Stay with me

London we come back


Oceano Atlântico

6 horas para o desembarque

Estou na proa olhando o mar sem saber se fiz a escolha certa ao entrar neste navio. O Capitão deu ordens para irmos a todo vapor, por isso seguro a grade com minhas mãos e encosto o tronco do corpo para não me desequilibrar enquanto olho para baixo. Eu sinto a brisa do Atlântico em minha face e nessa hora vejo o par de adoráveis golfinhos nadando à frente do Sea Hope. Por um momento me esqueço dos problemas e abro um sorriso, mas instantes depois volto minha atenção para o verdadeiro motivo que me fez deixar os amigos no salão e vim para a proa. Na verdade, estou fugindo do Roxton desde que o balão saiu do platô, ou muito antes, pois no fundo ele mantinha a esperança de novamente o plano frustrar. No entanto, assim que fomos surpreendidos pela rajada dos ventos que circulam o platô uma vez por ano, ouvimos o inesquecível ronco nos sacudindo e cortando o balão. Fomos jogados nas árvores com muita violência e caímos entre as seringueiras como na primeira vez quando entramos naquele lugar Pré-Histórico.

- Estão todos bem? – Ouvimos a voz de Challenger nos chamando. Ele foi o primeiro a se levantar pois caiu sobre as cordas do balão. Summerlee também teve essa sorte, porém, Malone, John e eu não fomos tão afortunados.

— Você está bem? – John veio até mim para saber se eu tinha me ferido durante a queda, mas eu estava bem, felizmente tive apenas pequenos arranhões sem nenhuma unha quebrada.

— Estou sim. – Afirmo olhando para ele e pensando se já passou sua mágoa. Roxton tava sentindo dor nas costas porque caiu de mau jeito, só que nada sério e em poucos minutos estava pronto para continuar a aventura do retorno da Expedição Challenger para Londres.

— Por Deus, nós conseguimos!!! – Ouvimos Summerlee vibrar a nossa saída do platô, ele foi o primeiro a se dar conta do fato quase impossível, mas eu ainda não estava convencida pois tenho receio de comemorar cedo demais. : - Challenger, Malone, Roxton, Marguerite, estamos fora, estamos fora!!! – Ele insiste apontando para um monte de folhas. A euforia dele é extraordinária, só que eu não consigo ver nada do que o professor fala. : - Olhem essas plantas, esses galhos, essas folhas.

— Que maravilha, Summerlee, é muito bonito, mas o que isto prova? – Questiono com meu ceticismo habitual, só que ele continua sorrindo com sua paciência irritante.

— Ah minha cara Marguerite, estas são espécimes que não encontramos no platô!!

— Summerlee tem razão!! – Concorda nosso Challenger que arranca um galho e em seguida cheira a seiva. : - É uma Clusia Insisgnis muito bonita.

Nota mental: Detesto quando usam os nomes científicos das plantas.

— Isso quer dizer que conseguimos? – Vejo Malone segurando seu diário, com o lápis atrás da orelha pronto para iniciar suas narrativas a qualquer momento.

— Você está certo, meu rapaz. Olhem!!! Vejam!! – Summerlee aponta o planalto escondido entre as nuvens e nessa hora todos nós olhamos e vimos o topo do platô imerso em nuvens densas e escuras. Estou ainda sem acreditar que felizmente escapamos daquele pesadelo, por isso continuo olhando para o planalto, dentro de mim tem uma avalanche de emoções.

— Estamos livres! Eu não acredito, estamos livres!!! - Vibro sem pensar em nada, apenas comemoro sem me preocupar com meu regresso complicado pois sei o que me aguarda na velha e boa Inglaterra . Aliás, todos nós vibramos muito e compartilhamos sorrisos. Ned atira pro alto e Challenger se sente orgulhoso por ter conseguido, só que quando abraço Summerlee, encontro o único olhar triste do grupo. Vejo Lorde Roxton um pouco sério e percebo que não ficou contente. Por mais que se esforce para sorrir a sua alma estar triste, por isso eu não ouso mais comemorar porque lhe vendo neste estado meu coração se despedaça, então evito encará-lo.

Desde a última noite na casa da árvore estamos um pouco afastados e desconectados, e agora mais ainda por causa do clima de separação nestas últimas semanas dentro do navio porque começamos a nos despedir à medida que nos aproximamos do porto, apesar de sabermos que estamos ligados para sempre por causa da importância desta expedição. É por esta razão que estou na parte externa do vapor, pois necessito ponderar meus sentimentos por lorde Roxton.

SEMANAS ANTES

— Quero propor um brinde! – Diz Challenger erguendo a taça na nossa última noite na casa da árvore. – Brindemos ao retorno da expedição.

