Já era noite quando chegamos. No chalé, Jake jogou minhas malas no quarto que fora preparado para Leah e foi para o banheiro tomar banho. Eu fui ao quarto dele e troquei os lençóis da cama, que ainda estavam sujos do meu sangue. Desci as escadas e sentei na poltrona vermelha para assistir a TV enquanto esperava que ele saísse do banho. Eu estava confusa e magoada. A razão me dizia para não criar expectativas em relação a ele, talvez ele nunca deixasse de me ver como criança, como uma irmã. Mas meu coração disparava só em pensar que eu estaria tão perto dele agora.

Quando ele saiu do banho, com uma toalha enrolada na cintura, eu pude ver o seu tronco nu e molhado. Cada músculo do seu abdômen parecia ter sido talhado a mão. Aquele calor percorreu o meu corpo novamente, eu queria poder tocar cada ondulação com meus dedos. Ele balançou a cabeça, sacudindo muita água, -- eu pude piscar finalmente -- e foi direto pro quarto. Em poucos minutos ele saiu de lá vestindo apenas um short, cruzou o sofá atrás de mim e parou em frente a porta.

–-Você vai sair? -- eu perguntei incrédula.

–-Eu vou atrás da Leah.

–-Você vai me deixar aqui sozinha? -- eu falei, sem pensar.

–-Nessie! -- ele falou, com os olhos caídos e se agachando na minha frente. --Me desculpa. Eu sei que você precisa de mim. Mas a Leah está com problemas agora. Eu prometo voltar antes que você adormeça está bem? -- ele falava enquanto segurava minha mão e olhava pra pulseira no meu pulso.

Ao terminar as palavras ele ergueu seus olhos procurando os meus como se me pedisse permissão pra ir ao encontro dela. Eu tive vontade de desviar o olhar, mas não pude. Nós nos encaramos por um breve segundo. Eu não sei o que ele viu no meu olhar, mas mesmo com todos os problemas daquele dia, seus olhos pareciam sorrir para mim. Eu podia pedir a ele que ficasse, podia beijá-lo agora, pedir que ele fosse meu. Mas eu me sentia culpada só em pensar nisso, em pensar na possibilidade de ser rejeitada por ele e principalmente na reação do meu pai quando pudesse ouvir meus pensamentos. Eu me inclinei e estendi minha outra mão até a sua face quente, lhe enviando a imagem dele na moto com Leah, mas desta vez eles estavam indo embora e não chegando a Oak Harbor. Ele me respondeu com um sorriso.

–-Eu não vou embora Nessie! Não enquanto você estiver assim. -- eu olhava hipnotizada o sorriso dele, passando as mãos no seu cabelo molhado. Ele parecia estar cada vez mais perto, pois o calor da sua respiração arrepiava a minha pele. Ele percebeu o arrepio e se aproximou, percorrendo a lateral dos meus braços com as mãos ele me puxou num abraço. O calor do seu corpo em contato com a minha pele me deixou extasiada. Depois que eu admiti que estou apaixonada parece que cada sentimento me acerta como um tapa. Eu queria poder pegar tudo aquilo e colocar de volta aonde ele estava enterrado, mas era difícil resistir quando ele chegava tão perto e me tocava daquele jeito. Cada músculo do meu corpo se contraiu com esse pensamento. Ele estava saindo pra procurar por Leah, com quem ele parecia ter algum tipo de relacionamento e ia me deixar sozinha nesse chalé. Ele percebeu a minha mudança e se afastou. Antes de se levantar, ele me deu um beijo na testa, então se virou e saiu.

Passei algumas horas recostada na poltrona pensando em como eu iria me comportar enquanto estivesse aqui com ele, e possivelmente com Leah. Fiquei pensando como seria a nossa relação agora. Como eu deveria tratá-lo de agora em diante? Já passava das dez da noite, quando ouvi o ruído de uma moto vindo na direção da casa. Não podia ser a moto do Jake, ela estava na nossa garagem. Mas quem podia ser essa hora? E de moto...

Me aproximei da janela, e vi a moto se aproximar pela estrada de barro. O seu cheiro me era familiar, mas meu olfato mudara tanto que eu não podia mais confiar nele. A moto parou bruscamente na frente da casa, e dela desceu uma figura enorme vestindo uma jaqueta de couro preta e um capacete. Ele estacionou a moto, e só então eu pude perceber que se tratava do Seth.

–-Ei Nessie! Onde está o Jake? -- ele me perguntava enquanto recostava a moto.

–-Ele foi atrás da Leah. Tudo bem com você?

–-Não muito. A Leah anda com uns problemas. -- ele me falou enquanto tirava o capacete e a jaqueta.

–-O que está acontecendo? -- eu perguntei tentando conseguir alguma pista.

–-Ela brigou com a mamãe. -- ele falava maliciosamente, como se soubesse a minha intenção. -- Ei! Você cresceu bastante dessa vez hein?

–-É, mas... onde você arranjou essa moto? -- eu perguntei curiosa.

