No primeiro momento, quando o carro para, fico imóvel nos degraus do prédio olhando para a entrada. Nesse momento o sino do big ben parece que soa tão perto de mim, que as suas badaladas me trazem de volta à realidade, então desperto de minha pequena distração e me dou conta que ao passar pela porta da Sociedade Zoológica de Londres estarei partindo em mil pedaços o coração de Lorde Roxton. Não quero magoá-lo e espero que compreenda que não podemos ficar juntos, mas torço pra não me investigar, nem me encher com perguntas que não poderei responder. Vou ignorá-lo, acho que será minha melhor solução. Manterei contato apenas o necessário, só que depois de tudo que houve entre nós, de nossas declarações e momentos de cumplicidade, não saberei ser fria com o homem que sabe tanto sobre mim. John acabará descobrindo a minha omissão.

Nos instantes que precedem minha entrada, eu fecho meus olhos, em seguida dou um suspiro que eleva meus ombros, depois solto o ar pela boca e crio coragem para escalar os 12 degraus, mas subo rapidamente enquanto prendo com as mãos a barra de meu vestido para não pisar na seda. Agora que me aproximo consigo ouvir o barulho das conversas dos cavalheiros, também posso ouvir claramente a voz rouca de Challenger, então finalmente passo pela porta principal e observo o salão repleto de nobres, célebres nomes da ciência, jornalistas e também uma quantidade insignificante de mulheres. Meus olhos encontram Roxton, mas ele ainda não me viu, pois está de costas conversando na roda com Malone, Summerlee e outros dois senhores. Há também uma loira muito elegante com cara de mimada perto de Ned Malone, suponho que seja Gladys, só que não tenho certeza disso.

-Ok Marguerite, vamos logo com isso! – Falo comigo mesma pra me acalmar e descubro que Challenger já me viu. Ele acena e sorrir, em seguida olha automaticamente para Roxton que está há poucos passos. Na troca desse olhar, porque em 4 anos nos conhecemos tão bem, conhecemos todos os sinais de comunicação, assim sobrevivemos ao platô, John faz a leitura perfeita e vira o rosto em minha direção, nesse momento vejo que seu rosto se transfigura e um sorriso de lado brota nos seus lábios. Naquela hora meu primeiro plano de ignorá-lo, cai por terra e eu paro quando ele deixa o grupo para vir ao meu encontro.

— Marguerite!!??! – Pelo tom da sua voz não ouso afirmar o que Roxton está sentindo, se é raiva, alegria ou surpresa por me ver ali, pois talvez tenha imaginado como eu mesma sugeri várias vezes que eu não ficaria em Londres.

— John você está bem??? – Gostaria de falar outra coisa, só que não pude evitar o desconforto por causa de nosso reencontro após a separação, após horas de silêncio e de mais segredos, porque era como se ele pudesse ler dentro de mim e soubesse tudo que me aconteceu durante o dia que ficou sem saber do meu paradeiro. Eu tinha milhões de coisas para conversar com ele, mas um abraço era tudo que eu precisava naquela hora, foi por isso que eu o abracei sem nenhum pudor ou impedimento por estarmos em público. Envolvi Lorde Roxton com meus braços e o apertei, felizmente ele fez o mesmo, então fiquei mais tranqüila porque percebi que não estava tão aborrecido comigo quanto eu temia. Depois desse longo gesto de amor entre nós, John me afastou um pouco e segurou minha mão enquanto manteve pouca distância de meu rosto.

— Por que disso tudo Marguerite? Por que fugiu de mim como se eu não tivesse sentimento? Todos nós ficamos angustiados pensando que tivesse sido baleada dentro do navio ou presa por um daqueles mercenários ou até mesmo se afogado quando pulamos na água. Por quê? Só me responde isso. Por quê?

— Aqui não é lugar para termos esta conversa, eu prometo que contarei tudo, mas não aqui, você precisa ent....

— Não! – Ele me interrompeu e vi em seus olhos um brilho de raiva porque estava desapontado com a minha recusa. – Eu não permitirei que me deixe novamente sem respostas. Chega de desculpas, eu quero a verdade ou então não é a mulher que eu pensei que fosse.

