O prato jazia quebrado no chão já há algumas horas. Seu conteúdo – um bolo de morangos – estava espalhado pelos ladrilhos brancos da cozinha atraindo algumas formigas.

Ritsuka permanecia quieto.

Encolhido em seu canto ele acariciava de leve os hematomas já arroxeados do braço enquanto apertava o machucado doloroso no quadril – resultado de sua queda sobre a quina da mesa.

Uma leve moleza começara a se espalhar por seu corpo, o forçando ao sono, porém ele não podia dormir.

Tinha de limpar aquela bagunça antes que seus pais voltassem.

Segurando o choro o menino levantou-se e se apoiou na bancada. Devagar, ele ergueu a barra da camiseta para constatar que o ferimento no quadril não fora grave, mas sangrava um pouco.

Respirou fundo algumas vezes e olhou o relógio – 21:35.

Daqui algumas horas será natal.

Mas para ele essa data não importava mais.

Limpou a sujeira do chão enquanto repassava mentalmente as coisas que o “Ritsuka” gostava e as coisas que sabia ou não fazer.

— O Ritsuka da mamãe também não sabe fazer bolos – disse para sí mesmo enquanto pegava o saco do lixo e levava para fora – o Ritsuka dela não sabe fazer nada.

Um tanto triste ficou olhando a decoração natalina dos vizinhos e se perguntando como seria se ao invés dele o verdadeiro Ritsuka estivesse ali...

Talvez sua mãe não tivesse ficado tão brava pelo bolo.

Talvez não o machucasse.

Talvez... Não tivesse ferido a mão enquanto destruía todo o trabalho que ele tivera em preparar aquela pequena ceia para eles. Agora o pai a levara ao hospital para dar pontos no ferimento e ele ficara para arrumar a bagunça.

Voltou para o quarto, tomou um banho, deitou-se e tentou dormir.

Mas era inútil.

Sabia disso.

Ouviu quando seus pais voltaram. Ouviu as palavras dela sobre o quando odiava o “falso” Ritsuka e a promessa do pai de jogar fora a pequena árvore natalina que Ritsuka montara assim que amanhecesse.

E logo... Silencio.

Duas da manhã.

Um leve barulho chama sua atenção. Ouviu passos pelo quarto, mas não se mexeu.

Logo, um leve ranger denunciava que alguém sentara em sua cama e uma mão quente pousou sobre seus cabelos numa caricia desajeitada.

— Esta dormindo? – perguntou aquela voz que ele tanto conhecia. Negou com a cabeça fazendo o outro rir e logo sentiu o rosto ser tocado por lábios macios – feliz natal, Ritsuka. Trouxe um presente pra você.

— Mas eu não tenho nada pra você, Soubi – disse finalmente.

— Um beijo basta, enquanto não puder fazer o que realmente quero.

Olhou em direção ao maior que lhe sorria gentil. Soubi talvez fosse a única pessoa que o aceitava como ele era.

Que preferia “este” Ritsuka.

— Soubi esta sempre falando coisas difíceis. Não entendo seus sentimentos de adulto – levantou-se e abraçou Agatsuma, aninhando-se em seu colo. Sem jeito, segurou o rosto maior e depositou um beijo em sua testa, surpreendendo Soubi – faça o que quiser. Hoje... Só hoje, eu não vou me importar.

Ritsuka sentia-se triste. Após o beijo, escondeu o rosto no peito de Soubi e, de olhos fechados, ficou ouvindo o bater acelerado de seu coração.

Logo sentiu seu corpo ser envolvido pelos braços protetores de Agatsuma. Sentiu aquela mão forte a acariciar lhe as costas enquanto a outra afagava lhe os cabelos negros e os lábios de Soubi percorrerem seu ombro, causando cócegas e deixando uma sensação quente que ele jamais sentira antes. Soubi o apertava em seus braços. A mão que lhe tocava as costas logo ergueu o moletom e ousou tocar-lhe a pele, deslizando intensa sobre o jovem abdômen para depois fluir por suas costas em direção á nuca, já arrepiada por aquelas sensações estranhas e reconfortantes. Sentiu seus cabelos serem levemente puxados, fazendo-o arcar a cabeça para trás, expondo o pescoço aos lábios atrevidos de Soubi.

Um breve gemido escapa de seus lábios no instante que Soubi, extasiado pelo momento, puxou a gola do moletom e lhe mordeu o ombro. Ao ouvi-lo, Soubi finalmente deu-se conta do quão longe estava indo e parou suas carícias. Sentia-se frustrado, mas não podia continuar. Ajeitou a blusa do menor e tornou a apertá-lo em seus braços, enquanto beijava seus cabelos macios e buscava se acalmar.

Afagou lhe o braço marcado de roxões enquanto aspirava seu cheiro doce, se perguntando o que poderia fazer por aquele menino assustado que tão inocentemente o aceitava. Afastou a franja macia e depositou um beijo suave sobre a testa.

Logo o Agatsuma sente Ritsuka envolve-lo num abraço sonolento. Olhou para o rosto corado, quase oculto em seu peito e sorriu, apreciando aquele gesto.

— Quando você crescer – disse Soubi – eu quero ouvir isso de novo... “faça o que quiser”... Não devia me tentar tanto, Ritsuka!

O menino abriu os olhos e olhou para ele. Não conseguia entende-lo, mas sentia que o amava muito. Amava a sensação de proteção que tinha sempre que Soubi o abraçava. Amava aprender coisas novas com ele e amava os momentos que estavam juntos, pois assim, não se sentia sozinho.

— Pode ficar aqui até eu dormir? – perguntou, apertando mais os braços em torno do corpo maior.

— Sim. Não vai abrir o presente?

— Depois... Soubi... eu... tentei fazer um bolo de natal pros meu pais hoje... Mas não deu muito certo. Eu pensei... Se poderia tentar de novo em sua casa, depois do almoço. Youji e Natsuo estarão lá também... Poderíamos fazer... uma ceia.

— Tudo bem, mas seus pais...

— Papai quase não fica em casa e depois de hoje mamãe talvez não saia do quarto até ele chegar. Se eu voltar cedo não tem problema.

— Aconteceu algo que queira me contar? – perguntou Soubi, notando uma certa amargura nas palavras do menino.

— Hum-Hum – Ritsuka fez um não com a cabeça, mas Soubi sabia que era mentira. Levantou-se com o menino nos braços e o depositou na cama, cobrindo-o com uma manta.

— Ainda me deve o presente, Ritsuka.

— Você pediu um beijo. Já te beijei.

— Na testa não pode ser considerado beijo – retrucou e, erguendo o rosto do menino, olhou-o nos olhos, tentando decifrar aquele olhar firme, porém tristonho que Ritsuka lhe dava.

Abaixou o rosto lentamente até tocar no rosto do menor, que não se mexeu. Deslizou o nariz sobre a bochecha de Ritsuka e encostou seus lábios nos lábios dele, roçando de leve e por fim, selando ambos os lábios num beijo delicado.

— Durma – falou Soubi após quebrar o contato – te vejo novamente á tarde.

— Boa noite e feliz natal, Soubi.

— Boa noite, meu pequeno Ritsuka.

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