O vento gélido de final de dezembro açoitou sua janela, adentrando o quarto e causando calafrios no menino que se apresou em fecha-la.

— Acho que ele não vem hoje – disse, olhando as ruas vazias lá fora antes de trancar a janela e voltar para o calor de suas cobertas.

A casa estava silenciosa.

Lá fora, alguns fogos de artificio começavam a colorir prematuramente o céu. Dentro de poucas horas, seria Ano Novo, mas, sem permissão de sair á noite, Ritsuka se ocupava numa leitura silenciosa de Maquiavel.

No dia seguinte iria encontrar-se com os amigos logo cedo para fazer os pedidos no templo. E Soubi estaria lá, com certeza.

Pegou o celular e digitou uma mensagem para Agatsuma. Esperou longos minutos, mas não obteve resposta.

Um tanto irritado, digitou outra, mas teve o mesmo resultado.

Decidiu então ligar para Soubi, porém, após vários toques, deu caixa postal.

Não era a primeira vez que Soubi quebrava a promessa de atender seus telefonemas... Mas o desanimo que ele vinha mostrando nesses últimos dias deixou Ritsuka preocupado, e por um momento ele pensou que talvez Soubi estivesse com problemas. Ferido ou metido em alguma batalha desigual, enquanto ele – Ritsuka – estava ali, no abrigo de seu quarto e alheio ao sofrimento do amigo.

Tentou ignorar a inquietude que começava a tomar conta de si e tornou a se dedicar ao livro, mas conforme as horas passavam – e o celular de Agatsuma continuava na caixa postal – o menino se desassossegou.

Vestiu um casaco grosso e saiu silenciosamente, tendo o cuidado de preencher suas cobertas com travesseiros para o caso da mãe levantar-se e procurar por ele.

Saiu pelas ruas gélidas em direção ao apartamento do maior, mas ao chegar lá, não o encontrou. Estava trancado.

Tentou ligar novamente, mas o celular tocava e tocava inutilmente até cair na caixa postal.

Em algum lugar da cidade...

Ventos gélidos sopravam seus cabelos, causando arrepios de frio. Sozinho e abalado pelas recentes descobertas, Soubi ignorava o tempo e apenas seguia em seus passos lentos e incertos pela rua. Em sua mente, aquela voz ressoava, preenchendo cada pensamento, fazendo-o relembrar de coisas antigas e dolorosas.

— Definitivamente era a voz dele – balbuciou Soubi para o vento – era a voz... do Seimei.

Um numero desconhecido. A voz autoritária que lhe ordenara a levar Ritsuka a um certo endereço e depois a frase que encerrou aquela conversa unilateral “Não me decepcione, Soubi”.

Uma dor aguda se espalhava por seu peito, sufocando-o. Não sabia o que fazer. Se Seimei estava vivo, significava que também o abandonara. E agora, voltara pra reclamar Ritsuka.

Seimei, a pessoa a qual dedicou-se de corpo e alma, o abandonara.

— Assim como meus pais... e Ritsu-sensei. Por quê? Por que Seimei?

O que fazer? – era a pergunta que o assombrava. Seimei lhe dera uma ordem. E suas ordens eram absolutas. Tinha de levar Ritsuka até ele... Mas não podia. Não queria.

“Um combatente não tem vontade própria. O Combatente serve apenas para obedecer seu mestre e nada mais” – e seu mestre era Seimei.

Logo sentiu seu celular vibrar – uma mensagem do Ritsuka – mas não leu. Seguiu caminhando pelas ruas escuras com aquelas perguntas se repetindo em sua mente sem encontrar uma resposta.

Mesmo várias ligações do menino foi inútil. Não tinha vontade de ver ninguém. De falar com ninguém.

Confuso ele sentou-se num banco de praça e ficou encarando o chão.

Não podia entregar Ritsuka.

Não podia desobedecer Seimei.

Mas acima de tudo... Não queria mais ser traído. Mas estava certo alguém como ele rebelar-se contra o próprio destino?

Apreensivo, Ritsuka caminhou sem rumo pelas ruas vazias enquanto se perguntava onde Soubi poderia estar, mas, após um tempo, desistiu.

— Não tem como encontra-lo. Droga, Soubi!