–-Na garagem do Jake. Quill que me mostrou quando disse que viria pra cá.

–-Mas porque você está aqui sozinha?

–-Eu também tenho meus problemas -- respondi envergonhada, pensando que ele logo saberia de tudo.

–-OK. Cuida disso pra mim. -- ele falou enquanto me jogava suas roupas pela janela.

Ainda em forma humana, ele saiu correndo pela floresta. Parece que eu iria passar mesmo essa noite sozinha. Sacudi a roupa do Seth pelo sofá e me sentei na poltrona vermelha novamente. Adormeci assistindo um tedioso filme de vampiros na tv.

Na manhã seguinte acordei na cama do Jake, ele devia ter me levado pra lá enquanto eu dormia. Encontrei os dois lobos esparramados, um sob a cama que seria de Leah e o outro na poltrona vermelha na qual eu adormecera. Eles não pareciam ter encontrado a Leah, devem ter passado a noite tentando trazê-la de volta. Fui direto pra cozinha, preparar alguma coisa, eles acordariam morrendo de fome. Olhei os armários e pensei que a comida que havia ali não duraria muito tempo com o apetite desses dois. Pelo o que eu me lembrava das últimas visitas do Seth, ele comia tanto quanto o Jake. Fritei uma caixa inteira de ovos e fiz uma tonelada de panquecas. Seth acordou com o barulho do liquidificador quando eu preparava o suco, e veio na minha direção com a mão na barriga, indicando que estava com fome. Ele vestia apenas um jeans sujo e meio desabotoado. Não pude deixar de notar o quanto ele estava bonito. Se parecia muito com o Jake agora, aliás, todos eles se pareciam muito pelo o que eu me lembro. Ele estava mais crescido do que eu me lembrava, e usava o cabelo um pouco mais comprido também, de forma que caia sobre os olhos e ele tinha que colocá-los por trás das orelhas sempre que podia.

–-Isso tá cheirando bem! -- ele me falava com aquele velho sorriso.

Eu sorri de volta pra ele, pus a mesa e me sentei do seu lado.

–-Vocês conseguiram encontrar a Leah? -- perguntei tentando parecer preocupada. E me senti mal por ser tão egoísta.

–-Não. Achamos que ela está em algum lugar perto do Monte Baker. Sabemos que ela pode nos ouvir, mas ela não está pensando muito agora. -- ele respondeu tristonho. Aquilo me fez sentir culpada, ela devia mesmo estar passando por um momento difícil. Mas ela sempre fora tão forte, que eu não conseguia imaginar o que podia tê-la deixado tão abalada.

–-Ela vai voltar Seth. -- tentei consolá-lo.

–-Ela vai, eu sei. -- ele respondeu pensativo. Eu não quis fazer mais perguntas. E ele não continuou.

Nós terminamos o café e Jake continuava roncando no quarto. Ele devia estar muito cansado pelo dia de ontem. Eu tirei a mesa, ele não dava sinais de que ia acordar tão cedo. Fui me sentar ao lado do Seth no sofá, e ele me olhava dos pés a cabeça.

–-Você está muito linda Nessie!

–-Obrigada! Você também está bem bonitão. -- respondi com brincadeira, e ele me deu um sorriso orgulhoso.

–-Eu soube que você pode fazer uma coisa diferente agora.

–-É, eu ainda to me acostumando.

–-Treina comigo, eu quero ver como funciona. -- ele me falou entusiasmado. É impressionante como, mesmo passando por problemas, esses lobos conseguem ser tão encantadoramente vivos.

–-Tá bom -- eu falei me concentrando na cena dele acordando com fome esta manhã. Ele me olhou com uma expressão diferente, e se levantou depressa procurando por sua camisa e a vestindo.

–-Desculpa Nessie. Acho que é coisa de lobo ser meio folgado assim. -- Eu não consegui deixar de rir com a cara envergonhada que ele fez. E ele me retribuiu com uma risada gostosa que me fez lembrar das nossas brincadeiras em La Push.

–-Tudo bem. Eu já estou acostumada. -- falei indicando o ronco do Jake no quarto.

Ele bocejou na cama, parecia ter acordado com as nossas gargalhadas. Ficamos em silêncio, esperando que ele aparecesse na porta do quarto perguntando pela comida. Mas ele demorou um pouco, e quando apareceu nos olhou com um olhar suspeito.

–-Desculpa te acordar. -- eu falei meio desconcertada com o olhar dele.

–-Tudo bem -- ele falou se dirigindo para a poltrona que Seth dormira.

–-Eu fiz o café. Você deve estar com fome.

–-Vocês já comeram?

–-Desculpa por não te esperar. Você parecia que não ia acordar tão cedo.

–-Sem problema.

Ele parecia incomodado com algo, e eu não sabia como lidar com aquela atitude dele. Me levantei e fui em direção a cozinha, e ele me seguiu acompanhado pelo Seth. Coloquei a mesa novamente e me sentei ao lado do Jake e de frente pro Seth.

–-E ai. Vocês vão procurar pela Leah hoje?