— John??!! – Suas palavras voltam a me magoar, mas o que eu poderia fazer??? Contar a verdade e condená-lo a morte?? Não, eu não suportaria se alguma coisa acontecesse com ele ou com os outros, só que encarando seus olhos cheios de mágoa sou quase obrigada a acalmá-lo com outra mentira.

— Ei, o que deu em vocês??? – Pergunta Summerlee quando se aproxima de nós, eu fico grata por isso, porque acho que a gente ia começar a brigar feio. – O que pensam que estão fazendo???

— Desculpe Summerlee eu perdi a cabeça, não foi minha intenção estragar o triunfo de Challenger.

— Qualquer que seja o motivo dessa discussão eu presumo que será melhor conversarem com mais calma outro dia ou em outro lugar.

— Você tem razão, eu também me alterei, mas vou seguir seu conselho. Obrigado por isso, Arthur. – Agradeço e lhe dou um beijo em sua face.

— Oh minha querida, eu fico muito contente em vê-la aqui e acho que John também compartilha desta alegria. – Olho para Roxton e ele para mim, em seguida transfiro minha visão para outro ponto, pois não quero me expor mais do que já estou.

— Ela ficará bem, não é mesmo Marguerite??? Você sempre quis estar por conta própria!

Indignada olho para o homem que amo, mas naquele momento não o amo tanto assim, pois estou contristada: - Com licença!! – Não respondo ao insulto de Lorde Roxton e procuro me afastar dele o mais rápido possível, então decido cumprimentar Challenger e felicitá-lo pelo sucesso da reunião, eu faço isso sem sequer olhar para trás, quero que Roxton saiba que não ficarei aos seus pés. Quando Challenger me reencontra abre os braços para me acolher, depois me apresenta aos cientistas.

— Esta aqui é Marguerite Krux, a responsável pelo financiamento desta expedição. Sem os diários de William Maple-White e sem o dinheiro desta mulher, eu tenho que dizer que nada disso seria possível.

— Então devemos muito à senhora. – Fala um dos jovens cientistas estendendo a mão para beijar a minha.

— Senhorita, por favor. - Corrijo o cavalheiro enquanto beija gentilmente a minha mão, nesse momento percebo John nos olhando com cara de poucos amigos, mas juro que não pretendia e nem pretendo provocar ciúmes nele.

— Além de ser a financiadora, a Marguerite também é nossa tradutora, a especialista em línguas mortas.

— A senhorita é mesmo uma mulher única! Além de ser muito, muito bonita!!! – Não me seduz o galanteio deste botânico, nem me interessa os seus elogios, mas os flertes me incomodam, pois Roxton não tira os olhos de nós. Eu compreendo que a cena está aborrecendo John e não quero provocar outro mal estar, porque também detestaria vê-lo com outra mulher.

— Que é isso??? George está sendo exagerado!!! Latim é fácil de aprender! – Procuro diminuir o mérito que Challenger está destinando ao meu misterioso dom de lingüística, pois não quero que descubram minha ligação com Morrighan.

☆☆☆☆☆

— Roxton o que foi, por que está com essa cara? – Pergunta Malone.

— Eu só estou pensando em como algumas mulheres possuem o poder irritante de seduzir um homem!!! – Malone não entendeu nada, mas Roxton falava assim porque não estava gostando de ver Marguerite conversando com um dos botânicos. Roxton dá um gole de sua bebida, mas sem retirar os olhos de Marguerite, por isso, Malone logo compreende o que ele quis dizer.

— Marguerite? – Arrisca o jornalista já conhecendo a resposta, só que Roxton nada responde, apenas faz um gesto com a cabeça e com a boca, depois entrega o copo na bandeja de um garçom que passava perto e troca por outro copo que está cheio. – Você e Marguerite não é mais segredo para ninguém.

— Então deve saber que ela não é a mulher certa para mim!!! – Afirma John cheio de ciúmes e dor de cotovelo.

— O que eu sei é que você a ama mais do que imagina.

— É tão óbvio assim???

— Você arriscou a sua vida para salvá-la, cuidou dela, se transformava quando Marguerite desaparecia no platô e não descansava até encontrá-la.

