Esperei pelo fim. O meu braço doía pungente. Eu não agüentava mais a dor me atormentando. Senti uma lágrima sair pelo rosto, de tanto que eu sentia dor. E o sangramento, então? Senti o sangue correr pela manga do casaco, encharcando-o quase que totalmente. Me vi caindo da árvore, consumido pela dor, indo de encontro ao chão. Os meus olhos estavam inertes olhando para cima, para o céu parcialmente nublado, quando a nave se materializa em mim, emitindo exuberante azul celeste em mim. Levito devagar em direção a uma luz azul neon e me deposito sobre a porta dupla, que acaba por fechar. Não esperava encontrar Hitler II na minha frente, fechando os meus olhos. Esperei pelo fim. Lembrei tanto, que esqueci da dor. A lágrima corria em meu rosto. Clamei pela minha irmã. Elise... Elise... Elise... Esperei pelo fim. Uma estrela do céu iria me levar para fora do jogo, da nave, e dos meus entes queridos. Por um lado, ela me salvaria.

Ouvi vozes vindas lá embaixo. Enxuguei as lágrimas e fui ver o que era. Anne, Otto e Sophia, todos gritando o meu nome. Demorou um tantinho, mas dá pro gasto. Assobiei a chamada que sempre fazia para Elise e para Edith. Eles ficaram loucos, nem sabiam de onde veio a linda chamada.

– O que foi isso? - Anne perguntou.

– Deve ter sido uma chamada indicando paz. - Sophia respondeu. - A minha família fazia isso desde sempre.

– Olhem lá em cima! - Otto me encontrou. Ele estava com o rosto inchado de tanto chorar. E... Cadê o Hermann? Por que ele não veio com eles? O que aconteceu com ele?

Acenei para que me vissem. As meninas suspiraram aliviadas, mas Otto olhava surpreso com a minha aparente coragem. Sou um covarde, isso sim!

– Cara, como é que você se salvou? - perguntou.

– É uma longa história, Otto. - respondi. - Depois eu conto.

Me preparei para descer, tamborilando os pés à procura de galhos proeminentes para se apoiar ao descer. Só que errei o cálculo e acabei caindo de costas no chão. Sorte minha que eu estava bem perto dele.

– Heinrich! - Anne se apressava em me ajudar. - Você está bem?

– Estou bem, Anne, não se preocupe. - depois disso soltei um gemido de dor. Ela verificou o meu braço machucado. Tomou um susto.

– Meu Deus, Heinrich! Você levou um tiro? - perguntou aflita.

– Foi só um tiro como qualquer outro. - deixei escapar mais um gemido. Otto passou o meu braço sadio por cima da sua nuca, me apoiando para andar.

– Sorte sua, porque se acabasse como Lewis, eu nem sei o que fazer. - apelou.

– Não exagera, Otto! - Anne ralhou com ele.

– Vamos procurar um abrigo. - Sophia sugeriu, mas ela ainda não sabia que nós temos um.

– Passamos a noite em uma caverna. - falei. - Vambora!

Nós seguimos rumo à caverna, que não era difícil a volta, mas sim para os que desconhecem o nosso esconderijo perfeito. Ao chegarmos, Otto vai na frente comigo, me carregando em direção ao interior, que ainda era iluminado pela fogueira. Engraçado, como essa fogueira continua acesa? Ah, é. A camuflagem ajudou muito, ou talvez Anne a tenha deixado acesa.

Elas vieram depois de nós. Otto tratou de tapar bem a entrada e cobrir a fenda com a rede de raízes, enquanto Anne me ajudava a tirar o casaco com todo o cuidado. Até a manga da camisa estava toda encharcada de sangue, embora seja preta. Sophia prestava assistência a mim.

– Foi um ferimento feio. - Anne verificou, expressando preocupação. - A menos que eu arregace a manga.

Sophia ficou um pouco enjoada com o que a Anne acabou de falar. Pois veria a gravidade do ferimento que a bala causou no meu braço. E foi o que ela fez. Ao arregaçar a manga, Anne esbugalhou o olhar, assim como eu. O ferimento era como um poço recém-destruído por um tsumami de sangue. Ela tomou providências para a retirada da bala.

– Heinrich, prometa que vai ser forte, porque esse procedimento é doloroso. - Anne falou com um tom dramático na voz.

– É uma pura sacanagem! - Otto reclamou. - Nem puseram anestesia. Querem que a gente sofra com a dor!

– Para de assustar o garoto. - Sophie censurou. - Isso só iria trazer mais desagrado.

