# 2 - Romance

Ele bocejou, abrindo os olhos em seguida e fitando o grande jardim dos fundos da clínica, onde havia flores amarelas em todos os canteiros, e a grama era tão verde que chegava a parecer artificial. Era agradável, o ar que entrava em seus pulmões o fazia bem, mas quando olhava ao redor e via aquelas pessoas...
Não tinha pena, não era digno a ponto de sentir pena dos loucos da clínica, mas era compaixão. Quantas pessoas dessas poderiam estar levando uma vida normal e estavam lá, presas, com ele as medicando com doses fortes de calmantes. Soltou um suspiro, se recostando no pilar cor de gelo que dava para o corredor da sala, observando a aliança em sua mão.
Paulie...
Não via a hora de conseguir o dinheiro para o casamento, para pegar um avião e sumir de Omaha. Não queria voltar para Long Island, queria ir para a costa leste, talvez para Los Angeles. Soltou mais um longo suspiro, prendendo os olhos nos sapatos brancos que usava, ouvindo apenas os sons dos pacientes correndo pelo jardim. Não tinha tanta certeza assim que daria certo com Paulie, eram tão diferentes. Ela era tão séria, trabalhava em um banco e vivia de contas e números, desde quanto foi gasto de pó de café até quando foi gasto de ônibus, de estacionamento, quanto aquilo lucraria no banco.
Mas era ótima.
Era divertida, inteligente, e sabia fazer as melhores piadas depois de Jesse, seu melhor amigo. Fazia tempo que não falava com Jesse, e por algum motivo não se sentia inclinado a falar, quando se despediram e cada um foi para um lado se xingaram, choraram, se odiaram e desde então não se falaram mais.
-Você pensa demais. – a voz calma de Conor o acordou de seus pensamentos, encostado no pilar à sua frente. Não havia notado que ele estava por ali, sequer sabia há quanto tempo ele estava ali.
-Bom dia, Conor. – John sorriu, fazendo o outro retribuir o sorriso, abaixando a cabeça e deixando a franja longa cair pesada sobre os olhos. Vestia o mesmo suéter de sempre, o jeans velho e os tênis gastos. Estava com uma perna cruzada sobre a outra, de modo casual, uma mão no bolso e a outra delicadamente colocando a franja para trás da orelha.
-Estava pensando... – fez uma longa pausa fitando os outros pacientes, não falava muito com nenhum. -... na Paulie.
O jovem se interessava pela sua vida pessoal de modo absurdo, nos meses que esteve cuidando dele contou mais sobre si mesmo do que Conor sobre ele. Isso era péssimo para um psiquiatra, era como se perdesse o controle da situação, e isso não podia acontecer.
Conor tinha distúrbios!
Poderia ser perigoso para Paulie.
Se bem que John não conseguiu identificar nenhuma atividade violenta vinda do rapaz. Na verdade, não entendia por que ele estava ali se conseguia viver tão bem em sociedade. Ele conversava bem, entendia as pessoas, e escrevia música!
Fazia composições ótimas.
-Estava. – respondeu sorrindo, mesmo que não fosse uma pergunta. Conor ergueu os grandes olhos castanhos o encarando. Vagarosamente, se desencostou de onde estava, indo até John em movimentos lentos e parou a centímetros dele.
-Gosto quando você sorri. – admitiu. – Me deixa feliz.
John não conseguiu evitar mais um sorriso e desviou os olhos dele, abaixando a cabeça. Conor tinha o poder de fazer com que ele se sentisse envergonhado, estava corando!
-Eu gosto quando você fica feliz. – respondeu, erguendo os olhos para ele, ainda com a cabeça inclinada.
Uma fresta de luz do sol batia no cabelo escuro de Conor, formando quase uma auréola com o contraste do calo da luz, dando a ele um ar angelical que John sabia que ele não tinha. Podia se parecer uma criança, mas não um anjo.
-Gosta da Paulie? – perguntou.
Outra vez.
Nas últimas semanas John havia perdido a conta de quantas vezes Conor havia o perguntado isso, e quantas vezes respondeu seguro um “sim, muito”. Mas hoje havia algo no olhar do garoto, algo que não estava ali antes, um misto de mágoa e expectativa...
-Eu... acho que sim. – respondeu dessa vez. Não conseguiu dar a resposta certa. Conor continuou superficialmente inexpressivo, e, dando alguns passos sumiu pelo corredor da clínica.
John não sabia explicar o que Conor tinha que o deixava tão inseguro e confuso... Não conseguia sequer pensar em Paulie quando estava com ele.
Paulie...
Girou a aliança de noivado no dedo se perguntando se queria mesmo se casar com ela.
