Capítulo 15

Watson foi desperto de seu sono por Mary. A senhora Watson estava pálida, como se tivesse acabado de ouvir notícias sobre a morte de um parente muito querido. Segundo ela, acabara de receber uma mensagem da senhora Hudson, dizendo que o senhor Holmes havia saído para a Biblioteca e que esperava o doutor imediatamente – acrescentando, é claro, que o pomposo detetive estava pálido quando saiu.

A palidez de Holmes, todavia, não se comparava a da senhora Watson quando lhe passou a mensagem. Mary parecia adivinhar que tudo aquilo possuía algum tipo de relação macabra com a situação de sua amiga e o seu pânico fez com que John saísse rapidamente da Queen Square para a Euston Road. Encontrou Holmes sentado numa das mesas com um pequeno livro de capa preta com o nome de E.A.Poe em letras douradas.

─ O que está havendo? – perguntou o médico, sussurrando, ao se sentar.

Holmes continuou a analisar as páginas. Tinha o exemplar da biblioteca de um lado e o de Anne do outro, comparava-os. Por fim, fechou o que pertencia à biblioteca num estalo e saiu caminhando para longe da mesa, sendo seguido por seu amigo. Ficaram em silêncio até que John não mais pôde suportar e puxou-o pelo braço.

─ O que descobriu? – indagou com insistência, pois somente uma pista poderia deixar seu amigo naquele estado.

─ Precisamos salvá-la esta noite, Watson. – Holmes respondeu, quase tropeçando nas palavras. – Assim que estivermos com o espião, faremos com que ele nos leve até ela e então você e Lestrade a tirarão de lá.

─ Mas e você, Holmes? – inquiriu Watson, visivelmente confuso. – Pensei que gostaria de tomar a linha de frente...

─ Estarei me resolvendo com o professor, enquanto isso você e Lestrade precisarão ser rápidos. A ajuda de Toby será mais vital do que pensei à princípio... também preciso avisar Lestrade para que leve... Ah, venha, Watson...

─ Holmes, pelo amor de Deus, você está aflito demais! Ainda não me disse o que descobriu na biblioteca...

─ O livro, Watson! O final da história! – exclamava o pomposo detetive, erguendo os braços como se tudo fosse muito óbvio. John, contudo, continuava a arquear as sobrancelhas sem entender. – Anne o estava relendo antes de viajarmos, ele estava sobre a mesa de centro da sala no apartamento quando saí para falar com Mycroft no dia em que ela foi sequestrada! Meu Deus, como não percebi? E então Moriarty o devolve para mim depois de quase dois dias com ele... Mas, quando nos falamos a primeira vez naquele jantar, já tinha decidido qual seria o seu grande finale. Por certo, já havia folheado o livro a procura dele e encontrou! No conto favorito de Anne!

Watson continuou a seguir Holmes pela rua, enquanto o detetive fazia suas explicações. No entanto, o detetive parecia não estar querendo dividir todas as informações com o amigo daquela vez. Murmurava consigo mesmo, como se não fizesse questão que John compreendesse com que tipo de problema estavam lidando. Pegaram um cabriolé de volta para Baker Street e Holmes insistiu que o cocheiro esperasse. Subiu em disparada para o apartamento, alcançando uma arma para ele e Watson. Em seguida, escreveu uma nota para a senhora Hudson e saiu, sem ainda trocar nenhuma palavra direta com o doutor.

O sol ia se pondo à medida que alcançavam o distrito de Lambeth. Algumas nuvens se acumulavam no céu, fazendo com que o rosto de Sherlock se contorcesse em sinal de aflição.

─ Não vai mesmo me dizer o que há? – indagou John, impaciente. Holmes não se mexeu, ainda mirando o céu, como se ordenasse as nuvens para que se dissipassem. – O que acontece no final daquele conto? – insistiu. E quando seu amigo o encarou, ele pode vislumbrar seus olhos vermelhos... Sherlock Holmes continha-se para não...

─ A esposa do protagonista é encontrada pela polícia enterrada atrás de uma parede... havia sido enterrada viva. – respondeu secamente.

John não se atreveu a perguntar mais nada, reprimindo ele mesmo um grito de terror. Moriarty não ousaria... Não com uma mulher nas condições de Anne... Por Deus... ela estava grávida. Contudo, a expressão aflita constante no rosto do pomposo detetive afirmava que o médico superestimava a moralidade do professor. Chegando ao distrito, disseram ao cocheiro que seguisse para Pinchin Lane. Holmes ainda insistiu com o homem para que esperasse por ele na quadra de cima, afirmando que o pagaria qualquer valor.

Sem esperar para ouvir qualquer negativa, porém, o detetive saiu para se posicionar a espera do espião da Scotland Yard. De forma que ficou a cargo de Watson barganhar com o cocheiro, antes de ir se juntar ao outro. A noite ia caindo, as nuvens continuavam a pesar no céu, para desespero de ambos, pois se chovesse, seria muito mais difícil para Toby conseguir seguir o rastro da senhora Holmes sob a terra molhada. Ao longe, ouviu-se as oito badaladas do big bem e logo em seguida, passos na direção da casa do senhor Sherman. Sherlock alcançou a arma dentro do bolso do paletó, saindo de trás de uma grande pilha de caixotes.

Matthew Thompson estava parado à porta da casa do senhor Sherman, iluminado pela luz fraca de uma lamparina, tentando um arrombamento. Sorrateiro, Sherlock conseguiu surpreendê-lo por trás, pressionando a arma contra sua cabeça.

