem), estava enjoado de andar tanto sem parar.

Haviam partido de Altos Terrenos há dois dias; já alcançaram o deserto e procuravam por construções conhecidas.

O sol queimava a sua nuca, porém isso não o desconcentrava da conversa daquela noite que ainda permanecia na sua mente.

* * *

– O diário de Marcus IV prova a minha teoria. – Mestre Eddard disse, colocando o caderno na enorme mesa de jantar, onde decidiram conversar sobre o que acharam – Porém, não nos ajuda em muita coisa para descobrirmos exatamente com quem estamos lidando.

– Não dá muitos detalhes sobre a identidade, mas a sim sobre sua personalidade – Flávius opinou – Aqui o rei deixou bem claro que não é alguém simples de se vencer.

O rei – Rick pensou. Continuam chamando-o assim... Mesmo depois de anos de o seu reino ter caído.

– Mas disso já sabíamos – Rick falou, olhando para o desenho – Qualquer um deduziria só pelo fato de ele ter controle sobre zumbis.

– Enquanto você vagava pelo castelo na maior tranquilidade – Eddard falou – Nós achamos na biblioteca dois livros que deram uma clareada sobre esse homem.

O Mestre abriu os manuscritos velhos. Após virar algumas páginas, apontou para diversos trechos.

– Mesmo sendo indireto, há várias menções aqui de lendas bem conhecidas nos reinos e vilas do sul sobre alguém imortal.

– Existem duas versões. – ele continuou – Os que se aventuram em submeter completamente as suas vidas aos estudos para tentarem tornarem-se alquimistas são os que mais acreditam e reverenciam esse homem, pois têm certeza que ele foi o único humano que foi capaz de conseguir o elixir da imortalidade.

– Alquimistas? – Marcelo perguntou.

– São pessoas que tentam utilizar a magia, mesmo nunca obtendo sucesso; pelo menos que eu saiba. Continuando, já que consideram uma pessoa perfeita feita de ouro, o chamam de Male Aurea; homem de ouro.

– A criatividade deles é o que impressiona – Rick sussurrou.

Entretanto – Eddard diz dando ênfase na voz, dizendo bem claramente para o menino fechar a boca – Ele também é visto como um deus por outras pessoas. Na verdade mais como um demônio, como Marcus escreveu.

“De acordo com essa versão, Notch, no começo do mundo, criou dois humanos – os irmãos Steve e Herobrine. Ambos não eram deuses ou algo parecido, porém um dia Herobrine morreu afogado no mar. Por isso o nome – Hero: herói; Brine: água salgada”.

– Mas esse homem nunca seria herói de alguma coisa... Pelo contrário! – Flávius interrompeu.

– Pois bem. Existe lugar mais cruel, escuro e profundo do que o oceano? O nome é uma metáfora. Depois de desaparecer nas águas após o incidente, Herobrine simplesmente desapareceu. Steve nunca encontrou o seu corpo.

“Porém, de acordo com a lenda, Herobrine culpou o irmão por ter morrido; acreditando que ele o havia deixado morrer intencionalmente. Com a sua sede de vingança, de alguma forma desconhecida venceu a morte e voltou ao mundo dos vivos”.

“Contudo ele não era mais a mesma pessoa de antes. Despertando poderes sobrenaturais, começou a torturar o Steve invadindo seus sonhos; sempre o matando de diversas maneiras diferentes”.

Rick engoliu em seco, percebendo bem demais as semelhanças entre os seus sonhos e os de Steve.

“Um pouco mais tarde, aparecia rapidamente na sua frente quando Steve ia às minas, já que minerar era o seu hábito. Enquanto minerava, Herobrine adorava machuca-lo pelas costas, mas nunca o feria fatalmente”.

“Após alguns meses com esses tormentos, Steve foi procura-lo para acabar com aquilo. Dizem que depois de um tempo tentando acha-lo, encontrou a moradia do irmão falecido”.

“Essa versão acaba nesse momento, pois Steve nunca mais saiu do local” – Eddard terminou olhando para o seu público novamente.

