Mestre Eddard mostrou-lhe o movimento necessário.

— Em um combate você não pode ser lerdo. Com alguma espada ou sem, a força do ataque é a velocidade. Tem que ser veloz o suficiente para dar o golpe e se afastar do oponente. Eventualmente, o seu inimigo vai perdendo as forças e a esperança de vencer; garantindo a sua vitória.

Rick assentiu. Deu um soco no ar e recuou novamente, mais rapidamente do que a investida anterior.

— Bom. Porém, quando você tem certeza que vai acertar o golpe e prejudica-lo, por que não investir mais? Sempre dê no máximo três ataques seguidos. Faça o possível para derruba-lo.

O adolescente avançou com um chute semicircular de cento e oitenta graus e assim que pousou os dois pés no chão firmemente, avançou com outro soco veloz e forte.

O Mestre avaliou o seu aprendiz. Aos seus quatorze anos de idade, Rick evoluíra de uma maneira surpreendente nas artes marciais.

O treinamento que efetuava era o trabalho corporal; para o caso de ele ter que enfrentar algum inimigo sem o auxílio de nenhuma arma. Já chegara a hora do garoto utilizar o músculo que desenvolvera ao longo de anos praticando com a espada de ferro.

— Ótimo. Agora te pergunto: o que é uma luta sem um oponente? – Eddard abriu um pequeno sorriso irônico e deu um chute forte no braço dele, o fazendo ter um tombo lindo.

Rick somente encarou-o enquanto levantava. O Mestre viu que ele daria de tudo para poder xingá-lo aos berros – mas finalmente aprendera a controlar a lábia.

* * *

Naquele dia voltaram mais cedo do que o costume: iria demorar meia hora ainda para anoitecer e geralmente chegavam praticamente no escuro.

Rick via isso como um bônus por não ter se descontrolado na hora que recebeu o chute extremamente dolorido – o local que foi acertado ficou roxo. Conseguiria conversar com Jean e descontrair um pouco.

Era rara a ocasião que tinha esse luxo. Sua rotina era treinar, treinar, treinar, trabalhar e treinar. Então caminhava contente e menos cansado do que o normal.

Mas é claro que alguém estragaria essa maravilha. Após depositar a mochila com o equipamento do Mestre na sua casa, andava tranquilamente na direção do ferreiro quando um grupo de garotos o cercou.

Suspirou. Vai começar. Não parou de andar.

— Olha só quem está por aqui! O fantasminha! – Thiago falou.

— Tem certeza? Não é somente uma ilusão? – Davi continuou.

— Sim, ele tem razão. Dá para sentir a frieza no ar. – Henry terminou tremendo forçadamente. Thiago, Philip e Davi riram e tremeram também.

— Tenho que admitir que essa foi criativa. – Rick disse esbarrando fortemente no ombro de Thiago, forçando a passagem – Me surpreendo com o fato de você conseguir bolar piadas com a inteligência limitada que tem.

— Ah! Finalmente falou alguma coisa! Achei que um zumbi tivesse comido a sua língua – Henry retrucou.

— É por isso que me persegue todo dia? Para ouvir a minha linda voz? – dessa vez Rick foi obrigado a parar por conta da barreira de quatro pessoas mais altas que ele.

— Não. É simplesmente para te tirar do sério. Você merece.

Sempre o mesmo assunto. — Ah... E por que mesmo? – perguntou fingindo dúvida.

— Por ter matado o Otávio! – Henry gritou seriamente.

Essa sentença era comum. Henry nunca tirou da cabeça que Rick que foi o culpado da morte de seu amigo. Nisso a turma dele – Philip deixara de ser o dono da gangue – concordava plenamente.

— Ah, verdade. Tinha esquecido – não conseguiu evitar olhar para cima suspirando enquanto respondia ironicamente.

— Esqueceu?! Você tem uma memória bem curta pro meu gosto!

Sua paciência se esgotava rapidamente.

