#1 – Attraction

O sol matinal entrava fraco pela janela, atravessando a barreira de cortinas brancas, indo repousar na mesa de nogueira – bem organizada – localizada à esquerda da janela se você entrava na sala. No canto direito da parede, onde os finos raios de sol ainda não alcançavam, estava um divã preto com algumas almofadas brancas colocadas cuidadosamente espalhadas para que assim parecessem. Sentado à mesa, a figura de camisa social branca, calça branca, jaleco branco e sapatos brancos esperava enquanto seu paciente não chegava. Já estava cinco minutos atrasado e ele não saberia dizer se era culpa do paciente ou das enfermeiras do hospital. Correu os longos dedos finos pelo cabelo castanho e curto, enquanto respirava fundo observando enquanto um raio de sol atingia a plaqueta de metal em cima da mesa.
”Dr.Nolan”, anunciava ela. Quando foi que pensou que seria médico? Psiquiatra! Sua vida era mesmo uma ironia: quando adolescente queria ter uma banda e tocar pelo mundo. Quando fez dezoito anos descobriu que se interessava bastante por seres humanos, entrou na faculdade, se formou, e agora trabalhava em Nebraska, para juntar dinheiro e se casar no final do ano com Paulie. Se possível continuaria na Kairos Psychological Clinic. Tinha a impressão que gostaria de lá, apesar de ser seu primeiro dia e seu paciente já estar atrasado.
Voltou os olhos castanhos para o relógio branco em cima da porta, constatando o atraso de quinze minutos.
Temia que fosse algum paciente difícil. Já havia lido sua ficha algumas vezes e em nenhum momento constatou que o rapaz teve atividades violentas.
O barulho da maçaneta da porta girando chamou sua atenção, fixou o olhar na figura adentrando a sala e sorriu.
Não tinha nada de perigoso, aparentemente. Era esguio, de estatura baixa, cabelo castanho-escuro e liso, parte caindo sobre os olhos, parte bagunçado. Vestia uma blusa de manga comprida, uma lã fina, própria para o começo do outono. A calça era um jeans surrado e usava tênis velhos. Mantinha a cabeça baixa, o olhando de soslaio e segurando nas mãos as mangas da blusa. Fechou a porta e automaticamente se moveu para a cadeira na frente da mesa do psiquiatra, se sentando.
-Oberst, Conor Mullen, é você? – O médico perguntou com um sorriso. O rapaz na sua frente baixou o olhar para o próprio colo.
-É isto que está na sua ficha, não é? Conor Mullen Oberst, não é? – e o olhou nos olhos – Então sou eu.
Conor Oberst, ele aprendeu, estava no hospital psiquiátrico não por um distúrbio, mas vários. Além da bipolaridade, sociopatia, depressão e esquizofrenia, o rapaz andou envolvido com químicos que o afetaram mentalmente. Nunca precisou de camisa de força, e até onde ele sabia foi um amigo quem o internou, e ele não protestou em momento algum. Havia uma grande possibilidade de que o rapaz se tornasse repentinamente violento, mas já fazia dois anos que estava lá e em momento algum foi constatado que ele precisava ser isolado.
O que John não entendia era por que o rapaz trocava de médico com tanta freqüência, e por que alguns médicos simplesmente desistiam dele.
-Você é meu novo médico? – perguntou. John riu, pegando uma caneta.
-Eu estou de branco na sua frente com a sua ficha, não estou? Então, é, sou sim.
-Dr. Nolan... – murmurou, olhando a plaqueta.
O outro continuava com o rosto sem expressão. John apontou o divã para o rapaz, que se levantou, indo se deitar lá. Abraçou uma almofada branca, olhando teto fixamente. Era um rapaz bonito, não lembrava em nada os pacientes sujos de comida e pó – de se arrastarem pelo chão – que ele costumava encontrar. Quem o olhasse quieto, jogado em um divã, diria que era um rapaz normal, que estava no lugar errado.
-O que fez essa semana, Conor? – perguntou John, puxando a cadeira para perto do divã, com a prancheta na mão, pronto para anotar o que lhe parecesse estranho no rapaz.
-Qual é o seu primeiro nome? – perguntou sem o olhar. John franziu a testa. Seria difícil se ele não revelasse nada sobre sua semana, sua vida, enfim.
-É John, mas eu preferia que você me chamasse de Dr. Nolan...
-Afinal, você fez uma faculdade e conseguiu esse título a muito custo, não é? – completou Conor, apático, o fitando. John continuou sério.
Seria bem difícil.