Já era tarde da noite quando John terminou os relatórios sobre seus pacientes, os organizava toda noite em uma pasta branca com o logo da Clínica em verde, os separando por data, hora, etc. Era meio paranóico quanto a organização.
-John? – uma voz calma chamou da porta, fazendo John pular em sua cadeira. Não importava o quanto pedisse, Conor sempre o chamaria pelo nome. Respirou fundo e o fitou entrar no consultório, estava tão compenetrado que sequer ouviu a porta.
-Algum problema, Conor? – perguntou preocupado: não era normal que o procurassem depois do horário.
-Eu sou louco, John? – perguntou.
Demasiadamente louco.
-Não. – respondeu, com calma. Conor se aproximou dele, o encarando com os seus grandes olhos castanhos adornados com olheiras, dando a volta na mesa clara, o encarando.
-Você gosta de mim, John? – perguntou. John franziu a testa, tentando entender onde Conor queria chegar.
-Sim, gosto. – respondeu. Era verdade, gostava.
Muito.
-Eu gosto de você, John. – Conor disse parando ao lado de sua mesa. John girou a grande e confortável cadeira de couro em que se sentava, ficando de frente pro rapaz.
-Que bom. – sorriu. Conor continuou sério, mas se aproximou mais, se jogando no colo de John, uma perna de cada lado do seu corpo.
-Eu falo sério... – disse, com o rosto perto demais. Uma das mãos nada delicadas puxou os óculos do psiquiatra, os pousando na mesa.
-Conor...- começou John, sendo silenciado por um par de lábios sobre os seus. Fechou os olhos, permitindo que seu paciente movesse os lábios sobre os seus, aninhando os dedos em seu cabelo...

-Leva! – exclamou, empurrando o DVD por cima do balcão. O cliente respirou fundo, fechando as pálpebras sobre os olhos azuis, os abrindo em seguida e o encarando.
-Não quero levar esse. – disse pelo que parecia ser a décima vez em trinta segundos. Sabia que não era uma boa idéia voltar àquela Blockbuster, mas por algum motivo sempre acabava voltando. Mesmo que aquele gerente idiota o perseguisse.
-Mas ganhou Oscar! – exclamou, empurrando para ele a caixinha de Brokeback Mountain outra vez.
-Se eu quiser ver dois homens se agarrando, eu instalo o canal de conteúdo erótico da TV a cabo. Obrigado! – respondeu, empurrando a caixinha de volta para Adam, que agora ria.
Legal, agora era a diversão do infeliz.
-Você só aluga esses filmes inteligentes e cheios de conteúdo que você precisa ficar pensando e pensando... Você não sabe se divertir. – disse, pegando para si o DVD.
-Eu me divirto bastante pensando em coisas úteis e não em qual calça quatro números menor eu vou comprar dessa vez. – soltou, se afastando na direção da prateleira de filmes com um sorriso nos lábios. Sabia que o gerente medíocre o seguiria.
-São dois números menor! – exclamou do balcão, largando tudo ali mesmo, seguindo o metidinho pela locadora. – Não imaginei que reparasse tanto. – revidou.
Jesse deu um giro rápido, o encarando com frieza, um pouco corado, é claro, mas ainda assim frio o bastante.
-Você anda pra cima e pra baixo se mostrando pra todo mundo, qualquer um repararia. Você é barulhento, escandaloso, chato!
Adam franziu a testa, ainda sorrindo.
-Quando vai me chamar pra sair? – perguntou. Jesse continuou lendo o verso de uma caixinha de DVD, quieto. – Hein? – insistiu.
-Tá livre hoje? – Jesse perguntou, sem o olhar.
Mas é claro que estava.
Sorriu malicioso.
O filme que viram no cinema era mais um daqueles filmes cult que Jesse alugava todos finais de semana, mais um roteiro sem sentido com pessoas falando um inglês carregado de sotaque.
Pelo menos não era chato, mas era bobo.
E pelo menos tinha gays e lésbicas no meio, só mais um filme romântico com vários casais tendo as histórias cruzadas por um evento ‘x’. Isso já havia sido feito em ”Love Actually”, as diferenças eram que ”Love Actually” não tinha gays e lésbicas, e não era irlandês.
Mas a essência era a mesma, oras.
-Qual é mesmo o nome do filme? – perguntou Adam, aproximando os lábios do ouvido do rapaz ao seu lado, que parecia compenetrado no que era exibido na tela.
Ninguém ia ao cinema em encontro pra prestar atenção no filme!
-Se chama ”Se Não Calar A Boca Eu Te Soco.” - respondeu Jesse, sem o olhar.
-Sério! – exclamou Adam, agora indignado. Não se lembrava mesmo do nome...
-”The Goldfish Memory.” - Respondeu.