Tentou uma ultima vez ligar para ele, mas, após três toques, a ligação foi interrompida. Tentou mais uma vez para confirmar e novamente, após o primeiro toque, a ligação caiu.

Soubi evitava atende-lo.

Irritado, Ritsuka mandou uma mensagem “Atenda minha ligação. É uma ordem!” e tentou de novo outras três vezes até ter sua solicitação atendida.

— Alo? – era a voz de Soubi, indiferente.

— Soubi maldito! Por que não atendeu quando liguei pra você?!

— Desculpe. Quero ficar sozinho agora, Ritsuka, te ligo amanhã.

— NÃO OUSE DESLIGAR! Onde você esta?

— No meu apartamento.

— Mentira. Eu estou aqui na frente e a porta tá trancada. Fala logo, onde você esta, Soubi? É uma ordem!

— É inútil me encontrar agora. Amanhã...

— Não. O que esta acontecendo com você? – perguntou o menino, sua voz ficando um pouco fraca. Estava se sentindo nervoso, mas não podia chorar – fala logo. Estou com frio. Se vai me ignorar vou voltar pra casa e nunca mais falo com você!

— Então você esta mesmo no meu apartamento. Hm. Eu vou até ai. Me espere.

Desligou.

Enregelado, Ritsuka sentou-se na escada e ficou assoprando as pontas frias dos dedos, impaciente.

Levou longos minutos até finalmente ver o vulto alto surgir de um dos becos e caminhar em sua direção com passos vacilantes.

— Soubi! - O maior se aproximou, mas não olhou o menino. Apenas mirou o chão. Sua expressão abatida denunciava que algo não estava bem – o que aconteceu? Por que não me telefonou?

Silencio.

— Esta ferido? – perguntou Ritsuka, recebendo um aceno negativo como resposta – Lutou contra alguém? – não – Esta triste?

Desta vez Agatsuma apenas estreitou os olhos e, dando as costas ao menino, disse:

— Vamos, vou te levar pra casa.

Ritsuka o olha, frustrado e raivoso. Segura as mãos geladas de Agatsuma e o puxa em sua direção.

— Não me ignore. Estou preocupado com você! Desde aquele dia... – falou, agora desviando o olhar e acalmando a voz – quando você me pediu para fugirmos juntos... eu sabia que tinha algo errado, mas você sempre parece tão forte, Soubi! Eu pensei... que estaria tudo bem se só lhe dissesse pra se esforçar. Desculpe, você até me confortou no natal, mas eu não consigo fazer nada por você.

— Não fale assim. Sua presença já é o suficiente, Ritsuka.

— Não é não.

As ruas estavam vazias e um tanto escuras. Já era quase meia noite e o vento não dava tréguas.

Parados ao pé da escada, Agatsuma e Ritsuka nada disseram durante algum tempo. Até que, com uma expressão decidida, Ritsuka segura a mão de Soubi - Como esta gelada! – e o puxa para junto da escada. Precisou subir três degraus para ficar á altura do mais velho e poder encara-lo de frente.

— Pelo menos uma vez – disse o garoto – confie em mim. Queria ter forças para lutar a seu lado... Mas acho que a única coisa que posso fazer agora é isso.

Com ambas as mãos Ritsuka segura o rosto maior e olha nos olhos de Agatsuma, se perguntando quantas tristezas aquele adulto suportava só para estar a seu lado. Soubi retribuía o olhar um tanto assustado pela iniciativa do menino, e antes que pudesse dizer algo, Ritsuka encurtou a distancia entre eles e selou seus lábios frios aos lábios gelados dele.

Devagar, Ritsuka apertou mais o rosto contra o rosto de Soubi e deixou que sua língua pressionasse os lábios do mais velho, tentando penetrá-los. A falta de reação de Soubi fez o menino pensar, por um momento, que fizera algo errado. Mas antes que se afastasse, sentiu seu rosto ser tocado por aquelas mãos grandes e os lábios de Soubi finalmente cederem, abrindo-se e acolhendo sua língua pequena num beijo profundo.