— Que besteira, Malone, era meu dever proteger a expedição, então tudo o que fiz por Marguerite também fiz por vocês!!!!

— Sim, você fez, mas por nenhum de nós ficou sem dormir, disposto a andar pela selva durante a noite inteira, a madrugada e o dia, desde que achasse Marguerite o quanto antes. Quando Verônica sumiu, não causou desespero em você, nem quando eu desapareci ou decidi sair pelo platô. Quando Challenger ficou doente você fez o que pode, mas quando era Marguerite quem desaparecia não tinha descanso para nós, porque você queria procurá-la ininterruptamente. Não precisava nos dizer que estavam apaixonados, os gestos de vocês, as atitudes e até mesmo as brigas nos mostravam o quanto se amavam.

— Quer saber Ned??? Acho que você é muito bom com as palavras!!!

— Eu gostaria de encontrar um amor como o de vocês.

— Eu pensei que amasse sua noiva ou que depois de passar tanto tempo no platô tivesse se apaixonado por Verônica.

— Eu amo Verônica e amei Gladys, mas agora eu não sei o que fazer, pois ela está lá e eu aqui.

— Sabe de uma coisa meu amigo? Nós dois continuamos perdidos!!!

Vi Roxton e Malone rindo de alguma coisa, pelo menos estão se divertindo. Enquanto penso nisso, não percebo que Challenger se ausentou e me deixou sozinha com meu mais novo admirador.

— Marguerite seria muito atrevimento convidá-la para um jantar agradável comigo?

—O que disse? – Eu não soube o que responder, porque estou surpresa com sua rapidez e eu ainda estava observando Roxton e Malone.

— A senhorita aceita jantar comigo? – Felizmente antes que eu pudesse responder, Challenger chama atenção do salão, pois está na hora de apresentar oficialmente as provas da existência do mundo perdido. Os cavalheiros e todos os presentes fazem silêncio e se aproximam do púlpito onde Challenger discursa, enquanto eu vasculho com os olhos procurando por supostos mercenários do Marechal, pois tenho certeza que eles estão por aqui. Procuro não transparecer meu nervosismo, só que é impossível manter a calma com tanta pressão, principalmente quando Challenger abre a tampa do baú que transporta um dos ovos de t-rex. Nesse momento vejo um rosto suspeito, definitivamente não tem cara de cientista ou jornalista, tenho certeza, posso até apostar que se trata de um dos capangas do Marechal, por isso sinto meu rosto empalidecer e minhas mãos estão geladas, nem escuto a voz de Roxton quando chama meu nome.

— Marguerite??? – Ele me chama pela 3 vez e me assusto quando sua mão toca meu ombro. FInalmente me dou conta que John estava falando comigo.

— Roxton!?? – Meu coração está quase saindo pela boca, estou reagindo como uma mocinha indefesa, como se nunca tivesse jogado um jogo perigoso contra adversários capazes de tudo. Acho que está apaixonada e ter amigos de verdade me deixou vulnerável.

— O que você tem? Está pálida?! - Prontamente Lorde Roxton se oferece para cuidar de mim, mas eu o tranquilizo e afirmo que passo bem.

— Acho que é a ansiedade do momento! – Tento disfarçar, mas meu amor é esperto e sabe que não estou dizendo 100% a verdade. Por isso, Roxton segura meu braço e me leva para fora, vamos para uma saleta de acesso ao salão onde acontece a palestra de Challenger.

— Você pode negar e até tentar me convencer, mas eu sei que está escondendo algo que não quer que eu saiba.

— Roxton....

— Por favor confia em mim, você é a pessoa mais importante na minha vida, não vou suportar te perder!!!! – Sentir suas mãos em minha face me dão segurança e a certeza de ser amada por ele aquece meu coração, então cogito a possibilidade de lhe contar toda a verdade, mas antes de começar a abrir a boca, John me beija e eu o correspondo. Nós nos beijamos por um longo momento e depois nos abraçamos, aproveito para fechar meus olhos enquanto estou nos braços dele. – Desculpa ter brigado com você, eu estava irritado, não sabia o que tava fazendo. – Seu pedido de perdão também aquece o meu coração, e enquanto alisa meus cabelos e beija minha cabeça, começo a me sentir um pouco mais confortável e confiante.