-Mas então, o que fez na sua semana? – perguntou novamente. Conor suspirou, erguendo uma das mãos pequenas e delicadas, afastando uma mecha do cabelo que caía sobre seus olhos.
Lembrava uma garota de vez em quando.
-Não tem muito o quê fazer por aqui. Eu escrevi, desenhei, andei por aí. Conversei com o Padraic. – disse com calma. John não sabia quem seria o tal Padraic.
-Quem é o Padraic? – perguntou. A mecha do cabelo de Conor caiu novamente sobre seus olhos. Ele ergueu os dedos finos e afastou a mecha dos olhos.
-É alguém. – murmurou.
-Aqui da clínica? – perguntou, se amaldiçoando em seguida. Nunca deveria se referir ao hospital como uma clínica! Não podia deixar que os pacientes se sentissem ainda mais doentes.
-Não. Daqui. – respondeu, apontando a própria cabeça e voltando o olhar para John. Não parecia sentir, pelo menos seu olhar não demonstrava sentimento algum. John respirou fundo, se lembrando de que estava lidando com um esquizofrênico, quando ouviu o outro rir. O encarou, confuso, sem perceber que estava rindo também.
-Padraic é o nome do meu irmão. – respondeu ele, se sentando no divã e aproximando o rosto do de seu psiquiatra. – Você tem covinhas quando ri. – e colocou um dedo no rosto de John. A campainha tocou, indicando o fim da seção. Conor se levantou, indo em direção à porta.
-Tente não se atrasar na próxima. – pediu John. Conor sorriu.
-Só se você prometer aumentar a dosagem dos meus remédios. – e saiu, tão apático e sem expressão quanto quando chegou.
John ainda sorria, com uma mão no rosto, onde Conor o “cutucou”.
Seria bem interessante cuidar dele.

Como uma pessoa conseguia se concentrar em alugar um bom filme se logo que entrava na Blockbuster ao lado de sua casa encontrava uma pessoa com aqueles trajes? Nada contra uma boa calça jeans e uma camiseta vermelha, mas aquilo já era exagero. Oras, ele era gay e não saía escrevendo isso na testa, nem usando apelos como calças justas demais e camisetas propositalmente curtas para quando ele erguesse os braços aparecesse parte de sua barriga.
Mesmo porque ele ficava muito bem com roupas sociais despojadas, obrigado.
Não sabia de quem o rapaz estava tentando chamar a atenção, se era de algum atendente ou se de qualquer par de olhos que caísse sobre ele e sua... Falta de saliência traseira. Tinha o cabelo castanho e liso, jogado de lado, usava um cinto de tarraxas, preto e branco, um jeans e camiseta vermelha. No momento, a criatura estava se esticando em uma prateleira, tentando pegar o DVD posicionado lá no alto, enquanto ele, há pelo menos duas fileiras atrás, só o observava com seus olhos perfeitamente azuis, seu cabelo perfeitamente penteado, roupas perfeitamente passadas e... Enfim, em toda sua perfeição.
Jesse Lacey desviou o olhar, voltando a prestar atenção nos filmes à sua frente. Não sabia se levava Grease, Rent ou Chicago. Já havia visto os três, excelentes musicais, mas não conseguia optar por um para ver novamente.
Na verdade, tinha a impressão que havia comprado um daqueles DVDs há pouco tempo, mas não tinha certeza. Comprava tanta coisa que seu apartamento parecia um magazine, com coisas compradas e nunca nem tiradas do lacre.
-Oi! – exclamou alguém à sua frente. – Posso ajudar em alguma coisa? –perguntou. Jesse ergueu os olhos, encontrando à sua frente o rapaz que estava há segundos se esticando na sua frente.
-Uh... – Jesse já começaria a destrinchar um monte de grosserias se seus olhos não caíssem sobre o crachá que ele tinha pendurado no pescoço: Adam Lazzara.
Ótimo, ele era o gerente.
-Não, na verdade, é só minha indecisão sobre qual levar hoje. – respondeu, tentando encerrar a conversa. Era desconfortável ter alguém tão obviamente gay conversando com ele.
-Por que não leva os três? – perguntou sorrindo. Tinha um sorriso bonito e nada artificial como a maior parte dos atendentes de vídeo locadoras.
Talvez ele gostasse de ficar o dia todo envolto em DVDs e moleques babacas invadindo a seção para maiores de idade.
Pelo menos ele fazia isso quando era criança.
-Porque eu não tenho tempo para ver os três. – resumiu. Não iria contar que era porque trabalhava à noite e passava o dia dormindo.