– Ou seja... O tal Herobrine nunca foi derrotado. – Marcelo comentou.

– Foi sim. – Rick falou. – Meu pai o derrotou uma vez. Bom... Pelo menos o afastou por um tempo.

– Mas ninguém nunca o matou realmente. – Flávius disse.

– Não podemos esquecer de que o que descobrimos são somente lendas sobre um humano poderoso. – Eddard falou fechando o livro, já que não havia mais nada de útil. – Nem sabemos se são de fato reais.

Olhou para Rick.

– Assim que voltarmos à vila, iremos recomeçar os treinos imediatamente. A única forma que temos de ter uma mísera chance de o vencermos é nos fortalecermos.

* * *

Jean arava as plantações. Hora ou outra, apoiava-se na sua enxada e olhava para o horizonte.

Fazia cinco dias desde que Rick havia saído da vila. O que o deixava preocupado e um pouco chateado é que o amigo nem o avisara sobre isso. Por que ele sairia sem lhe contar nada? Além de ficar no maior tédio quando ele saía, tinha que fazer todas as tarefas do dia sozinho. Na verdade quase sempre fazia quando Rick ia para os treinamentos, mas geralmente quando Jean treinava era Rick quem ocupava o serviço. E quando nenhum dos dois podia alguma outra pessoa entrava no lugar.

Aos poucos, percebeu quatro pessoas andando em direção à vila. No momento em que se aproximaram o suficiente, Jean reconheceu que eram Marcelo, Flávius, Mestre Eddard e Rick.

Não largou o seu trabalho. Afinal, não era ele quem tinha que dar satisfações.

Após quase quinze minutos que já haviam chegado à vila, Rick enfim veio em sua direção.

– Jean...! – ele falou se aproximando. Antes que continuasse, Jean deu um murro na sua cabeça com a enxada.

– AI! – Rick resmungou indignado massageando o lugar ferido – Por que fez isso?!

– Porque certo alguém ficou fora por muito tempo sem nem sequer me avisar! Quem você acha que ficou com todo o seu trabalho? – Jean respondeu o encarando feio.

– Foi mal, princesa. – Rick se desculpou olhando para cima para encara-lo também, já que era quase uma cabeça mais baixo que ele – Se eu tivesse tido chance, teria te falado alguma coisa! Mas quando eu soube que iríamos viajar, já era noite e partimos bem cedo!

– E para onde foram afinal?

Rick olhou para baixo. Até então, por causa da sua irritação, Jean não havia percebido sua cara de preocupação.

– O que houve? – Jean perguntou em um tom diferenciado.

– Nós fomos a Altos Terrenos... O meu antigo lar.

O amigo surpreendeu-se. Sabia que devia ter sido difícil ver toda aquela destruição.

– Mas... Por quê?

– Tentar descobrir mais sobre aquele cara misterioso. Não achamos quase nada... Mas pelo menos descobrimos algo.

– Não deve ser coisa boa, pela sua reação.

Rick engoliu em seco.

– Acertou. O Herobrine não vai desistir tão cedo de mim.

* * *

– Por que não começamos a treinar com uma arma de verdade? – Rick perguntou, atacando com o cabo de treino.

– Você mal dominou os golpes com esse cabo, quem diria com uma espada – o Mestre respondeu, indo para trás.

Nesse treinamento, Eddard resolveu variar um pouco o campo. Lutavam em cima de uma ponte toda esburacada e quase completamente dominada pelas árvores e plantas nas extremidades, bem perto da cachoeira que conheciam tão bem.

– Já matei vários zumbis com uma espada de ferro – Rick continuou.

– Estamos nos preparando para ataques muito piores do que zumbis. Aliás, zumbis não são espertos o suficiente para fazer isso, por exemplo – aproveitando outro ataque dele, Eddard o fez tropeçar e Rick teria caído fortemente de costas no chão.

Porém ele não contava com o buraco na ponte que estava justamente no lugar onde o garoto desabou.