— Eu não desapareci porque quis. – Começo a falar olhando nos olhos dele e me escuta com atenção. – No navio... – Hesito um pouco.

— O que aconteceu com você quando pulamos no mar?

— Eu não pulei! – Roxton aperta o cenho e vejo uma ruga aparecer em sua testa. – Eu fiquei.

— Por quê?

— Porque eu pensava que estavam atrás de mim.

— Quem estava atrás de você? Por que não me contou no navio?

— Roxton eu não posso contar mais do que isso, eu só peço que acredite em mim.

— Eu acredito, mas não me conformo que me deixe fora da sua vida, podemos lidar com isso juntos!!!

— Eu prometo contar tudo quando as coisas estiverem resolvidas, mas por enquanto não me pergunta mais nada, por favor.

— Eu te amo Marguerite, você sabe disso e não pode me ignorar mais, eu sei muito sobre você e sobre a sua vida complicada, então eu acho que sou a pessoa mais indicada para ficar ao seu lado e ajudar no que for preciso.

— Minha vida é complicada John, eu nunca escondi isso de você!!!

— Eu tenho certeza que é, só que não vou desistir da gente e vou lutar pra ficarmos juntos. – Enquanto ele se declara para mim, o homem suspeito passa atrás dele, para perto da porta e me olha muito sério, eu procuro disfarçar e ignorar que acabei de ser ameaçada, então me lembro no que estou metida e volto ao jogo preservando meu grande amor e também meus amigos. Maldito Marechal, mas isto terá um fim, um de nós vai ter que cair!

— Achei vocês dois. – Mais uma vez e na hora certa, Summelee nos interrompe, só que desta vez ele quer que voltemos para o salão, pois Challenger precisa da nossa colaboração.

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A palestra foi um sucesso, a reunião preparada por Challenger saiu muito bem e uma conferência de exibição ficou marcada para o final do mês, enquanto isso,vamos nos reunir com a rainha e também com os principais cientistas de Londres, pois Challenger deseja voltar ao platô o mais rápido possível e tenho certeza que não faltarão financiadores para esta nova expedição. Na hora da saída e após me despedir de Summerlee, Challenger, de Ned com Gladys, estou deixando o salão quando Roxton me detém e se oferece para me deixar em casa, mas recuso firmemente, então por causa disso noto um ar de tristeza em sua face.

— Nos veremos na casa de Challenger depois de amanhã. – Aliso sua barba bem feita, sou carinhosa porque sei que uma nova separação sem a esperança de um reencontro seria para ele uma terrível tortura, mas também está doendo muito em mim!!!!

— Nem ao menos sei onde você mora! – John insiste.

— Estou mais perto de você do que imagina!

— Isso é pouco, eu quero você como minha esposa.

— John não, não continua, por favor.

— Às vezes você tem tanto medo de mim e sempre se esquiva quando falo dos meus sentimentos. Será que precisamos ficar presos novamente para você se entregar outra vez, remover sua couraça e se livrar das capas de autopreservação???

Desta vez eu não respondo mais, eu apenas dou um beijo na metade de sua bochecha pegando o canto de sua boca, em seguida deixo John parado na entrada do salão e saio rápido para deixar o local. Do mesmo jeito que entrei eu vou embora, segurando o regaço de meu vestido, quase correndo nos 12 degraus, com meus cabelos soltos voando contra o vento. Para minha sorte há muitos carros de alugueis e logo encontro um motorista disponível. Então entro no carro e passo meu endereço, enquanto isso, eu vou pensando em comprar um carro e contratar um chofer ainda nessa semana, pois é importante que eu tenha minha própria condução como antigamente.

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Esperei Marguerite entrar no carro de aluguel para segui-la com o meu, pois quero ver onde mora ou para onde está indo. Para minha sorte ela estava tão apressada que não me viu descendo as escadas e me esgueirar atrás das colunas. Não irei desistir de Marguerite e seja lá o que está me escondendo, descobrirei e farei tudo que estiver ao meu alcance para ajudá-la.