-Então leve uma quarta opção. – sugeriu. – Eu posso te ajudar.
-Não, obrigado. – respondeu. O outro riu.
-Não precisa ficar tímido agora, eu vi que você estava me olhando. – disse malicioso, se aproximando ainda mais de Jesse, que rapidamente deu um pulo para trás.
Viu? Como?
-Viu como? – perguntou surpreso. Por acaso tinha olhos nas costas? E não precisava ficar nervoso, não havia sequer pensado na possibilidade de levar o rapaz para sua cama no final do seu expediente.
Não mesmo. Sério.
-Pelo reflexo do DVD. – riu ele, pegando uma caixinha e a enfiando no rosto de Jesse, fazendo com que ele percebesse perfeitamente o que faziam atrás dele.
Filho da mãe.
-Eu não estava te olhando. – disse, empurrando a caixinha de seu rosto. – Estava analisando o modo como você se veste.
-Comprei no Hot Topic. – anunciou, sorrindo ainda. – Mas então, vai ou não vai me chamar pra sair?
Jesse ouviu o barulho dos DVDs que derrubou e se abaixou para os recolher.
-Quem te disse que eu sairia com alguém que se veste como se quisesse chamar a atenção de todo mundo que tem a infelicidade de colocar o olhar sobre você? – resmungou, ainda abaixado. Percebeu a sombra do outro se abaixando na sua frente e rindo.
-Quem disse que eu não quero? – retrucou.
-Que ridículo. – disse. – Existem coisas muito mais importantes por aí do que beleza física.
-Não acho. – respondeu ele, se levantando com alguns DVDs em mãos. –Ninguém olha pra pessoa e vê seu cérebro, se é de inteligência que você está falando. Aposto que no colégio você era mais um daqueles nerds babacas que não teve seu primeiro beijo antes dos dezoito anos. E quando teve foi com a irmã do melhor amigo, que era cheia de espinhas, nojenta e foi por pura piedade.
Oi? Isso por acaso estava escrito em sua testa? Ele teria acertado tudo, tirando que a irmã do seu melhor amigo era linda, não tinha nenhuma espinha e a piedade foi da parte dela.
-Olha, me deixa em paz, eu só vim aqui alugar um filme, tá legal? Se eu estivesse procurando uma boa foda eu teria ido à outro lugar. – passou a mão no primeiro DVD que viu e se encaminhou ao caixa, pagou e entrou no carro. Quando olhou para frente, pelo vidro da locadora pôde ver a figura esguia acenando para ele. Conteve a vontade de rir e deu a ré no carro, deixando livre a vaga do Edward Norton.

Brian Lane fechou os olhos com força quando começou o solo de guitarra da banda para a qual estava fazendo mixagem. Não era o trabalho mais divertido do mundo, mas precisava daquilo se um dia quisesse chegar a ser produtor. Os dedos ágeis mexiam nos botões, para cima, para baixo, depois no computador, habilmente. Deu o play novamente e sorriu, sentindo o solo de guitarra melhorar em pelo menos 70%. Quem se importava se ao vivo seria ruim? O intuito não era vender álbuns? Estava jogado na cadeira curtindo um pouco o resultado do seu nada árduo trabalho quando os fones lhe foram literalmente arrancados do ouvido. Se virou depressa na cadeira, encarando seu chefe. Indy era pelo menos cinco anos mais velho que ele, mas parecia um adolescente tardio com o modo como se vestia, de camisa de banda e jeans surrado. O cabelo era impecavelmente espetado, quando não estava de boné, e o crachá da produtora sempre estava pendurado na cintura.
Indy Powers era quem ele precisava.
Além de dono da produtora e excelente produtor, tinha bons contatos.
Tudo que Brian precisava era que Indy se apaixonasse por ele, o subisse de cargo e o apresentasse a pessoas importantes. Brian era esperto e em pouco tempo teria seu cargo de produtor, e seria procurado por bandas grandes e boas, não os lixos que ele precisava mixar.
Tudo bem que seria mais simples se Indy fosse uma mulher, ou se ele fosse uma mulher.
Ou gay, quem sabe.
-O que é? – resmungou, fitando seu chefe. Indy soltou um suspiro, passando rápido a mão por cima dos cachos escuros do rapaz sentado na cadeira do pequeno estúdio.
-Você não está transformando as músicas de novo, está? –perguntou. Já teve problemas graves com o gosto de Brian. Ele sempre acabava transformando as coisas ruins em boas, boas demais, e isso acabava gerando um grande conflito entre banda e empresário, afinal, todo mundo gosta quando melhoram seu trabalho, mas ao vivo as coisas ficam difíceis.
