Ela estava ali novamente. Com as mãos estancando o sangramento em seu abdômen, os cabelos emaranhados, a expressão de dor, e as roupas rasgadas. Diferente de quando fora, ela estava sozinha; Nathalia não estava ali. Ela se aproximava vagarosamente de Ellie, que se mantinha com o semblante surpreendido. Joel estava do outro lado da velha casa, vasculhando algum lugar aleatório, alheio a tudo que acontecia. Apenas o barulho de passos correndo foi capaz de o desconcentrar, e o fazer andar em passos apressados até onde Ellie estava. Mais um com o semblante surpreendido.

—Gente?— Patrícia fala, com a voz ofegante.— Sou eu.

Os dois se entreolharam, com olhares cúmplices. Não estavam acreditando naquela mentira barata. Podia ser um novo tipo de vírus, que os faziam enxergar entes queridos. Ou até mesmo uma Patrícia desmemoriada.

—Eu estou sangrando.— ofegou novamente, apertando a mão ainda mais sobre o abdômen.— Borboletita?

Ellie se entregou, indo rapidamente abraçar a amiga, que, mesmo morrendo de dor, a abraçou com o braço livre. Ellie queria chorar ali, estava começando a sentir remorso de a culpa de ter ido embora. Afinal, havia chances dela ter sido raptada. Eu também queria acreditar naquilo.

Joel se manteve intacto, voltando a expressão vazia. Algo estava diferente nela; talvez as roupas, ou o modo de andar (que, ao invés de leve, parecia pesado). Quando Patty o olhou, abrindo os braços, ele não recusou. Estranho, Patrícia sabia que ele odiava troca de afetos, principalmente em público. Quando ela o soltou, ele viu algo diferente. Algo brilhante em seus olhos, que logo fez questão de sumir.

—Fiquei preocupada com vocês.— proferiu, dando um leve sorriso.

—Nós também. Você sumiu do nada.— Ellie falou, com um pingo de tristeza pairando na voz.— Onde está Alia?— segundos depois, a menina se amaldiçoou pela pergunta. A expressão de Patrícia fora de alegre para cabisbaixa.

—Péssimas notícias sobre ela...— não precisou terminar, sabiam bem o que havia ocorrido.— Um estalador... Vocês sabem.

—Sinto muito.— Joel falara junto com Ellie.

—Bom, agora podemos voltar para Tommy, certo?— Joel questiona, arrumando a mochila nos ombros.

—Eu estou indo vingar a morte de minha irmã.— e, novamente, uma luz se acendeu entre seus olhos. Algo estava errado ali.

—Vingar o quê? Vai matar todos os Estaladores que encontrar no caminho?— Ellie pergunta em tom de sarcasmo, porém, tinha um pouco de verdade.

—Eu sei quem estourou o surto. E, vai por mim, o filho da puta não vai sair ileso.— falara com tanta raiva, tanto rancor, que Joel quase aceitou aquilo. Espera, Ellie estava mesmo caindo naquilo?

—Mas, já foi. Já destruiu famílias, cidades, entre outras coisas. E, outra, tem grandes chances do homem já estar morto, não tem?— Ellie tentava a fazer mudar de ideia, tomando cuidado com as palavras. Sentia-se num campo minado quando se tratava de Patrícia, sendo obrigada a ter cautela em todos os momentos.

—Eu quero tentar, tá bem? Eu quero fazer a diferença, quero matar o filha da puta que fez tudo isso. Que matou Riley, Sarah, Nathalia, e metade da população.

—Não podemos ir com você.— Joel se pronuncia novamente, se aproximando com a mesma cautela de Ellie.— Isso é missão suicida.

—Podemos sim. Lembra: Segurança em números. Coisas assim.— Ellie teima.

—Ele tem razão, amor. É missão suicida.

Patrícia estava carinhosa, explicitamente. A menina não era carinhosa, ela tinha vergonha de ser. No máximo, ela mostrava que se importava. Falava algumas coisas como "durma bem", "tome cuidado", "como foi seu dia?", e esse era o máximo de afeto que ela mostrava. Se caso acontecesse de ela fazer algo a mais, como dar um selinho carinhoso e impulsivo em Ellie, ou até mesmo sentar ao lado de Joel e apoiar as pernas nas dele, ela não gostaria de ser descoberta, e, caso fosse, suas bochechas tomavam um tom avermelhado. Ellie achava que era impossível a menina se parecer mais com Joel.