Ah. É. O nome era idiota também.
Deitou a cabeça no ombro de Jesse, talvez assim o outro percebesse que não estava exatamente interessado no filme.
-Desencosta. – ordenou Jesse. Adam riu.
-Não. Nós não estamos aqui pra ver o filme, mesmo porque você disse que já viu. – Adam pode ver os cantos dos lábios de Jesse se erguendo em um mínimo sorriso desdenhoso.
-Está tão ansioso assim pra colocar suas patas em cima de mim, Lazzara? – murmurou.
-Adam. Me chama de Adam. – pediu, erguendo o rosto e o olhando. Jesse o encarou com o dito sorriso ainda...
-Você é um chato. – resmungou Jesse, virando o rosto para o olhar. Adam sabia que estava o incomodando, e sabia que ele gostava de ser incomodado por ele.
-Você é um grosso, nada romântico. – sorriu. Jesse riu e voltou a ver o filme.
É, pelo jeito ele era mais difícil do que Adam julgou.
Adam já havia perdido as esperanças de uma boa noite de sexo com o rapaz quando ele parou o carro em frente ao seu prédio depois do filme e do jantar no restaurante vegetariano mais caro da cidade.
-Boa noite, sai do carro. – ordenou Jesse sem o olhar.
-É assim? Não vai entrar e me foder no sofá? Ou na escada de emergência? Ou no elevador? – perguntou, realmente indignado.
A força que Jesse usou para empurrar Adam pra cama king size de seu apartamento era um tanto quanto desproporcional ao seu tamanho. Adam já estava livre de seu cinto, e Jesse estava com a camisa totalmente aberta, o corpo sobre o de Adam, o beijando intensamente empurrando sua camiseta por cima de seu tronco, tentando se livrar dela tão rápido quanto se livrou do cinto do rapaz.
Já sua calça justa... Bom, Jesse daria um jeito de a descolar do corpo do mais novo.

-Indy! – exclamou Brian, correndo atrás do rapaz pelo corredor estreito da produtora. Desde o incidente do beijo – e amassos, e mãos – de meses atrás o rapaz não falava direito com ele, só o necessário. Talvez porque Brian realmente não conseguiu manter mais as mãos – e boca, e quadril – longe dele depois que fez isso pela primeira vez – na verdade pegou gosto por agarrar Indy na segunda vez que tentou – e desde então estava sendo evitado. O problema de Brian era que agora não se tratava mais de um jogo de interesses onde ele queria um emprego de produtor, não. Agora a situação era mais complicada: queria poder agarrar Indy no cantinho escuro do estúdio de novo – e de novo, e de novo, e de novo, e de novo...
Não era muito diferente de agarrar uma mulher sem peitos e com volume nas calças.
Tá, mulheres tinham peitos e não tinham volumes nas calças, mas Brian gostava delas mesmo assim.
E gostava de Indy. Que saco!
-Indy! – exclamou novamente, tentando andar tão rápido quanto ele.
-Brian, me deixa! – exclamou, se virando para ele, repentinamente, fazendo Brian se assustar um pouco.
-Precisamos conversar. – disse. Indy soltou um longo suspiro, encarando o rapaz. Será que Brian não percebia que ele não queria conversar? Que gostava de seu silêncio e de ficar pensando nas coisas que sentia, e que conversas não eram algo que ele gostava?
-Sobre? – perguntou Indy. Com sorte seria sobre o emprego de produtor.
-Nós. – respondeu Brian.
É, Indy não costumava ter sorte.
-Que “nós”? Não existe um “nós”, Brian. – disse com calma. Se bem que gostaria que existisse algo entre eles.
Brian sorriu, já era um progresso ter Indy o questionando.
-Sabe, eu estava tentando te usar pra conseguir uma vaga de produtor, você deve ter sacado. A grande surpresa é que, Indy, eu gosto de você. Não quero mais a vaga, mas quero pode voltar a falar com você normalmente, voltar a te beijar e... - Indy o olhava boquiaberto. Havia sido usado? Era isso que Brian estava dizendo? -...Indy?
-Você não vale nada, Brian Lane. – exclamou, girando nos calcanhares, retomando seu caminho.
-Indy! Indy! – chamou Brian correndo, passou por ele e parou à sua frente. –Desculpa. Eu não te usei, eu nunca faria isso, entenda!
-Certo. – resmungou Indy sem o olhar.
-Por favor, me perdoa. – pediu Brian circulando sua cintura com os braços. Indy sorriu fraco, não conseguia resistir. Desde que começou a evitar Brian sabia que não iria agüentar muito tempo.
-Idiota. – murmurou.
-Tapado. – revidou Brian, colando os lábios sobre os dele.
Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.