Se alguém contasse a Regina que ela terminaria seu sábado e começaria o domingo em um bar de decoração em tom de verde bebendo um uísque de quinta categoria com gelo e tragando um cigarro atrás do outro com sua irmã desaparecida do outro lado do balcão ela mandaria interditar essa pessoa porque ela não estaria gozando de todas as suas faculdades mentais.

Regina queria muito que alguém fosse louco o suficiente para dizer a ela que aquilo tudo ali que ela estava vivenciando não passava de um mero sonho. Mas o destino é um fanfarrão que parece gostar do sofrimento alheio e ninguém viria fazer essa façanha.

Ora, esse estava longe de ser um final de semana comum e de fato, num ranking em que ocuparia o primeiro lugar em disparada, esse fora o mais louco de sua vida. Mills estava sentada em uma banqueta e apoiada no balcão. O cigarro sambava em seu dedo enquanto ela soprava mais uma leva de fumaça no ar.

A luz verde e baixa dava um ar mais melancólico a tudo. Sério mesmo que a luz era verde? Zelena nunca fora mesmo a rainha do bom gosto. Ela podia ver os clientes confusos espremendo a cara no vidro provavelmente se perguntando por que o refúgio deles estava fechado. Hoje esse lugar era o refúgio de Regina. Não era o melhor deles, mas nas atuais circunstâncias, ela não estava podendo escolher.

As duas irmãs não haviam trocado nenhuma palavra se quer desde que Regina aceitara acompanhar a ruiva até seu bar, ela em seu carro e a ruiva inconsequente carregando a criança em uma moto a toda velocidade. A morena não saberia dizer o que poderia vir dessa interação e estava grata pela outra permanecer em silêncio. Mas ela sabia que não duraria muito tempo. Zelena ou Rebeca, ou seja lá qual for o nome dela agora dava todos os sinais de que pretendia falar, mas não sabia como. Era uma questão de tempo, e foi um curto demais para a outra.

—Foi um dia e tanto não foi? – Perguntou para puxar assunto sem olhar para a morena. Regina deu mais uma tragada no cigarro disposta a não abrir a boca. – Quem poderia imaginar que Neal era o estuprador de Emma. Nossa. Quer dizer, conhecendo o babaca não me espanta. Seu pai então... Mas é que esse mundo é pequeno demais. – A ruiva continuou ao passo que a outra se mantinha completamente inerte em seu banco.

Bex suspirou pesadamente diante da inanição da irmã. Ela já esperava a reação de Regina, mas pensou que a menina, porque a morena sempre seria sua menininha, lhe daria ao menos o benefício da dúvida. Mas o estrago de seus atos tinha sido muito maior do que imaginara. Encheu um copo com uma bebida qualquer e sentou no chão de seu bar e permaneceu ali por um tempo que nenhuma das duas seria capaz de identificar. Cada qual imersa em seus pensamentos. O sol começou já ameaçava a despertar quando a ruiva resolveu quebrar o silencio mais uma vez.

—Você sabe que uma hora você vai ter que falar comigo não sabe? - Bex esperou agonizando por uma resposta que não veio por parte da morena. Moveu seu olhar para cima a tempo de ver Regina se levantando e indo para a saída. O uísque totalmente diluído e esquecido em cima do balcão. Respirou fundo antes dizer mais uma coisa. Antes de jogar mais uma bomba no colo da irmã. – Eu não sou filha do Henry. – a frase saiu alta, rápida, em um fôlego só e foi suficiente para fazer a outra parar. – Eu sei que me odeia. Eu sei que eu não cumpri minha promessa. Mas eu não sou o monstro que pensa que sou ou que Cora pintou para você. Me de a chance de explicar.

Regina titubeou por meros segundos. Sentia seu mundo se desfalecendo ao seu redor e ela não tinha aonde apoiar. Por um momento pensou em ficar, mas quando viu experimentava o vento gelado da madrugada de NY e escutava a porta pesada do bar atrás de si fechar.

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Não muito longe dali, algumas horas depois, um trio confabulava no escritório de uma mansão de gosto duvidoso. Os moveis pesados e exuberantes dispostos em lugares errôneos mostravam que o ambiente era de fato rico, mas de muita pouca classe.

—Só pode ser algum tipo de carma. – a mulher disse com raiva – com tanta mulher da vida você foi estuprar essa garota?

—Não diga assim. – Ralhou o velho – Parece ate que o garoto cometeu um crime porque quis transar com a garota.

