Quando o Alfa Romeo chega ao seu destino final, Lorde Roxton desce em frente da mansão e olha demoradamente para o Brasão cunhado nos portões de ferro. O Brasão serve para ostentar o heroísmo e a bravura dos seus antepassados, alguns reconhecidos pela coroa britânica. Por isso John se lembra da família e nessa hora seu olhar verde como o lodo do rio, volta para o passado não muito distante, porque ele simplesmente não pode evitar. Àquela hora na avenida modestamente agitada, passam uma dúzia de automóveis e o ruído da buzina de um deles corta a sua atenção, então ele desvia o pensamento de volta para o presente. Roxton empurra o portão e ouve o ferro ranger, porque é pesado e não recebe lubrificação há semanas, talvez meses, então ele exibe no rosto uma expressão de perplexidade e nessa hora um pressentimento terrível atinge o coração como um raio. Ele anda rápido e atravessa o jardim com suas botas surradas. O jardim que era tão bonito agora parece sinistro, então mais uma vez lorde Roxton pressente o pior e caminha com mais velocidade na direção da porta.

A última vez que passou por aquela porta foi para embarcar na Expedição Challenger após se despedir da mãe.

Começa chover quando o lorde adentra na sala da sua mansão, só que não encontra vivalma para lhe receber, porém a lareira crepita e algumas luzes do longo corredor estão ligadas, por isso ele sabe que não está sozinho em casa, mas não tem coragem de chamar pela mãe, porque é tarde e ela dorme, ele também está exausto, decide que vai esperar o dia amanhecer para matar a saudade. Lá fora a chuva aperta e o vento começa a soprar forte nas cortinas das janelas, então Roxton de pé sobre o tapete observa a cabeça do alce exposto na parede como troféu da última caçada ao lado do pai. Essa lembrança dá um nó na sua garganta, porém o mais incômodo para ele é estar de volta e se sentir um estranho.

— Marguerite!!! - O nome da amada é sussurrado por seus lábios depois de pensar nela, porque a razão de se sentir fora do ninho era ela, então Roxton afasta a cabeça e sacode várias vezes como se estivesse negando algum pensamento, depois decide subir para o quarto.

Quando pisa com o pé direito no primeiro degrau e segura o corrimão, ele ergue o queixo e ver com surpresa o tio imóvel na escada. O tio Rudy é o irmão mais jovem de sua mãe, é bonito, tem sua mesma altura e aos 43 anos de idade ainda está solteiro, pois ele nunca conseguiu ficar apenas com uma única mulher, porque não consegue ser fiel a nenhuma delas. Rudy surge no topo da escada como se fosse um fantasma e Roxton fica vendo o tio sorrir para ele enquanto desce com os braços abertos.

— Meu querido sobrinho que surpresa!!! – Ele festeja arregalando os olhos verdes, mas por àquela altura John não consegue compreender mais nada e não sabe como explicar a presença de Rudy em sua casa. O tio esgueirando a mão esquerda no ombro do caçador consegue um abraço forçado e então sussurra em seu ouvido que acreditava que todos da expedição tinham morrido.

— Há muito pra ser contado, mas eu preciso tirar essa roupa!!! – Roxton desconversa, pois no fundo nunca confiou nele.

— Eu aposto que sim. – Rudy tem interesse. – Venha! – Ele chama o sobrinho para outra saleta.

— Rudy eu estou muito cansado, tudo que eu quero agora é um bom banho, porque amanhã eu vou levantar cedo.

— É sobre sua mãe!

— O que tem a minha mãe? Como ela está???

— Ela está morta! – A voz de Rudy é como um tiro que sai queimando a roupa, esta notícia causa uma leve queda de pressão em John, que quase cai, porque não sente mais o chão sob seus pés, a vista escurece e nessa hora outro nó se forma em sua garganta, só que dessa vez ele engole para perguntar como foi que tudo aconteceu.

— Foi o desgosto? – John tem medo da resposta, ele não suportaria carregar outra culpa em suas costas, porque é um homem atormentado pelas mortes do irmão e do pai.

— Não! Foi a gripe.

— A gripe espanhola??? – John se lembra do surto do vírus, mas acreditava que ele tinha sido controlado, agora descobre que estava completamente equivocado.

— A maldita gripe se alastrou pouco depois que você viajou para a América. Não encontrou essa doença por onde passou?

John sacode a cabeça: - O lugar onde eu estava o monstro era outro!!!

— Não me diga! – O rosto do tio se iluminou. –Venha John vamos tomar uma bebida quente para esfriar a cabeça ai você me conta o que aconteceu com você durante todos esses anos.