-Ah, Indy! Esses caras são muito ruins! – exclamou pegando o fone. –Escuta, veja como eu melhorei o solo deles!
Indy ignorou o fone, encarando Brian.
-Brian, por favor! – riu – Nós não precisamos que você construa outra banda em cima dessa!
Brian respirou fundo, se acalmando o bastante para responder seu chefe. Não podia perder o emprego.
-Mas você nem ouviu o que eu fiz! – se fazer de vítima, sempre.
-Eu não preciso, eu te conheço bem. Eu sei da sua capacidade, e imagino que deva ter melhorado e muito o som deles, mas, Brian, o que eles vão fazer quando forem tocar ao vivo?
-Você se preocupa demais...
-Claro que eu me preocupo! Mude isso, o.k.? – pediu, apontando o computador. Brian fechou a cara e não respondeu.
Se Indy fosse uma mulher...
-Brian? – chamou Indy já na porta do estúdio, mas o rapaz não respondeu. – Brian, fala comigo.
Nada. Indy voltou a se aproximar da cadeira de Brian, que já estava de volta com os fones, mexendo na música.
-Eles são muito ruins! – exclamou, tirando os fones. – Muito, muito!
-Eu sei. Por isso que me recusei a produzir eles. – riu Indy, apoiando as mãos no encosto da cadeira de Brian.
O rapaz sentado ergueu a cabeça, até que visse Indy olhando para baixo, para ele.
-Me deixa produzir eles, Indy. – pediu. Precisava tentar de alguma forma, não é? Indy franziu a testa e riu.
-Você? Tá louco? – perguntou se afastando da cadeira. Mas do que é que Brian Lane estava falando? Ele produzir uma banda? Brian Lane como produtor?
Mas não mesmo! Indy não se arriscaria a deixar que aquele maluco fizesse um trabalho desses. Era inteligente, não tinha como negar isso, interessado em aprender, mas que experiência ele tinha? Era só um moleque brincando com músicas dentro de um estúdio, quem lhe daria créditos?
Ele não daria.
-Por que? Não confia em mim? – perguntou, se levantando.
Não.
-Não é isso! – disse se encostando em uma parede próxima à porta. Brian vinha na direção dele.
-Então o que é? – pousou uma mão ao lado da cabeça do rapaz, se aproximando dele, tendo um certo prazer em ver seu olhar confuso e... Assustado? – Você não disse que eu tenho capacidade? – perguntou, sussurrando.
-Tem...tem. – afirmou Indy, engolindo em seco. Ótimo, agora mais essa! Estava encurralado entre Brian Lane e a parede.
Estranho ele não querer sair dali, não é?
-Então! – disse Brian, se aproximando ainda mais dele, internamente surpreso por ele não ter se afastado. Pousou uma mão na cintura do rapaz, involuntariamente focando o olhar nos lábios de seu chefe.
-Eu... Não, Brian.
-Me deixa tentar! – pediu, ainda falando baixo. Passou os lábios entreabertos pela face do rapaz, parando quando chegou próximo aos seus lábios.
Indy estava segurando a respiração, tinha a impressão que se respirasse acabaria beijando Brian.
E isso definitivamente não estava em seus planos.
-Eu... eu... – tentou dizer, mas o toque dos lábios de Brian nos seus o impediu. Não foi um beijo, só o toque dos lábios.
-Por favor. – pediu com a boca sobre a de Indy, sentindo o outro tenso sob seu toque.
-Me solta. – quase implorou. Não que Brian o estivesse segurando, mas não conseguiria se mexer enquanto tivesse o corpo do seu empregado pressionado ao seu.
-Por que? – perguntou. Espera, ele era lindo! Por que diabos Indy não o queria grudado nele?
-Eu vou pensar no seu caso, não precisa usar de assédio sexual com o seu chefe hétero. – disse. De onde conseguiu tirar aquilo Indy não tinha idéia. Mas disse. E pelo jeito, surtiu efeito, pois em segundos Brian estava longe dele.
-Eu? Te assediando? Tá louco? – riu sem jeito. Indy se ajeitou, ergueu a cabeça e caminhou para a porta.
-Eu vou pensar sobre isso. Depois nós conversamos. – e saiu, batendo a porta.
Muito bom, Brian Lane. Agora seu chefe achava que ele era um homossexual louco que saía atacando todo homem que encontrava.
Brilhante idéia, não é mesmo?