—Eu só preciso que me levem até um ponto, eu não vou conseguir chegar lá sozinha.— Patty profere, olhando diretamente para o único homem ali.

—Ok. Podemos consertar um carro, e eu te levo até o lugar.— Joel fala, mandando as adolescentes o ajudar a procurar alguma coisa que pudessem usar para sair de lá mais rápido.

Foram longos minutos procurando ferramentas, bateria, gasolina, entre outras coisas. Patrícia estava agindo cada vez mais diferente, as vezes até parecendo levar um choque. Ellie estava alheia a tudo, mesmo a observando, ela não notava nada de diferente. O mais velho preferiu levar isso como seu próprio cérebro tentando lhe pregar peças.

O carro estava pronto. Joel levaria Patrícia, junto com Ellie, até o limite de três cidades a frente, e, considerando que poderiam encontrar vários empecilhos, demorariam algum tempo. Patrícia entrou no banco de carona, Ellie no de trás, e Joel dirigindo. Após alguns minutos de conversa, Ellie foi a única a adormecer. Patty colocou a própria jaqueta em cima da garota, para servir de cobertor. Ou era coisa da cabeça do homem, ou a adolescente estava mesmo tentando sensualizar para seu lado; retirou a jaqueta vagarosamente, mordendo o lábio e olhando para a frente, e, quando esta saiu, puxou a regata mais para baixo, mostrando seus seios ainda em crescimento, mas com um volume notável. Quando foi colocar a roupa acima de Ellie, acabou esbarrando em Joel, e o homem realmente achou que era proposital tudo aquilo.

—Desculpa.— murmurou, voltando à posição inicial.— Joel?— o mesmo respondeu com um "hum" leve.— Posso te perguntar uma coisa?

—Por que não tenta dormir um pouco? Na próxima cidade, você pode pegar o volante e...

—Há quanto tempo você está sem sexo?— o interrompeu, virando-se totalmente.

Joel calou-se, engolindo em seco. Se fosse considerar a pergunta da garota, a resposta seria um horror. Mesmo antes do surto, com o trabalho e Sarah em seu pé, ele não tinha tanto tempo para pensar naquilo. As mulheres, casadas, mães, ou até as mais novas, sempre jogavam charme para cima dele, que negava com uma cara inexpressível. Com o surto, a situação tendeu a piorar. Não que ele e Tess tenham sido apenas amigos contrabandistas, que dormiam no mesmo lugar sempre que tinham alguma entrega. Ele tinha, sim, se aproveitado um pouco da amizade, assim como ela. Não surgiu nenhum sentimento, era só sexo. Agora, fazia mais de um ano que a mulher morrera, e, no acampamento de Tommy, não tinha tantas mulheres solteiras. Tirando Ellie e Patrícia, não tinha nenhuma mulher solteira. E, convenhamos, um homem daquela idade dar em cima de adolescentes de quinze e catorze anos não seria visto bem. Não negaria que Patrícia estava se tornando uma bela moça, todavia, ele se contentava em ser apenas o pai adotivo dela. E agora a moça estava ali, fazendo perguntas evasivas, e se abrindo para seu lado. Algo, definitivamente, estava errado.

—Por que diabos você quer saber?— respondeu, enfim.

—Porque você é muito... você sabe, para ficar sem sexo por muito tempo.— terminou puxando a regata para cima, o homem fez questão de desviar o olhar, não que aquilo faria algum efeito.— Eu sei que você quer olhar.— puxou o rosto do homem, e este quase bateu a face contra seus seios.

—Patrícia, querida, pelo amor de Deus, se veste.— implorou.

—Eu não quero me vestir, eu quero que você me use.— ameaçou a desafivelar o sutiã, e, mesmo com reclamações,ela conseguiu.