— Não eu preciso ficar sozinho!!! Já perdi muito por hoje. – Roxton dá uma tapinha no ombro do tio e se esforça para sorrir, só que ele está muito ferido e por isso não quer mais ficar conversando, então procura subir o mais rápido possível. Quando adentra no quarto, a chuva se transforma em tempestade com trovões e relâmpagos. A tempestade derruba a energia, por isso a rua fica escura com todos os postes apagados. Roxton senta numa cadeira de frente para as janelas de vidro, as cortinas balançam muito por causa do vento que uiva nas árvores, mas ele continua pensativo e quieto. Porém, segundos depois ele sente o corpo caindo de sono, as pálpebras se fecham contra sua vontade por causa do cansaço físico e também psicológico, então é nessa hora que ouve dentro do coração a doce voz de sua mãe, ela fala como um anjo que veio em seus sonhos para devolver, em partes, a sua paz:

John meu querido filho, você não tem culpa. Você não poderia ficar comigo, porque sua missão é ajudar o mundo salvando seu grande amor!

De repente um clarão no céu ilumina o quarto, seguido de um forte trovão. Lorde Roxton reabre os olhos e desperta com o relâmpago e não compreende muito bem o que acabou de acontecer, só que aos poucos começa sentir uma força extraordinária dentro do peito e essa força dá coragem para lutar pelo que ele mais ama na vida. O caçador fica reanimado, pois descobriu que a mãe não guardou nenhum rancor e perdoou a sua ausência. Tomando um impulso, ele salta da cadeira e vai preparar um banho quente. Enquanto espera a banheira encher, John retira as botas, depois se livra das roupas que ainda estão umedecidas. Feito isso, pega o roupão para agasalhar o corpo e acende a lareira, pois ainda chove torrencialmente e a noite fria está perfeita para pegar um resfriado.

O silêncio não impera por causa do som da própria respiração, dos trovões e da agitação em sua mente, pois John traça planos para com Marguerite, de modo que ele mal consegue esperar o dia amanhecer. O primeiro passo será ler o jornal como Challenger aconselhou, porque ainda não sabe o que aconteceu com ela, depois esperará por Marguerite na reunião, mas se ela não comparecer irá contratar um detetive particular para encontrá-la. Roxton repassa os planos enquanto circula pelo quarto e esquenta as mãos soprando ar quente da boca no meio delas, mas felizmente o banho fica pronto e Roxton entra na água que está morna. A água está perfeita e bastante relaxante, por isso John se remexe dentro para achar uma posição confortável, depois ele reclina a cabeça e descansa os cotovelos nas bordas da banheira. Aos poucos Roxton começa a se sentir um novo homem!!!

Um dos capangas me faz descer do carro quando paramos na Prince Consort Road. É o meu endereço e eu quero olhar para minha casa, mas sou obrigada a encarar meu inquisidor que lança para mim um olhar de desprezo, então eu sinto novamente a sensação do pavor congelando as minhas veias e desejo nesse momento estar bem longe de Londres, só que eu sei que o Marechal jamais permitiria minha fuga, porque esse homem ficará atrás de mim como uma sombra. Enquanto estou de pé e seguram meu braço, ouço o Marechal cochichar com outro dos seus mercenários, ouço ainda outra coisa, talvez um silvo, então vejo um relâmpago clarear o leste do céu e em seguida vem o som estrondoso do trovão que não me assusta tanto quanto antes, porém se não nos apressarmos, em breve cairá sobre nós um verdadeiro dilúvio.

— Então Miss Krux você está em casa. O que fará agora? – Sou avaliada da cabeça aos pés e percebo o músculo de sua mandíbula se mexer.

— Eu sei exatamente o que você quer, não precisa me farejar como meu cão de guarda.

— Eu sei que você irá se comportar, porque não quer ver seus amigos no fundo do Tamisa, mas mesmo assim vigiarei cada um dos seus passos.

— Quanta gentileza! – Respondo com rispidez e com uma boa dose de falsidade, então ele altera a postura e olha para frente, em seguida o motorista arranca o carro, mas não me deixa só. O desgraçado deixou guardas para cercar minha casa e controlar meus passos.

Companhias adoráveis para mim. – Esse dia podia melhorar???