Ela diz isso ao me ver apreensivo. Afinal de contas, o que é que a Anne vai fazer? Ela vai me operar sem anestesia? Eu berraria de dor até desmaiar e morrer. Mas mesmo assim pergunto, à queima-roupa.

– O que você vai fazer, Anne?

– Eu só vou tirar a bala. - ela respondeu, apreensiva.

Sinto um frio na espinha ao ver que ela retirava um bisturi e um alicate do kit de primeiros-socorros. Ela vai me cortar, com certeza!

– Não se preocupe, cara. - Otto virou o meu rosto para o lado oposto de Anne, que se preparava para a cirurgia improvisada. Ele apertou a minha mão. - Estamos com você.

– Não se importam de eu gritar de dor? - indaguei, balbuciando.

Todos balançaram a cabeça em negação.

– Aqui não dá ouvir os seus gritos. - Anne me tranqüilizou. - Pode gritar à vontade, ninguém vai te escutar.

– Acredite em nós. - Sophia me consolou, por fim.

Não pude ver Anne se preparar, mas deu para imaginar a dor pungente, um procedimento pungente.

– Está pronto? - Anne me perguntou, tocando suavemente o meu antebraço melecado de sangue.

– Estou. - gemi.

Nem bem que Otto segurou a minha mão para que eu a apertasse, senti o bisturi entrar, o que fez a dor se espalhar pelo corpo. Gritei a plenos pulmões, apertando com tanta força a mão de Otto, mas a dor ia me vencendo, se não fosse pela retirada repentina do bisturi.

– Prontinho.- disse Anne, mas não ouvi o ruído metálico da bala cair. - Consegui localizar a profundidade da bala. Ela está alojada bem próximo do úmero.

– Não foi tão profundo assim. - Sophia garantiu. - Pelo fato de ser magrinho. - brincou.

Eles riram.

– Qual é a graça? - perguntei quase chorando.

– Graça nenhuma, cara. - Otto falou.

– Agora só falta o alicate para retirar a bala. - e se dirige a mim. - Pronto, novamente?

Assenti com a cabeça, emitindo um gemido em falsete. O alicate que era para pelo menos aliviar a dor, aumentou ainda mais. As lágrimas brotavam em meus olhos, que pelo menos, devem dar um pouquinho de desconto à dor. Finalmente senti a bala emitir o ruído metálico ao cair.

– Conseguimos! - Anne terminou. - Agora só falta uma coisa. Uma simples coisa.

– Um fórceps, para completar o meu desespero? - brinquei, ainda gemendo em falsete.

– Não, mas uma sutura na ferida até que pega leve.

Eu não sei não, mas uma agulha passar pela minha pele para o outro lado da ferida, até que iria pegar leve, embora nunca tinha feito isso. Para tanto, tirei a camisa, ficando só com a Cruz do Sol à mostra no pescoço e fui acompanhando Anne até a beira de um lago próximo da caverna. O processo de sutura precisa ser feito na presença de luz, como se costurasse uma roupa, a fim de evitar acidentes com a agulha. Tá legal, eu sou uma roupa! Ate tinha razão, a sutura era apenas uma picada de agulha, mas uma agulha bem fina, como se fosse para tomar uma injeção. Quase não doía, mas emiti um ai, aí, ai... Para cada ponto que Anne dava, só para enfatizar.

– Calma, não dói tanto assim. - Anne me acalmou, dando dois pontos na ferida. - Agora só falta por um curativo.

Ah, mas o curativo é a melhor parte para mim, pela suavidade do gaze e das mãos delicadas de Anne quando ela o enrola no meu braço.

– Prontinho, senhor. Está curado. - brinca ela.

– Puxa, muito obrigado, Anne. Você tem uma vocação para ser médica. - pus o indicador no queixo. - Ou talvez enfermeira de plantão.

Ela ri.

– Todo mundo fala isso. E desejo ser médica desde quando era pequena.

– Mas você já curou algumas pessoas, hipoteticamente dizendo?

Ela balança a cabeça para os lados, dando de ombros. Mas seus olhos azuis voltaram para o pingente bronzeado da minha corrente, a Cruz do Sol. Ela a pôs na mão.

– Bela corrente. - ela elogia - É uma mensagem do tipo "a sorte está ao seu lado"?

Rimos a beça, até que, por distração, Anne cai de costas na água e acabo caindo também para ajudá-la. Até que, por outro lado, o destino se tornou o meu amigo, pois, sem notar, acabei sentindo um lábio tocar o meu. Abri os olhos de surpresa: era a Anne, me beijando. Um beijo debaixo d'água!