—Com uma garota que não queria transar com ele Gold. – A mulher disse exasperada se levando do acolchoado vermelho – Ele pode ser seu filho e meu futuro genro, mas ainda se chama estupro homem. Com muita frescura, mas ainda é. Tinha que ser justo com Emma Swan? – Praguejou.

—Qual o seu problema com essa garota Cora? Você está fazendo muito caso por quem ela é e não com o real problema, ela reconheceu o meu filho. E me reconheceu. – Gold disse também se levantando.

—Ela só quer dinheiro. – Neal se manifestou pela primeira vez. - É só oferecer dinheiro pra ela e tá tudo certo.

—Não. Ela não vai querer dinheiro. – Cora descartou a opção do genro. Inteligência realmente não era o forte do rapaz. – Nós temos que destruir essa garota. Estar a um passo a frente dela.

—E como pretende fazer isso? – Perguntou o velho – Matando ela? – Ele riu sarcasticamente, mas algo no olhar da mulher fez essa risada corar no meio.

—Sei de algo que seria muito pior que a morte pra ela. – parou um segundo deixando um sorriso tomar seus lábios. – Neal vai entrar com uma ação de reconhecimento de paternidade e pedido de guarda.

—Eu vou ter que ficar com uma criança? – Ele perguntou abismado. Essa era a última possibilidade que ele havia pensado, ele se quer tinha pensado nisso. Até a morte da garota era mais plausível para ele.

—O que vai fazer com o bastardo é problema seu. De preferência mantenha ele longe de Regina. Mas isso com certeza destruirá Emma Swan. – o silencio dominou o ambiente – Agora temos que tratar dos detalhes do casamento. Ele precisa acontecer o mais rápido possível.

—Você acha que Regina vai querer se casar com ele depois de hoje? – Gold disse o obvio.

—Regina faz o que eu mando. – Disse com uma convicção que não convenceu os outros dois. - E se ela não fizer, sei de alguém que a convencerá. – Ninguém contestou porque a única pessoa que contestava Cora Mills não estava ali.

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Não era o som que era estranho para ela, ela o conhecia perfeitamente. Aquele beep constante e irritante que adentrava os ouvidos a enlouquecendo pouco a pouco. Tampouco era o cheiro, ela também o conhecia. Aquele aroma de esterilidade, produtos de limpeza misturado a álcool e medicamentos já era rotina em sua vida. O frio não a incomodava tanto. Então por que aquela sensação tão ruim? Por que seu estomago revirava tanto?

Seus olhos se recusavam a abrir e ela fazia um esforço descomunal para tanto. Seus braços eram como chumbo. Levou um tempo considerável para que suas pálpebras a obedecessem e a luz clara lhe atingiu com força total, mas ela não fechou os olhos novamente. Apesar do incômodo imediato foi tentando se acostumar até notar o porquê tudo lhe era estranho, mas ao mesmo tempo familiar.

Swan continuava no hospital, entretanto, dessa vez, era ela a paciente. Tentou espantar a confusão momentânea com um manear de cabeça, mas seus movimentos estavam muito mais lentos. Aos poucos a realidade foi voltando e ela descobriu que o melhor era continuar sem entender.

—Ela está acordando. – ouviu a voz Belle sussurrada e percebeu quando as outras amigas ficaram em volta de sua cama. Recusou-se a olhar para elas. As imagens das últimas horas passando por sua cabeça.

Henry no leito do hospital. Regina. Céus, mais uma vez essa mulher estava dominando os pensamentos da loira. Regina e sua mãe conversando. O que estava acontecendo? E aquele homem. O homem que a estuprou. Que roubou seus sonhos mais doces. E ele era noivo da única mulher que amou verdadeiramente. Amou? Quem Swan queria enganar? Ela sempre amaria Regina. Provavelmente pela eternidade e mais um dia. Seu coração apertou em seu peito a ponto de sufocá-la.

As amigas da loira não sabiam como reagir diante da apatia da mulher. Olhavam-se perguntando silenciosamente o que fariam quando Emma soltou um suspiro forte e deixou o choro lavar sua face em grandes soluços recebendo um abraço coletivo de todas as outras. Nada precisava ser dito. Elas se entendiam, se apoiavam e se amavam. Por isso Mary e David ficaram tranquilos ao deixar a filha. Ela estava em boas mãos. E iria se sentir muito mais confortável com suas amigas e confidentes.

Os soluços continuaram por um tempo incerto e Swan deixou-se derramar.