Caminho lentamente em direção aos portões da minha residência e arrisco olhar para trás com o rabo do olho, eu reconheço que devo continuar andando até entrar em casa, porém estou calculando se seria capaz de correr mais rápido que os meus farejadores, afinal de contas, quantas vezes eu e Verônica enganamos as feras do platô enquanto corríamos por nossas vidas. Eu procuro com meus olhos uma saída entre os jardins, pois conheço cada cantinho de minha propriedade, mas logo me lembro do que está em jogo e então decido jogar como meu inimigo deseja, mas não estou convencida a seguir as regras, porque jamais gostei de seguir os protocolos, por isso o Marechal não perde por esperar!!! Eu chego até os degraus do acesso a porta principal e abro com a chave que guardei no salto de minha bota, mas antes de entrar eu resolvo olhar novamente para trás e dessa vez não os vejo, porém sei que estarão sempre ali escondidos em todo lugar como os lobos fazem quando estão com fome.

Acendo as luzes da sala e vejo meu passado ressurgir com a memória do tempo em que fui casada com um homem rico e desprezível, dono daquela casa que ficou para mim após a sua repentina morte. Tudo está exatamente como deixei antes da viagem, então me viro para olhar os móveis cobertos por capas brancas. O lustre de cristal pendurado no centro, as estátuas trazidas da Grécia, os quadros na parede, a lareira apagada e sinto raiva, porque passei anos tentando voltar para casa e agora que consegui não vejo sentindo algum. Eu estou parada no meio da minha sala descobrindo que meu lar verdadeiro está perdido em um platô americano, e nesse momento o nome de John vem à minha mente e sinto um aperto no coração por estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe dele. Procuro parar de pensar como uma romântica e me concentrar no mais importante agora, que é salvar a minha vida e poupar meus amigos. Eu resolvo trancar a porta e verifico todas as janelas, pois não quero que entrem quando eu estiver dormindo. Em seguida, subo para meu quarto, mas quando estou passando pelo corredor a luz apaga e eu me assusto um pouco. Tenho o reflexo de pegar minha arma, só que ela não está mais no cós da minha calça, felizmente me dou conta que foi apenas uma queda de energia por causa do temporal e acho graça do meu nervosismo.

— John como você estará agora? – Dou um profundo suspiro e me deixo cair na cama depois de entrar no quarto e acender uma vela. Com o corpo moído e com os olhos fechados eu imagino como Roxton passará esta noite chuvosa.

Eu não tenho idéia do que vai acontecer quando nos reencontrarmos amanhã, mas sei que ele não descansará e nem me deixará em paz até arrancar de mim uma boa justificativa pro meu sumiço no navio, por esse simples detalhe o sorriso desaparece do meu rosto quando penso nessa conversa inevitável. Se eu pudesse fugiria hoje mesmo para o Egito e não voltaria mais, creio que todos teriam um pouco mais de paz longe de mim, mas para pagar a divida com o Marechal eu tenho que me aproximar dos meus amigos e enganá-los novamente. Até hoje sinto um frisson quando me lembro do desaparecimento de Adrianne, mas eu não vou cometer o mesmo erro, não permitirei que outras pessoas morram por minha causa, nem que pra isso eu tenha que mentir para o único homem que eu amei e ser cruelmente fria para afastá-lo do perigo que eu represento. Todo mundo mente, o problema é que lorde Roxton me conhece tão bem, acho que sabe quando estou escondendo a verdade, por isso será difícil, mesmo assim não tenho outra escolha, a única opção é continuar com as mentiras que ele despreza tanto.

—Oh meu Deus eu estou tão cansada, tudo que eu preciso agora é dormir.

Estou tão exausta que logo adormeço e só acordo quando um raio do sol invade o quarto e reflete no meu rosto, então eu finalmente desperto para viver aquele dia complicado.

Quando estou saindo de casa para participar da reunião de Challenger eu escuto um guincho do trem de Londres e me dou conta que eu não lembrava mais disso. Volto novamente o pensamento na reunião de George e sei que ele estará tão nervoso quanto o Malone que com certeza deve ter destruído as unhas na noite passada pensando em como será o reencontro com Gladys. Eu também penso no meu reencontro com o John e o que ele me dirá quando estivermos diante um do outro. Provavelmente, ele vai me repreender pelo que fiz e vai querer saber os motivos, eu só espero que não sinta raiva de mim, porque eu sofreria. Enquanto penso nele eu escuto outro guincho do trem e olho para o céu para ver se naquela manhã teremos chuva, mas não vejo sinal das nuvens carregadas, por essa razão concluo que o clima continuará bom, então me dou conta que desde a hora que eu pisei novamente na Inglaterra estou agindo como se ainda morasse no platô, tomando conta do tempo e estudando os sinais da natureza, aplicando o conhecimento que Verônica e lorde Roxton me deram. Seria engraçado, mas nesse momento mercenários estão me seguindo pela rua. Por isso, procuro caminhar mais rápido e logo encontro um automóvel disponível e peço ao motorista para me levar ao Centro Zoológico de Londres.

Lashippadora