Edith e a d. Amélia se entreolharam, chocadas com o que eu acabei de falar. Não passaria pela cabeça de cada uma de que eu fosse um dos escolhidos, o que era bem raro de acontecer. Sou um garoto de 16 anos de idade e no ano passado foi a primeira vez que entrei na faixa da Seleção.

– Meu Deus! - d. Amélia levou a mão à boca, com receio de que a situação fosse ficar preta para o nosso lado. Todos nós morreríamos. - Esses desalmados querem matar todo mundo de qualquer jeito.

– Mãe, - Edith olhou de relance para a mãe. - não se importa de Heinrich e eu conversarmos lá no meu quarto sobre isso?

– Claro que não, Edith. - D. Amélia sempre nos deixou a sós para conversarmos. Além de sermos amigos íntimos, Edith e eu éramos mais que amigos e na altura de irmãos. - Podem ir.

– Claro. - disse, me puxando para a escada.

Fiquei com pena da D. Amélia, assim como fiquei com pena da Edith, sobretudo da Elise. Desde que eu saí da escola, fiquei pensando no que falar. Sei que de qualquer jeito iria comovê-la, e muito. Ela era muito extrovertida. Sempre nos fazia rir com suas histórias, piadas. Sempre gostava de imitar os outros, fazendo Edith e eu rir, e muito. Quando uma notícia como essa chega aos seus ouvidos, ela se tranca no quarto e desata a chorar. E é claro, sempre dou o maior apoio nessa situação. Mas nessa, eu teria dúvidas se estarei vivo ou não.

Estava entrado no quarto, quando me deparei com a torre da igreja, cujo sino tocava. Era meio-dia. Sempre tocava cada vez que dava meio-dia e meia-noite. Enquanto Edith sentava em sua cama, sentei na poltrona. A parede salmão estava praticamente coberta de retratos da gente quando éramos crianças.

– Nossa! - me impressionei com a fidelidade da minha amiga, olhando para a parede propriamente dita. - Queria reviver a nossa infância.

– Eu também, Richie. - disse. - Lembro que a gente corria muito pelo quarteirão. Quando chegamos naquela esquina, você caiu numa poça de lama, ficou todo encharcado. - ela riu com o mico que paguei. Também ri.

– É... E levei bronca do meu pai, não por chegar encharcado, mas sim por ter melecado o assoalho da sala de estar!

Nós rimos muito, para aproveitarmos um pouco da nossa distração, talvez a última distração. Possivelmente vou morrer dentro de poucos dias.

A diversão praticamente se quebrou, quando Edith deixou, sem querer, derramar uma lágrima dos olhos verdes, correndo pela bochecha.

– Chora não. - tentei consolá-la, limpando o rastro da lágrima na bochecha.

– Heinrich... - ela tentou falar. - Eu tenho medo de que alguma coisa ruim aconteça a você. É o meu grande amigo desde o jardim da infância e nada de mau nos aconteceu.

Logo, ela socou o colchão com tanta força, que fez a cama vibrar um pouco e depois, praguejou o nome de Hitler II.

– Maldito seja! - resmungou. - Tomara que queime no inferno, quando ele morrer.

– Xingá-lo não vai resolver nada, tampouco espernear. - disse, pois chamo isso de "espernear".

– Eu não estou esperneando.

– Pois chamo isso de "espernear", porque você socou a cama.

– Ah, para com isso! - Edith me deu um soco de leve no meu braço e depois nos abraçamos.

– Prometa que vai se concentrar em viver e voltar para a gente. - disse, ainda me abraçando.

– Posso até prometer. - uma lágrima saiu do meu olho. - Mas não posso garantir o meu destino.

***

Edith me acompanhou até em casa, pois sabia que isso poderia causar um surto de depressão na minha mãe e desolação na minha irmã. Edith sempre me dava apoio nas horas mais delicadas.

Parei em frente à casa e desabafei:

– O que que eu vou dizer para os meus pais? - o batimento cardíaco aumentava a cada segundo de pensamento de aflição.

– Apenas conte o ocorrido na escola. - depois, ela se virou para mim. - Mas, seja forte, tá?

– Prometo. - e nos abraçamos mais uma vez.

Logo que entrei, encontrei uma família aflita e supostamente desolada. Eles devem ter descoberto. Já sabiam.

Minha mãe me abraçou com tanta força, aos prantos. Meu pai veio depois, aflito, mas não chorava. Dei por falta de Elise.

– E Elise? - quis saber.

– Ela subiu ao saber disso. - respondeu o meu pai.

Subi as escadas e parei em frente à porta. Pensei em bater a porta pela primeira vez, pois, sempre que eu ia entrar no quarto dela, em vez de bater. Eu assovio. E foi o que eu fiz. Talvez esse seja o último antes de morrer.

Nada. Nada a não ser o choro dela. Resolvi abrir.

– Elise?

Ao ouvir isso, ela veio correndo em minha direção, chorando afagada em mim.

– Oh, Richie. Por favor, não vá! Você não pode ir.

– Eu também não queria. - repentinamente, a minha voz ficou um pouco embargada. Me agachei para ficar na mesma altura que ela. - Mas tenho que enfrentar os outros até restar uma garota e eu, se eu sobreviver. Mas não posso garantir.

– Não, Richie! - seu choro ficou abafado. Fiquei com pena, que quase choro.

– Mas, se eu sobreviver, eu vou ficar ao seu lado todos os dias. - falei, tentando consolá-la. - Mas, se eu não voltar, quero que saiba que estarei sempre ao seu lado, pro que der e vier.

– Pro que der e vier... - Elise repetiu.

– E se isso acontecer, promete que vai ser forte? Sempre seguir em frente?

– Prometo. - ela respondeu de imediato.

Nos abraçamos tão forte, que eu poderia aproveitar a última vez. Eu nunca vou esquecer esse abraço, se eu morrer na primeira vez que entrar no Survival Game.