Surreal - Art and Insanity

Capítulo 36 - Abstinência


Então veio a abstinência, os gritos, a irritação e todos os sentimentos que eu poderia ter.

Acordar pela manhã sabendo que não havia mais meus comprimidos era o fim.

Eu estava completamente fora do controle, as alucinações já eram constantes, pois para começar a usar novos remédios é preciso tirar o outro do organismo, precisava estar completamente desintoxicado, completamente limpo para começar novamente.

E eu não queria, não tinha vontade de nada. Durante esse período meus nervos estavam a picos: tive crises nervosas, daquelas de jogar tudo, quebrar qualquer coisa a minha frente. Depois veio às lágrimas e depois a indiferença (quando eu parecia estar em estado vegetativo). Meu humor oscilava a todo o momento, já não dormia ou comia, queria apenas meus comprimidos, aquelas pequenas cápsulas que tiravam minha angústia e me trazia outras juntamente com o prazer de estar medicado, sob controle, pelo menos não sob meu controle. Estive sob o controle dos remédios, não tive controle da situação, o remédio que me controlava.

Nos últimos dias de abstinência, as alucinações vieram com mais força.

Naquela época minha mãe foi para a casa na praia, com a desculpa de que estava com saudade de acordar cedo e ver o mar. Mas eu sabia que ela não gostava da maresia. Era óbvio que ela estava fugindo da realidade, fugindo de mim, seu filho que foi perfeito e agora tirava seu sono por gritar e bater nas paredes tendo alucinações a maior parte do tempo, até cair exausto. E ela fingia que aquilo não estava acontecendo.

Meu pai permaneceu lá, não sei se por ordem de minha mãe ou por preferir passar o dia com alguém transtornado em plena abstinência do que ficar perto de sua esposa. Mas ele estava lá, sendo fraco, volúvel e facilmente influenciável; e eu não ligava para essas coisas, pois ele estava sendo forte de um jeito que nunca imaginei que fosse.

Não sei até quando meu corpo pode aguentar tantas drogas sendo injetadas e empurradas na minha boca sem meu consentimento.

Os efeitos colaterais podem ser bem maiores que as melhorias feitas, mas eles não percebem isso...

Continuo sem conseguir mover-me, os abutres ainda estão por todo o ambiente; o mais velho que manda em todos ali diz para uma enfermeira anotar algumas coisas e ela faz imediatamente, esperando qualquer outra ordem.

Eles movimentavam-se rapidamente fazendo os jalecos esvoaçarem.

Isso daria um bom musical pensei num delírio.

Já havia ouvido falar daquele tipo de tratamento , eles só estavam vendo meus comandos cerebrais , como se olhassem dentro de minha cabeça através de uma maquina, aquilo não era nada bom, mesmo sem ter precisado de cortes.

Minha família deve ter autorizado esse tipo de coisa pensando que era minha grande chance de voltar a ser normal. Eles acham que um dia fui normal, que algo me fez ficar assim.

Não sei se era para a injeção que aplicaram me deixar assim, meus abutres brancos não disseram nada, não deram as instruções para jogarmos, apenas aplicaram isso em mim.

Eles não tinham o menor respeito por mim, quando digo Eles também me refiro aos meus pais que contribuíram para que acontecesse aquele circo, para que me usassem.

Mas o que estive esperando?

Respeito para pessoas que dizem ver coisas? Quem respeitaria alguém assim? Que estão fora da realidade?

Os doutores e todos os outros dizem que temos problemas,
nos medicam,
mas não conseguem nos curar, nos analisam
e não encontram nada para justificar,
sermos anormais aos seus olhos,
por não seguirmos as regras de como devemos pensar e agir.

Qualquer dia tentarei exercitar minha autonomia...
Ser meu próprio antidepressivo, minha própria Ziprasidona, em minhas cápsulas e apatia
me medicar, ter total autonomia sob mim e não precisar de mais ninguém.

Mas agora sei que quando o corpo começa a gostar muito de um remédio,
é hora de pará-lo.
Farei isso com minhas cápsulas, não terei laços com um maldito remédio,

Tomar-me irei, com moderação e horários marcados,
irei encontrar-me em cápsulas, em frascos.
Finalmente terei um manual, terei uma bula e meus efeitos colaterais,
meus pontos fracos,
minhas restrições em letras garrafais estarão marcadas num papel atado ao meu pescoço,
e em minhas laterais.

Para que tudo sempre esteja sob controle e os que estão lá fora não ligam, não sabem e não conseguem entender que essa liberdade que tanto dizem ter, não é real, é algo cedido como um presente dado por terem sido bonzinhos.

Os vícios não passam de manias que criaram raízes mais profundas, nada muito anormal, todos têm vícios, mas de alguns conseguimos nos livrar facilmente como se não fosse nada.

Todos os remédios têm contra indicações e efeitos colaterais, estamos sempre expostos ao risco de gostar tanto de uma ação ou algo que consumimos e acabarmos dependentes.

Somos independentes apenas para poder depender de algo e termos algo ou alguém que dependa de nós...

Talvez eu não esteja pronto para isso; ter alguém que dependa de mim e que espere coisas boas, sendo que nem eu espero coisas boas.