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Como ela chegara à mansão que foi seu lar por toda infância seria um eterno mistério. Ela não se lembrava de ter entrado no carro, ligado o motor ou ter dirigido pelas ruas que nunca estão vazias de Nova York. Mas ela tinha chegado. O portão tinha sido aberto no momento que seu carro apontara na estradinha de acesso. Isso ela tinha consciência. Um dos seus sonhos mais secretos era ter um controle do portão da própria casa que pudesse de dentro do seu carro acioná-lo sem que ninguém fizesse isso por ela.

Enquanto estava deitada na sua cama olhando o teto do seu antigo quarto ela tentava refazer seus passos até chegar ali na inútil tentativa de deixar pra lá todas as informações das últimas horas. Sua cabeça fervilhava e ela romperia num choro desenfreado a qualquer momento. E rompeu. Regina chorou até que todas as suas forças fossem drenadas dentro de si.

Chorou por Henry enquanto não sabia se seria compatível com a criança e em como acharia um doador para ele. Chorou por Emma e por tudo que acontecera e vinha acontecendo. Chorou pela história das duas. Chorou por Zelena a irmã que tanto amava e que lhe jogara mais uma bomba em seu colo. Chorou pela confusão que sua vida havia tornado. As lágrimas encharcavam a colcha de fios indianos enquanto a morena embolada em uma posição fetal deixava derramar o mar de aflições que sufocava seu peito. Chorou até não conseguir mais chorar.

Então entrou no chuveiro e começou esfregar seu corpo como se lavando o externo pudesse também lavar sua própria alma. Ao voltar ao quarto abriu seu closet e lá do fundo puxou a camisa com a qual dormira tantas vezes. Cinza, enorme e com um Mickey completamente desbotado. Regina se enfiou dentro dela e sentiu a familiaridade do tecido contrastando com sua pele e se acalmou um pouco.

De dentro de uma caixa com tranca no alto de um dos muitos armários a morena retirou o exemplar de Harry Potter já gasto e de dentro dele sua foto com Emma e a carta que sabia de cor e salteado. Levou tudo para a cama e deitou-se novamente buscando forças para encarar sua situação.

Queria levantar e procurar os registros de sua irmã. Queria descobrir se o que ela dissera era verdade, mas ela sabia que era. Zelena era muitas coisas, mas ela nunca foi uma pessoa mentirosa. Ela amava Henry até mais que Regina, ela não brincaria com uma coisa dessas. Não brincaria com a memória dele.

Ela queria muitas coisas, mas Regina não tinha forças. Permaneceu ali encarando o teto por um tempo que lhe pareceu eterno e ouviu ao longe a voz da governanta, que sempre havia cuidado dela, a chamando e dando batidas suaves na porta, mas poderia ter sido um sonho porque a mulher já havia sido dragada para o mundo do inconsciente.

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Narrado por Regina

Eu não sei dizer por quanto tempo havia dormido. Mais precisamente morrido na cama. Talvez tenha sido o efeito do uísque ruim. Quem eu queria enganar? Eu estava um trapo. Meu corpo e minha mente estavam exaustos e simplesmente desligaram do mundo por várias horas de um sono merecido.

Estiquei todos os meus membros em um exercício ainda deitada tentando eliminar qualquer tensão que possa ter ficado nos músculos. Depois de repetir os movimentos umas três vezes levantei e deparei com minha imagem no espelho. Os cabelos cheios e rebeldes estavam completamente desgrenhados. Meu rosto sem nenhuma maquiagem e com as marcas do sono dos reis. Aquela camisa que mesmo depois de tantos anos ainda ficava enorme em mim, mas mal tampava minha calcinha. Sorri para mim mesma satisfeita e me abracei tentando trazer todas as memórias boas que aquela blusa velha trazia.

Olhei para o espelho e a Regina de dezesseis anos olhou para mim de volta. Aquela Regina que fugiu de casa e foi viver seu sonho. E ela não parecia satisfeita com a atual Regina, mas ainda assim ela sorriu para mim, ela ainda estava comigo. Assenti para ela em determinação.

Eu tinha muita coisa a fazer e outras tantas a mais para descobrir e não sossegaria até conseguir. Tomei um banho e saí para o jardim, o dia ainda estava raiando. Há anos eu não ia onde estava indo. Há anos não apreciava a macieira no lado leste que trazia consigo o balanço que papai costumava passar horas nos empurrando.