— Eu fui irônico seu débil mental! Escute bem, pois essa será a última vez que vou repetir: Eu. Não. Tive. Culpa. Agora sai da frente antes que eu te obrigue a sair.

— Não teve culpa?! Então por que você sabia do ataque? Quando o Flávius te perguntou o que estava acontecendo você respondeu que era uma longa história! Você que atraiu os zumbis para a aldeia por algum motivo!

Rick fechou mais ainda a cara. Se fosse pensar bem... Tecnicamente foi sim o culpado pelo ataque; já que o Herobrine o via como um alvo. Mas Rick não era quem tinha as más intenções.

— E desde aquele dia, os ataques nunca pararam! Você quer nos matar! – Philip afirmou.

Parte era verdade. Os ataques de zumbis se tornaram comuns à noite – mas nunca com tantos quanto da primeira vez. Os adultos já se acostumaram a eliminar uns quinze por noite. Mas por mais que aqueles garotos o infernizassem além da conta, Rick nem pensava em mata-los.

— Está louco? Por mais que essa proposta seja tentadora, o que eu ganharia matando-os? Pela última vez... Saiam da frente.

Seu olhar dizia que se não saíssem iriam acabar machucados. Nem eles eram tão burros ao ponto de lutar contra o menino que treinava constantemente com o Mestre Eddard. Abriram um pequeno caminho.

Rick avançou a passos largos, esbarrando nos ombros de Philip e Henry.

* * *

— Eles só querem te atingir. Você nem deveria responde-los – Jean recomendou, moldando a espada. Ultimamente ganhara o interesse por fazer armas, então aprimorava o conhecimento.

— Eu tento, mas simplesmente não dá! Eles me tiram do sério... Principalmente o maldito Henry – Rick respondeu com as mãos na cabeça, enquanto se apoiava no balcão de pedra do ferreiro – Eles dão golpes baixos...

— Bom, assim somente vai sofrer mais. Como sempre digo: ignore.

Rick suspirou profundamente. Ficou imerso em pensamentos, imitando Jean.

Estava feliz pelo seu amigo ter conseguido um tempo para conversarem. Só tinham a possibilidade de trocar ideias uns dez minutos por dia – o que nenhum dos dois achava o suficiente para relaxar. E era isso que Rick mais necessitava.

Jean percebia que alguma coisa deixava Rick muito preocupado e inquieto há tempos. Desde quando ele viajou para o seu antigo reino nunca retornou como a mesma pessoa de antes. A princípio, deduzia que era só pelo o que descobriu fora:

“O nome daquele cara sinistro é Herobrine. Não sabemos direito quais são os seus poderes, mas certamente tem domínio sobre os monstros e quem sabe... Sobre a magia. Não é um homem simples de se vencer. E já que apareceu aqui... Provavelmente está atrás de mim, mas é somente uma suposição”. Rick lhe revelou após levar uma enxadada na cabeça.

Contudo agora, Jean tinha quase certeza que era algo a mais. Lembrava-se do que Mestre Eddard falara aos dois: “A destruição de Altos Terrenos e a quase daqui estão conectadas com esse homem. Mas ele não quer parar na ‘quase destruição’.”.

Se fosse o que Jean pensava, faria sentido seu amigo treinar tanto e sofrer tanto em silêncio. Para a vila não ser destruída, Rick teria que derrotar esse tal Herobrine.

Jean entendia porque ele ocultava esse detalhe dele. Provavelmente temia a sua reação perante esse fato. Por isso fingia que não sabia de nada.

— Jean, pra que serve essas pulseiras que sempre está usando? – a pergunta que buscava algum assunto interrompeu seus pensamentos. Olhou para os seus pulsos. Duas fitas de tecido marrom se enrolavam neles.

— Ah, simples. De vez em quando eu os uso para limpar o suor da testa. Ou os aproveito para limpar alguma lâmina. É muito útil, mas não gosto de ficar carregando para todo lugar... Então dei um jeito de torna-los práticos.