–-Não adianta, ela não quer ser encontrada. -- foi Seth quem respondeu meio cabisbaixo.

–-Mas, porque vocês não conseguem saber onde ela está, o que ela está fazendo?

–-Ela está num estado muito primitivo agora, só responde aos instintos sem racionalizar muito as coisas. -- Jake me explicou. --Mas ela não vai conseguir ficar muito tempo longe.

–-Como você sabe? -- eu questionei.

–-O Jake já passou um tempo assim. -- Seth respondeu sob o olhar repreensivo do Jake.

Eu entendi que ele não queria entrar nesse assunto, e afinal, eu podia tentar arrancar isso do Seth depois. Me lembrei que ainda não havia ido caçar. A sede já não me incomodava mais, o que era ótimo na atual situação. Mas caçar com esses dois ia ser legal, ia me fazer relembrar o tempo em que morava em Forks.

–-A gente podia ir caçar. -- tentei mudar de assunto.

–-O cheiro tá te incomodando? -- Jake perguntou.

–-Não, é que... pensei que ia ser legal, nós três juntos. Faz tanto tempo.

–-Lembra aquele urso enorme que a Nessie derrubou? Ela nem agüentava carregá-lo! O Jake ficou todo preocupado! -- Seth falou todo empolgado, e nós não conseguimos deixar de sorrir. Ele não consegue ficar pra baixo por muito tempo.

–-Deixa só eu acabar o café. -- Jake respondeu.

–-Tá, eu vou tomar um banho enquanto isso. -- já ia levantando da mesa quando lembrei de provocar os meninos.

–-Vocês também deviam tomar um banho. Não quero pegar pulgas enquanto estiver por aqui. -- Os dois rosnaram pra mim, e eu tive que desviar de um pano de prato enquanto corria pra o banheiro.

A presença do Seth ia me fazer muito bem, eu não saberia como me comportar aqui sozinha com o Jake. E ele era sempre tão animado, que até me fazia esquecer a confusão que estava a minha vida.

Ainda não era nem meio dia quando saímos, e o dia estava estranhamente ensolarado. Nós seguimos em direção ao norte desviando das poucas casas e fazendas que encontramos pelo caminho até chegarmos ao Parque Estadual Deception Pass. Não encontramos grandes presas por lá, só alguns cervos, mas Jake não queria se afastar muito de casa. Peguei apenas um deles, e em pouco tempo eu já estava saciada. Os dois lobos ainda brincavam com a comida um pouco longe de mim. Tentei me limpar um pouco e subi numa árvore pra observar os dois. Um pequeno pássaro pousou num galho bem ao meu lado. Era um pássaro preto com penachos amarelos, e no seu comprido bico tinha uma lista branca. Imaginei porque os pássaros não tinham mais medo de mim, está era a segunda vez que um deles se aproximava. Assim que os dois terminaram, se esconderam por trás dos arbustos pra se transformar, depois vieram na minha direção.

–-Ei Nessie! -- Seth gritou, como se eu não pudesse ouvi-lo daquela distância. -- Vamos apostar uma corrida até a praia?

–-Ah não. Vocês sempre ganham. -- falei fazendo beicinho, enquanto descia da árvore.

–-A gente te dá uma vantagem baixinha. -- Jake falou, me dando o seu sorriso mais bonito.

–-Tá bem. -- Eu sai correndo pro leste, mas eles saíram logo atrás de mim, ainda em forma humana. Porque esses lobos tem que ser tão competitivos? Eles logo emparelharam comigo, mas pra minha surpresa, e com algum esforço, eu tomei a dianteira e eles não conseguiram mais me alcançar. Só então percebi a velocidade que eu alcançara. Só o meu pai conseguia correr tão rápido. As árvores passavam por mim a mais de duzentos por hora, mas eu podia vê-las perfeitamente. Corria desviando das pedras e galhos pelo caminho, e mesmo quando o terreno ficou íngreme eu ainda parecia voar entre as árvores. Eu já podia ver o sol por entre as árvores a minha frente, mas não havia chegado na praia ainda, era uma clareira que se formara na parte mais alta da costa. Parei bruscamente. Aquela era uma paisagem que merecia ser apreciada. Alguns segundos depois, os dois passaram correndo por mim, e pararam a alguns metros. Jake já fazia sua conhecida cara de preocupado.

–-O que foi? Você sentiu alguma dor?

–-Não, só parei pra apreciar a paisagem. -- falei debochando.

–-Ah Nessie! Qual é? -- Seth reclamou.

–-Eu ia ganhar mesmo. -- dessa vez os dois bufaram. -- Ah! Dá uma olhada. É muito bonito aqui. -- falei, indicando a paisagem.

Nós podíamos ver toda a costa ao norte da ilha dali de cima, desde a ponte de mesmo nome do parque até a pequena baía Cornet com suas marinas, além de três pequenas ilhas que completavam a beleza da vista. Nos sentamos e passamos os resto da tarde conversando sobre nossos "bons tempos", e sobre as novidades de La Push. Era muito fácil estar com eles