— E por estarmos todos aqui juntos como no começo da jornada! – Se lembra Malone.

— Quase todos. Não podemos esquecer Finn! – Lembra Challenger.

— Será que ela ainda estar na Nova Amazônia? – Pergunto por curiosidade, mas em seguida Challenger responde exatamente o que eu tinha em mente.

— Amanhã voltamos para casa! – Brinda nosso cientista visionário. Eu ainda duvido que amanhã a gente consiga sair do platô, mas não quero ser a única pessoa com um pouco de pessimismo por aqui.

— Ou pelo menos tentaremos! – Malone tira as palavras de minha boca.

— Em todo caso sabem que as lâmpadas ficarão acesas para cada um.

— Obrigado, Verônica. Sabemos o que isto significa para você.

— Sim professor, eu vou sentir saudade.

— Mas montaremos uma expedição de retorno, esta não é uma despedida definitiva! – Recorda Challenger, mas acho que já ouvimos isto antes. Eu sei que cada um tem seus planos, alguns ficarão mais famosos, outros entrarão para a história, mas enfim, não é esta a questão. A questão é que amanhã pode ser nosso último dia perdidos neste mundo surreal e eu ainda não conversei com Roxton para acertarmos as pontas soltas que ficarão entre nós. E na verdade não sei se consigo!! Eu sinto que ele pensa a mesma coisa porque tentou se aproximar e ficarmos sozinhos.

Durante o resto da madrugada não consigo dormir, eu me viro na cama de um lado para o outro pensando na viagem e no John. Eu sei que já tentamos sair do platô várias vezes só que agora é diferente, é como se uma parte de mim soubesse que vamos conseguir e tenho medo do que pode acontecer porque não quero perder o meu grande amor, mas ficar com ele nas condições que deixei minha vida lá fora é impossível. Então como não tenho sono, resolvo me levantar. Acendo a vela e em seguida vou para a cozinha, pois quero fazer um chá de camomila para acalmar meu estado de espírito. Tento descer do quarto e passar pela sala sem fazer barulho para não acordar os outros, mas a noite escura quase não permite enxergar os móveis direito, porém com sorte e andando nas pontas dos pés eu consigo fazer silêncio e passar discretamente. Todavia, para minha grande surpresa ou talvez ironia da vida, encontro Roxton preparando algo na cozinha. Nesse momento eu sinto um frenesi pelo corpo todo, o vento da madrugada leva uma mecha do meu cabelo pra frente do meu rosto e também balança a seda da camisola que estou vestida. Eu mal tenho reação, meu instinto de sobrevivência me manda sair correndo, mas é tarde para fugas pois John já me viu.

— Oh Roxton!!! – Minha voz sai quase como um desabafo de surpresa e contestação porque depois do que houve entre nós naquela gruta eu evito este tipo de encontro o máximo que posso.

— Marguerite! – Percebo uma satisfação em sua voz quando chama meu nome. – Você quer chá?

— Eu perdi o sono. – Falo sem pensar e me protejo dele atrás da bancada onde Verônica guarda as frutas.

— É de camomila, o seu favorito! – Este homem adivinhou meu pensamento. John continua fazendo o chá na beirada do fogão de lenha, enquanto isso eu contemplo sua habilidade na cozinha e imagino como será passar a vida ao seu lado. Procuro não olhar para seu corpo, mas é difícil ignorar sua virilidade. Vejo que ele esquenta o leite e serve duas xícaras. Uma delas é servida exatamente como gosto e confesso que seu chá é infinitamente melhor que o meu, por isso aceito a oferta. : - Cuidado, Marguerite, está bem quente.

— Obrigado!!! – Recebo a xícara, assopro minha bebida e depois dou um gole.: – Hum, muito bom . – Agradeço novamente pela gentileza, enquanto isso ele se senta e também bebe um pouco do chá, mas depois quebra o silêncio tocando no assunto que causou a minha insônia.

— Eu vou ter que perguntar! – John olha para mim e então fico muda, estou atônita com o diálogo prestes a começar. – Não somos mais crianças, Marguerite, somos adultos, eu preciso saber o que vai acontecer com nós dois se voltarmos à Londres.

— Quais as chances disto acontecer?

- Não me diga que não pensa nas probabilidades? – Ele continua direto ao ponto.

— Nas probabilidades? – Disfarço e tomo outro gole da camomila.

— Ah vamos, Marguerite, não se faça de desentendida.

— Quer falar sobre a viagem?

— Não, sobre nós dois!!! Porque somos mais que bons amigos. Eu te amo, Marguerite, eu já abri meu coração. Por favor, não me diga que já se esqueceu das coisas que também me disse.

— Não, John, claro que não.

— Então por que foge de mim?

— Eu não fujo.