Ritsuka sentiu quando sua própria boca foi invadida pela língua possessiva de Soubi mas não recuou. Seu pequeno corpo logo foi enlaçado pelo Agatsuma num meio abraço intenso e a mão forte de Soubi mantinha seu rosto colado ao dele, lhe segurando os cabelos macios e mordendo seus lábios delicadamente, mas com vontade.

Abraçou-o, recebendo o beijo e o calor de Soubi, sentindo sua respiração irregular, as batidas descompassadas de seu coração, a firmeza de seu toque, a macies dos longos cabelos dele... Ritsuka começava a sentir-se quente. A conhecida sensação angustiante que o tomava sempre que estavam próximos foi ficando cada vez mais forte. Ritsuka abria mais a boca. Recebia o beijo com vontade, sentindo seu peito queimar num desejo irreal de poder fundir-se ao Agatsuma. De abrigar-se naquele corpo forte e esquecer toda a tristeza. De adentrar sua pele e tornarem-se apenas um.

Mas isso era impossível.

Logo seu pequeno corpo começou a pedir por ar. Envolto nos braços de Soubi, Ritsuka não conseguia se afastar o suficiente pra respirar. Estava totalmente preso ao combatente, sentindo-o explorar toda a sua boca, sentindo-o mordisca-lo, lamber seus lábios e penetra-los novamente com sua língua exigente, mas estranhamente não achava aquilo ruim. Puxou o ar com força quando Soubi lhe mordeu o lábio inferior e puxou aqueles cabelos compridos ao sentir o maior espalhar beijos por seu rosto e pescoço e de repente uma estranha tristeza começa a lhe apertar o peito. Um desejo aflito de querer estar próximo do maior.

— Soubi... – Falou o menino, num fio de voz – nunca mais... nunca mais esconda seus sentimentos de mim! Se esta triste... se se sente sozinho... você pode confiar em mim! Eu quero... eu quero estar a seu lado. Eu... Eu te amo, Soubi... Ah!

Agatsuma ficou imóvel por um momento. As palavras de Ritsuka o atingiam, quentes, reconfortantes.

Poderia mesmo confiar naquele pequeno?

Confiar que, num futuro próximo, ele também não o trairia?

Não.

— Não deveria – falou, em resposta a confissão de Ritsuka – quando Loveless... quando seu verdadeiro combatente aparecer... você também me abandonará, Ritsuka.

— Não vou! Eu jamais... jamais faria isso. Mesmo que você não possa ser meu combatente... mesmo assim... nós já temos um vinculo. E ninguém pode quebra-lo.

— Então seja meu mestre. Me dê uma ordem, Ritsuka! Me domine... para que eu possa servir apenas a você... – Soubi o olhava. Havia desespero em seus olhos.

— Eu não vou fazer isso – disse Ritsuka, com um sorriso gentil nos lábios. Acarinhou de leve o rosto do Agatsuma “Ele parece até uma criança!” pensou e tornou a aproximar seu rosto do dele, lhe dando um selinho – não vou. Toda essa coisa que sacrifício e combatente... Nada disso importa. Você pode ser livre se quiser. Você pode escolher... estar comigo... ou não. Assim como eu escolho lutar a seu lado.

Abraçou o maior, ainda sorrindo. Sentia-se feliz por poder transmitir seus sentimentos a Soubi, mas sentiu-se ainda mais feliz quando Agatsuma, apoiando o joelho nos degraus da escada, o abraçou e disse, num sussurro em sua orelha:

— Então... Jamais saia de meu lado, Ritsuka.

Dentro de minutos, dezenas de rojões começaram a cortar a escuridão noturna, explodindo em cores e formas distintas e marcando o inicio do novo ano. Maravilhado pelo espetáculo, Ritsuka corria pelas ruas frias, puxando Soubi pela mão no caminho de volta para casa.

Próximo dali, alguém os observava, irritado. Pegou o celular e discou o numero de Agatsuma, porém, viu o maior olhar o visor do aparelho e depois joga-lo numa lata de lixo próxima para depois acariciar os cabelos de Ritsuka com um sorriso decidido nos lábios.

Sobre as cores do ano que se iniciava, uma nova dupla nasceu.

Sem nome.

Sem arrependimentos.

Ligados por um vinculo que se fortaleceria cada vez mais.

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Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.