E fazia parte da última coisa que me restou de meu pai... A roupa que usava.

— Entendi... Mais outra pergunta: por que o súbito desejo de fazer espadas?

— Além de querer a minha própria espada... Em vez destas já prontas que não equilibra direito na minha mão... Quero entender um dos hobbies do meu pai. – Jean respondeu, vendo o seu trabalho resultante mal feito. Alguma hora acertaria.

— Hum. – ele somente comentou, não pedindo mais detalhes sobre o assunto. Jean agradeceu internamente.

Somente a luz da brasa do fogo que os fazia enxergarem bem um ao outro. As calçadas já estavam vazias; hora de voltar à segurança. Daqui a pouco chegariam os zumbis.

— É melhor voltarmos... Ou a sua mãe e o Mestre vão ficar irritados... – Rick falou se espreguiçando.

— Verdade... – Jean guardou a “espada” no baú do depósito.

— Amanhã vou tentar chegar mais cedo do treino... Aí poderemos testar um pouco nossas técnicas de combate – Rick disse com um pequeno sorriso – Então se prepare. Até mais.

Ele estava prestes a virar-se para ir embora quando Jean o segurou pelo ombro, o obrigando a olhar para ele.

— Rick... Só quero te dar um conselho. Não os deixe atingir o seu coração. Você não pode ceder à vontade de seus inimigos... Assim estará perdendo a luta. A vida sempre terá seus altos e baixos... Contudo um verdadeiro guerreiro os suporta e segue em frente sem mostrar fraquezas.

Rick o encarou por alguns segundos, pensando nas suas palavras. Seus olhos voltaram-se para baixo. A preocupação estava estampada neles.

— É tão difícil...

— E quem disse que seria fácil?

Ele o olhou por um momento. Abriu um sorrisinho sincero.

— Obrigado.

Com um último aceno os dois se separaram.

* * *

Rick andava por um corredor escuro. Tateava as paredes laterais para se orientar, mas o caminho nunca acabava. Enfim, se deparou com uma porta de ferro.

A abriu dificilmente por conta do peso do material. Assim que chegou à sala completamente quadrada, percebeu que parte do chão de pedra que pisara afundou, fechando a porta atrás de si. Rick tentou abri-la novamente, porém estava trancada.

Por pequenas fendas, água começou a entrar rapidamente, enchendo a sala e subindo o nível. Rick, desesperado, começou a tatear e socar as paredes enquanto nadava para conseguir respirar.

Quando a água encheu completamente o local Rick não conseguia respirar. Estava preso. Socava qualquer objeto sólido que encontrava, não adiantando nada. Seus pulmões explodiam em brasas gritando por ar. Ouvia sua pulsação como se estivessem tocando tambores. Olhou para baixo: havia uma pequena parte feita de vidro, onde viu um homem sorrindo para ele.

Mas agora não tinha consciência para tentar quebrar o vidro; tentava desesperadamente respirar, engolindo um monte de água.

Rick arregalou os olhos. Pensou que ainda ouvia seu coração; contudo percebeu que era a porta sendo espancada. Sempre tinha algum zumbi que decidia bater.

Virou-se para cima, limpando o suor da testa e soltando o ar tremulamente. Os sonhos ficavam cada vez mais reais. Ainda sentia dificuldade em respirar por conta da dor que sentia.

As batidas não cessavam; então o Mestre Eddard se irritou e foi pará-lo de uma vez. Rick ouviu a porta sendo aberta e quase nem três segundos depois uma massa desabando. Porém o Mestre não voltou; pelo contrário, saiu da casa.

Hoje tem bastante deles. Então ele foi ajudar os adultos. Não saía da normalidade. Tentou dormir novamente. Assim que quase adormecia, o Mestre voltou e o sacudiu.

— Hã? Que foi? – o garoto perguntou sonolento.

— Levante-se! Precisaremos de todos que sabem lutar!

Ouviu uma explosão ao longe. Isso o despertou completamente.