Olhei ressabiada para o brinquedo, será que ainda aguentava meu peso? Lentamente coloquei a mão nas cordas que sustentavam sujas pela ação do tempo e desci meu corpo até o apoio de madeira me sentando. Permaneci imóvel por alguns minutos antes de começar a forçar meu peso testando a resistência. Ele não caiu. Ótimo.

Perdi-me em pensamentos balançando para frente e para trás lentamente lembrando quando meu pai desafiava as leis da física nos empurrando sempre mais alto sob todos sob protestos de minha mãe e sob todos os meus gritos pedindo para ser mais forte e mais alto. Sorria com as lembranças e pegava impulso sempre balançando mais e mais alto.

Se eu soubesse que a sensação de balançar era tão libertadora teria feito mais vezes durante esses anos. O vento salpicando meu rosto e bagunçando os meus cabelos. A sensação de plenitude preenchendo meu peito e minha alma. Gargalhei. Gargalhei como a muito tempo não fazia.

O sol já estava no alto do céu e eu continuava a balançar renovando minhas forças para enfrentar o que viesse daqui pra frente. Tinha muito trabalho a fazer e estava na hora de ir. Joguei todo meu corpo pra trás fechando os olhos e deixei meus braços esticarem como se estivesse caindo. Plena. Por fim abri meus olhos para encarar o céu. A brisa da manhã soprava as folhas da grande macieira. Aos poucos o balanço foi parando e eu continuava olhando para cima.

Já me preparava para sair do brinquedo quando algo chamou minha atenção no alto da arvore. Podia não ser nada e por um segundo eu o perdi e no desespero de não encontrar de novo achei que tinha visto coisas. De pé olhando o farfalhar das folhas eu vi novamente aquele objeto fino e colorido emaranhado precariamente ali.

Senti minhas pernas fraquejarem e o ar sumir de meus pulmões. Eu nunca havia subido em uma árvore e jamais conseguiria subir ali. Olhei ao redor e não vi ninguém. Corri pelo jardim a procura de alguém e agarrei o primeiro que vi na frente e para o azar dele foi meu motorista.

Narrado pela Autora

—Tudo bem Dona Regina? A senhorita está pálida quer que eu chame um médico? – O homem dizia sem parar visivelmente preocupado.

—Só preciso que venha comigo. – Disse dispensando o que ele dizia com gestos frenéticos da mão e já andando em direção a macieira. – Você não vem? – Ela olhou pra trás perguntando ao ver que o homem continuava no mesmo lugar. Sem outra alternativa o motorista seguiu a patroa para onde ela ia. Em todos os seus anos de casa ele já tinha visto a mulher triste, possessa, apática, revoltada, mas nunca a vira desse jeito. – Preciso que suba lá e retire aquela coisa de lá. – disse apontando para os galhos enquanto o homem chegava mais perto.

—O que a senhorita está vendo ali?

—Lá. – disse Regina – aquela cordinha.

O homem olhou da patroa para o alto da árvore. Era uma simples cordinha. Regina poderia comprar milhares iguais ou muito mais bonitas que aquela.

—Ande homem. Eu quero aquela cordinha. – O tom de desespero na voz da morena não deixava dúvidas que era aquela ali que ela queria. O homem retirou o terno e dobrou a manga da camisa e começou a subir na árvore. Não demorou muito para achar o objeto agarrado em uns galhos finos. – Puxe com cuidado por favor. – o homem parou o que estava fazendo e olhou para baixo abismado. Regina não era mulher de pedir, por favor. Ele retirou o que considerou ser uma pulseira, ou ao menos já tinha sido, com todo o cuidado e desceu da árvore entregando para uma mulher completamente afoita que mal ouviu quando ele disse que iria se trocar antes de levar Regina para a empresa.

A mulher correra até a casa. Seus pulmões não conseguiam oxigenar seu cérebro. Ela sabia o que era aquela corda em sua mão. Grossa pela poeira dos anos. Ela sabia o que era aquele pingente quebrado e sabia que era feito de escamas de peixe. Regina chegou ao seu quarto entrando furiosamente em seu closet pegando a caixa com tranca e jogando todo seu conteúdo na cama. Ela sabia o que era aquilo em sua mão. E sabia, porque a cópia dela estava bem ali, inteira ainda, em cima da colcha.

Aquela pulseira, suja, deteriorada, era a pulseira de Emma. Mas o que a pulseira de Emma fazia no alto de uma árvore em sua casa?