Ellie se amaldiçoava. Chorava baixinho, tentando não chamar atenção, tentando não atrapalhar o momento. Havia acordado quando Patrícia puxou a regata para cima, acordou com o som de sua voz falando asneiras. Ellie estava se sentindo tola. Tola por gostar tanto de Patty e não ter coragem de assumir, por ter deixado a menina ter ido embora, e, agora que a mesma voltou, por ter deixado-a cair nos braços de Joel. Um soluço falhou, sendo alto demais, e chamando atenção dos dois para ela. Continuou encolhida, limpando as lágrimas rapidamente.

—Ellie?— Patrícia a chama, porém sua voz a enojava.— Você está bem?

Ela não queria acreditar, não podia acreditar. Patty estendeu a mão, tentando tirar alguns fios de cabelo do rosto da outra, e é parada pela mão de Joel.

Quando pequena, ela andava de patins, porém, sempre caia. Em uma segunda-feira de verão, Patrícia estava andando na calçada de casa, esperando o carteiro chegar. O carteiro chegou de repente, ela se assustou e acabou caindo por cima de um arame farpado no chão. A situação rendeu uma marca enorme nos pulsos e costas da garota, mas essa outra garota não tinha a marca.

—O que você fez com ela?— o homem pergunta, encostando o carro e sacando a arma mais próxima. A pessoa, a tal Patrícia endiabrada, sorria satisfeita, ignorando estar na linha de frente de uma poderosa arma.

—O que eu fiz com ela? Com aquela coisa humana?— soltou uma risada de escárnio, deixando a pérola que oscilava de cor aparecer em sua testa.— Não é "o que eu fiz com ela"; é "o que ela fez comigo", entendeu? Aquela filha da puta me jogou dentro de uma jaula.

—Do que você está falando?— Ellie pergunta, estava tão confusa e com raiva de Patrícia.

—Patrícia, aquela endemoniada. Ela fez tudo isso. Ela fez a Umbrella me jogar dentro da porra de um tubo de ensaio.— sua voz vacilou, parecendo embargada, porém, logo voltou ao tom ameaçador.— Eu só queria ajudar vocês.

—Você sabe onde ela está?— Ellie e sua curiosidade.

—No inferno, amém.— sorriu irônica, revirando os olhos. Era impossível de saber como a outra Patrícia conseguia gostar daquela coisa frágil e medrosa.

—Tem duas Patrícia? É isso?— Joel questiona, ainda mais confuso. Na verdade, estavam todos confusos.

—Não. Tem a original, que sou eu, e a outra.— deu de ombros.

—Conta essa história direito e para de graça, você tem duas magnum apontando pro seu peito.

—Primeira coisa, querido Joel: Eu sinto, ela sente. Se você atirar em mim, atinge ela. É escolha sua.—se aproximou perigosamente. Soltou o ar pela boca, cansada de fazer teatro.— Mamãe me colocou em um tubo de ensaio por culpa dela, especialmente dela. Ela era boa, tinha um QI alto, todas essas baboseiras de ser especial. Porém, quando ela se revoltou, pegou a bastarda, e fugiu, mamãe não tinha outra opção, investiu em mim. Eu sai do tubo, e a minha primeira missão era encontrá-la.

—Tubo de ensaio? Mamãe? O pai de Patrícia era um grande cientista, trabalhava juntos com os vaga-lumes...

—Ellie, para de misturar o cu com a cueca.— revirou os olhos.— Enfim, eu sou a substituta dela, e estou aqui para ajudar vocês.

Joel e Ellie trocaram outro olhar cúmplice. Não acreditaram nenhum segundo naquela coisa. Com um aceno de cabeça, Ellie permitiu que Joel atirasse. Acabou sendo um tiro perdido, uma vez que a criatura sumira.

Respirou fundo, sentindo algo atravessar no corpo. Aloy olhou assustada para Patrícia, vendo-a perder o ar. Nathalia, que estava distraída no outro lado do laboratório, veio correndo ao encontro da irmã. Havia um buraco de tiro em seu abdômen, e nenhuma das três sabiam como parar lá. A outra observava tudo de longe, sorrindo ironicamente.

"Minha inteligência garante minha sobrevivência. Meu desempenho garante minha visibilidade. Porém, nada daquilo superava o sentimento de poder sair da caixa novamente."

A Lagarta — Pizzle