Paralisei. Fiquei boquiaberta ao ouvir o que o general havia falado. O meu nome, justo o meu nome. E o pior vai ser pensar no que eu vou falar quando chegar em casa, sobretudo à minha irmã.

– O que está esperando? - perguntou o general, cuja paciência havia chegado ao limite comigo. - Vamos, não temos o dia todo!

Respirei fundo e os outros garotos abriam alas para que eu passasse. Quando eu estava saindo da linha, Moe me interceptou com a palma da sua mão.

– Não se preocupe, amigão. - sussurrou em minha orelha. - Estarei ao seu lado.

Confesso, isso me emocionou bastante. Quis fugir, quis morrer ali, quis que um infarto viesse à tona, mas nada adiantou. Eu, assim como os judeus, era obrigado a participar. À medida em que eu caminhava para o palco, aplausos soavam em meus ouvidos. Subi e fiquei ao lado de Anne, que se posicionava entre eu e Desmond.

– Agora veremos o que cada um dos nossos participantes têm a falar. - a voz grossa do general me dava nos nervos. - Começando por esse jovem aqui.

E ofereceu o microfone a Desmond, inclinando o suporte que o sustentava à sua frente.

– Eu, - começou ele, balbuciando. - primeiramente, eu só quero que meus pais e os meus amigos orem por mim no momento em que eu entrar no Reality e seja o que Deus quiser.

O general Bertrand, sorrindo empertigado, bateu palmas falando Bravo! Bravo!, acompanhado de aplausos fracos. Logo, passou o microfone, desta vez para Anne, perguntando se ela tem algo a declarar. Anne pegou o microfone, suspirando e disse:

– Eu... - sua voz era tão baixa, que quase não dava para escutar, fazendo o general falar para soltar a voz para o mundo inteiro ouvir. O mundo inteiro? Nem bem que a Guerra começou e já mostram a judia marcada para morrer a todo mundo? - ...eu quero deixar bem claro, que, agradeço pelo meu único elo no mundo, a minha tia, ter cuidado de mim. E que, se eu voltar, esse mesmo desafio vai ser deixado para trás. Também quero agradecer aos meus amigos pela força que me deram nesse dia. Muito obrigada.

Mais Bravo! Bravo! ele falava, mais aplausos e ovações eram ouvidos, que cresciam de intensidade. E assim, chegou a minha vez, inclinando o microfone para perto de mim. A mesma pergunta foi feita. A palpitação veio. Meus olhos vagavam pelo pátio todo, além da multidão. Inspirei e expirei e declarei.

– Olha... Eu nunca tive certeza de que esse dia iria chegar. Mas aprendi uma coisa muito importante com os meus pais e meus amigos: tudo isso sendo Pão-e-Circo, diversão para os arianos, martírio para nós, os que eu mais amo e mais confio no mundo estarão comigo naquele exato momento em que eu entrar no Reality e, por fim, para a morte. - dei uma longa pausa e prossegui. - Se eu morrer no decorrer do programa, quero que o meu aliado de confiança ganhe para compensar a minha perda e a dor. Mas, se eu ganhar, ficará guardado em mim que isso nunca mais se repita. E quero que a Guerra acabe logo de uma vez para o bem de todos. Além do mais, peço aos meus pais e, sobretudo a minha irmã, que me dêem forças e fé para competir. Isso, levando em conta os meus amigos. Muito obrigado.

Outra vez Bravo! Bravo!, batendo palmas, o que realmente a multidão não fez. Ela ergueu a mão direita e a inclinou para a minha direção. É um gesto especial, significando sorte, determinação e a presença de Deus em você, durante um desafio que pode custar a sua vida. E o general, nem preciso dizer, ignorou o nosso típico gesto e retomou ao microfone.

– Bem, - começou ele. - senhoras e senhores, eis que surgem os três participantes do Survival Game (Survival Game é o nome do Reality).

Mais aplausos aumentaram de intensidade, mais ovações soaram em nossos ouvidos. Daí, Desmond segurou a mão esquerda de Anne, que segurou a minha, e logo, as levantamos no ar, aumentado cada vez mais os aplausos e as ovações.

***

Depois da escola, resolvi visitar Edith, contar tudo que aconteceu e o perigo de ela nunca mais me ver, se eu morrer. E o pior vai ser a reação da Elise, que é muito vulnerável ao medo e ao terror psicológico: o pesadelo. Cada vez que ela tinha um pesadelo, sempre deixava ela dormir no meu quarto, abraçados um ao outro. Só de pensar, fiquei com vontade de chorar, mas as lágrimas relutavam em sair.

Assim que eu cheguei à porta, bati nela com o batente de latão banhado a ouro. A porta se abriu e quem me atendeu foi uma mulher pouco acima do peso, ruiva e sorridente, nada menos que a sra. Amélia Belsen.

– Ah, Heinrich, que bom que você veio! - ela me recebeu com euforia e carinho, como sempre fez quando eu estava doente me trazendo os mais deliciosos biscoitos recheados de chocolate e creme, que eram os meus favoritos.

– Obrigado, dona Amélia. - agradeci, sufocado no abraço dela. - Edith está?

– A Edith acabou de chegar da escola. Quer que eu vá chamá-la?

– Não, não precisa, obrigado. - só que eu fui interrompido pelos passos na escada. Deve ser ela, pensei.

Á proporção que os passos ecoavam para a intensidade, uma figura feminina aparecia: ruiva, grandes olhos verdes, cujo cabelo estava enfeitado com um lenço ornamental servindo de tiara. Era ela, sim.

– HEINRICH! - Edith vei correndo em minha direção para me abraçar. - Que bom que você veio!

– Ah, Edith! - nos abraçamos tão forte, que dava para deixar uma marca de lembrança para quando eu entrar no Reality. - Vim com uma coisa para te contar.

– Sobre o quê? - a sua expressão dava lugar a uma aflição leve. - O Dia da Seleção?

Assenti com a cabeça, desiludido.

– E como é que foi? - Edith quis saber. Sua mãe ficava apreensiva com o resultado do sorteio da Seleção.

Respirei fundo e falei, embora com medo:

– Fui um dos escolhidos para o Survival Game. - Edith e sua mãe levaram as mãos à boca, abismadas. - Eu, um colega e Anne Zimmer.