— Eu sonho com seu corpo todas as noites, mas você sempre inventa uma desculpa para me afastar. Às vezes penso que não quero voltar pra Inglaterra!!

- Talvez desta vez o balão voe pra fora do platô.

— Não! Quero saber como a gente vai ficar mesmo se a viagem for um fracasso!!! Estou cansado de fingir que não há nada entre nós. – Ele pausa, mas depois continua: - Quero me casar com você, Marguerite!

— Jonh!?? -Ele me surpreendeu porque nunca me colocou contra a parede, então não sei o que responder, eu acho que preciso de tempo, só que tempo é o que menos teremos daqui pra frente se tudo sair como Challenger planejou. Oh se eu pudesse contar todos os meus segredos, explicaria que ficarmos juntos é muito perigoso, mas Roxton jamais aceitaria. Fraquejo, estou sem saída. Por causa do meu silêncio, ele deixa sua cadeira, dar a volta pela bancada e para na minha frente. Coloca seus braços no encosto do assento e me encara, consigo sentir o hálito recente da camomila em sua boca. Lorde Roxton fica perigosamente perto de mim.

- John eu não sei o que dizer. - Novamente fraquejo porque o amo tanto que seria capaz de me perder dentro dos seus olhos de caçador. Então deliro quando ele toca meu rosto com delicadeza, sei o que vai acontecer agora, por isso eu fecho meus olhos e espero o toque de seus lábios nos meus. Roxton começa a me beijar com paixão e então nos beijamos. Eu deixo meu chá para alisar seu rosto, eu sinto sua barba nas palmas de minhas mãos e descubro que o amo mais que nunca, só não posso mais me declarar pra ele.

Quando termina de me beijar, questiona novamente: - O que vai acontecer se desta vez a gente conseguir sair do platô?

— John a minha volta pra casa não vai ser fácil. – Sussurro no meio da madrugada e torno a acariciar sua barba.

— Já me disse isso! Mas eu não vejo problema, nós sempre nos ajudamos aqui, não seria diferente em Londres.

Balanço minha cabeça e ele compreende meu sinal negativo, por isso Roxton se afasta.

— Eu não sei se ficarei em Londres, John!!! –Desabafo! Eu tenho que contar os motivos pelos quais não ficarei em Londres por muito tempo, mas vejo sua expressão mudar, ele fica preocupado com o que acabo de confessar, conheço a personalidade dele, sei que não vai me abandonar, então eu decido omitir o restante para preservá-lo.

— Então é por isso? Planeja fugir da Inglaterra assim que chegarmos lá?

— Não John, fugir não. Resolver assuntos pendentes em outras cidades.

— Você quer dizer Xanghai Xan, Marguerite! Você quer voltar para a vida que tinha antes de embarcarmos nesta expedição há 3 anos atrás. E quer fazer isto por causa da maldita dívida que tem com estes criminosos e sabe lá pelo que mais, porque eu definitivamente não sei qual é o seu limite!

— A minha vida pessoal não diz respeito a terceiros!!! – Fui firme e até rude, mas precisava fazê-lo parar antes que nos machucássemos mais com palavras duras que nos arrependeríamos depois.

— Terceiros??!! – Noto um desapontamento em seu olhar, eu tenho certeza que isto doeu mais em mim do que nele. : - Então é assim que nós ficamos? Agora você não me reconhece? Eu sou apenas o homem que você pagou para proteger a expedição do Challenger??!!!

— Você é muito mais que isso, Roxton. Não seja ingrato!

—Tudo bem! – Ele olha pra mim com seriedade e brilham lágrimas nos seus olhos. Fico aflita esperando o restante da sua frase pois sei que ela me magoará.: - Acabou, Marguerite, nós não temos mais nada. Você pode sair pelo mundo sem deixar rastros da maneira como sempre fez. E não se preocupe, amanhã quando finalmente sairmos deste platô eu prometo que não serei mais o seu cão de guarda.

Ele joga essas palavras duras em minha cara e depois sai, mas eu não posso ficar sem pelo menos tentar amenizar o mal entendido entre nós, porque seria injusto acabarmos desta forma.

— John, por favor. – Peço antes que ele cruze a porta. Ele para e olha de lado por cima do ombro, então vou até ele, fico debaixo do seu olhar magoado e suavizo o tom de minha voz.: - Por favor, Roxton, eu não quero partir o seu coração!!

— Tarde demais, Marguerite! Você já o fez!!!

— Senhorita? Senhorita, por gentileza desça das grades da proa! A senhorita consegue me escutar? - A voz de um tripulante me arranca dos meus pensamentos, o rapazinho atencioso chama minha atenção porque estou arriscando involuntariamente a minha vida ao me pendurar nas grades do navio, porque estou distraída.