Eu saí do hospital sem permissão, não estava pensando direito. Coloquei um casaco por cima da camisola, tinha sido deixado na poltrona. Fui para fora do hospital e fazia muito frio, andei descalça até o jardim e me sentei num banco. Nevava fraco e a rua estava deserta por estar a noite. Ainda não sabia onde meus pais estavam e nem como tinha conseguido ir ali sem que ninguém me visse, mas fiquei por algumas horas chorando. O silêncio e os flocos de neve foram os únicos que testemunharam minha tristeza e minha dor. "Você estará morta daqui algumas semanas", esse pensamento não saía de minha mente, e me deixava cada vez mais melancólica e fraca. O que eu poderia fazer? Não tinha como mudar o fato de que estava morrendo lentamente, a vida deixava meu corpo a cada segundo que passava. Eu não sabia se depois dessa vida eu iria realmente parar em algum lugar, estava sem expectativa, tentando sobreviver ao inevitável. Uma parte de mim aceitava que eu estava partindo, mas a outra não, pois essa parte de mim era Richard. Uma vida sem ele me parecia ser tão vazia, sem propósito. Minha vida era como um recipiente de vidro, o câncer a transformava em cacos que todos os dias eu tinha de juntar. Estava sangrando por dentro, adoecendo de outras formas também. Eu não poderia deixar que meu fim fosse tão comum, queria viver mais um pouco e que valesse a pena, que eu tivesse orgulho da minha curta vida. Mas como eu poderia fazer isso se não estava bem o suficiente nem de sair do hospital?

Nem percebi quando amanheceu, eu não conseguia chorar mais, meus olhos já estavam inchados, combinando com minha pele acinzentada. Voltei para o hospital um pouco zonza e fui direto para meu quarto, achando estranho que ninguém me notasse pelos corredores. Quando entrei me vi deitada em minha cama, de olhos fechados e quieta e toda a minha família ao redor, junto com Richard. "O que está havendo?", perguntei a mim mesma assustada.

- O estado dela é muito delicado, eu não entendo... Quero dizer... Ela estava bem melhor ainda ontem - disse Dra. Emma muito confusa.

- O que houve com ela? - disse minha mãe chorando desesperada, apertando forte a mão da garota na cama, que era eu.

Senti o aperto em minha mão, me fazendo ficar assustada. Richard chorava quieto e segurava minha outra mão do outro lado da cama, o que me fez também sentir sua mão apertando a minha."Eu não posso estar morrendo", pensei ficando ainda mais nervosa e olhando todos. Até Violet me olhava melancolicamente, meu pai tentava acalmar minha mãe, mas também estava muito abatido.

- Ela piorou muito... Vamos fazer o possível Adeline, ela vai acordar... - falou Dra. Emma tentando se manter calma - Acho melhor que vocês a deixem descansando um pouco. E Richard, traga uma água com açúcar para ela, a enfermeira sabe te dizer onde.

Richard saiu do quarto transtornado, tentando conter as lágrimas. Eu o segui, ele foi até a enfermeira e pediu um copo de água com açúcar, depois voltou. No caminho eu toquei sua mão e ele se virou de repente, tive a impressão de que ele olhou diretamente em meus olhos por alguns segundos, me fazendo sorrir, depois balançou a cabeça e voltou para onde os outros estavam. Richard entregou a água para minha mãe que tinha se acalmado um pouco. Voltei para meu quarto e observei meu corpo quieto. "Pelo menos não estou morta ainda" pensei ao olhar meu rosto que possuía uma expressão calma.

- Você tem que aguentar um pouco mais, - disse o garotinho ruivo de repente, que eu acreditava ser meu irmão - me veja nascer.

- Meu corpo não vai aguentar - falei olhando para ele - vou morrer antes disso.

- Tente, por mim - ele sorriu - quero saber no futuro que minha irmã já me segurou no colo.

- Você vai ter que lembrar que já conversou com meu espírito - falei rindo, então percebi que não era tão engraçado - mas não se preocupe, eu vou te vigiar lá do céu.

- Pelo menos tente, você já conseguiu outras vezes - ele me olhou sério - eu não vou me lembrar de agora.

Depois disso o garoto desapareceu. Continuei olhando meu corpo quando do nada Richard entrou no quarto.

- Evelyn me ouça - ele se sentou na poltrona e segurou minha mão - você precisa continuar resistindo. Sei que eu sou a pessoa que menos conviveu com você durante sua vida, mas preciso que saiba que eu te amo muito. Não é justo que eu tenha tido tão pouco tempo com você. Eu nunca me importei tanto com alguém na vida. Eu preciso de você.

Fui até Richard e segurei sua mão, ele se virou novamente e me encarou nos olhos por alguns segundos. Dei um beijo em seu rosto e ele colocou a mão aonde eu tinha o beijado. De alguma forma Richard sabia que meu espírito estava lá e que tudo que ele tinha dito seria lembrado para sempre.