─ Boa noite, senhor Thompson. – disse. – Confesso que também não gostaria de trabalhar para Lestrade, mas, nem por isso me aliaria a Moriarty. Agora, como uma forma de diminuir sua pena, vai me levar até onde ele a mantém!

─ Sinto muito, senhor Holmes. O senhor não é nenhuma ameaça se comparado a ele. – desdenhou o policial, puxando também uma arma, virando-se para aponta-la para o detetive.

─ Eu não tentaria nada, se fosse você. – disse Watson, surgindo atrás de Thompson, pressionando a sua arma contra as costas dele.

─ Ainda assim... – falou o falso policial, virando-se para correr, impedido por um tiro na perna dado por Holmes. – Enlouqueceu?!

─ Não é o interesse de um cliente que estou defendendo aqui, Thompson. É a vida da minha mulher e, caso ainda esteja com dúvidas, eu não estabeleço limites para defendê-la. Agora, vai me levar até ela. Watson, ajude-o até o cabriolé enquanto eu pego Tobby. – disse Holmes, ainda apontando a arma para o rosto de Thompson.

─ Sim, Holmes. – concordou o médico, ajudando o espião a se levantar, guiando-o para fora dali em direção à quadra superior, onde o cabriolé os aguardava.

Sherlock aguardou um pouco antes de bater, sendo atendido por um senhor Sherman ainda meio dormente.

─ Boa noite, senhor Sherman. Desculpe-me por acordá-lo, mas preciso do Tobby. – disse Holmes, com urgência na voz. Minutos depois, estava de posse do cão e sentando-o ao lado do falso policial.

O cabriolé seguiu a direção da Scotland Yard, onde Lestrade esperava por Holmes com uma viatura policial recheada com homens seus e também uma maca colocada ali a pedido de Holmes em seu bilhete deixado à senhora Hudson, que dizia que ela deveria alertar Lestrade sobre sua vinda.

─ Thompson? – admirou-se o inspetor, avistando-o pela janela do cabriolé.

─ Boa noite, inspetor. – desdenhou ele.

─ Senhor Holmes, o que significa...?

─ O senhor Thompson provou-se ser um grande amigo do homem que vamos caçar esta noite, Lestrade, e como uma forma de diminuir seus pecados, gentilmente concordou em nos guiar até o lugar onde Anne está. – explicou o detetive, num misto de ironia e impaciência.

─ Gentilmente. – repetiu Lestrade, ao analisar o sangue na perna de Thompson, abrindo a porta do cabriolé. – Muito bem, e o cão...?

─ Lestrade, adoraria lhe dar os detalhes sobre como a minha mente está trabalhando no momento, mas, no momento, estou mais interessado em reaver minha esposa. Permite? – interrompeu Sherlock, ainda tentando manter o tom de voz brando, entrando no cabriolé. Lestrade balbuciou um pedido de desculpas e entrou na viatura, seguindo a condução do detetive.

Seguiram pelo leste, passando por Whitechapel até a saída da cidade. As casas começaram a aparecer e Holmes mantinha seus olhos vidrados em Thompson que as observava em busca da certa. Rodaram sem parar noite adentro, até que finalmente a acharam. Todas as janelas estavam escuras, à exceção da que provavelmente pertencia a sala de jantar, pensou Sherlock.

─ Quantos cães de guarda? – perguntou a Thompson, enquanto Lestrade descia da viatura com dois de seus policiais em seu encalço.

─ Dois. – respondeu o espião, sentindo a perna latejar.

─ Muito bem. – murmurou Holmes.

─ Qual o seu plano, senhor Holmes? – indagou Lestrade, mirando o detetive da janela do cabriolé.

Dois homens. Anne já estará enterrada em algum lugar da propriedade a essa altura. Moriarty o esperando na sala com aquela luz, o que significa uma possível luta injusta no escuro com os cães de guarda. Rapidamente, Holmes puxou o livro de Anne que mantivera no bolso e deu-o para Tobby cheirar, seus olhos voltaram-se para Watson enquanto isso.

─ Vá com Tobby para onde quer que ele siga. Lestrade acompanhe Watson com mais dois de seus homens. Não se esqueça das pás. – disse olhando de um para o outro. – O resto de seus homens podem esperar dentro da viatura.

─ E você, Holmes? – indagou John, preocupado.

─ Eu vou estar ocupado com o professor...

─ E quanto aos dois homens? Não pode enfrentá-los sozinho. – advertiu Watson.

─ Não posso? – Sherlock riu. – Aliás, meu caro, se vocês a liberarem antes da minha chegada, não me esperem! Vão direto para o hospital mais próximo, entenderam?

─ Hospital? O que exatamente está acontecendo com a senhora Holmes? Já achei estranho quando a senhora Hudson insistiu para que trouxéssemos pás... – falava Lestrade, sendo interrompido por um olhar censurante do detetive. – Está certo.

Watson foi o primeiro a descer, sendo puxado por Tobby que ia farejando o chão. Andou em círculos por alguns segundos na frente da casa até que tomou a direção do terreno vazio da propriedade de frente, arrastando Watson até lá e mais os dois homens do inspetor com as pás. Sherlock observou seu amigo desaparecer na escuridão, parado ao lado de Lestrade, depois dirigiu um último aceno de cabeça a esse e seguiu em direção à entrada da casa, sendo interrompido por um pigarro alto do inspetor.

─ Está escuro, acenda uma dessas quando terminar com ele. – disse pegando uma lamparina com um dos policiais sentado ao fundo da viatura. – Mantarei a minha acesa também, assim ficará mais fácil para nos encontrar.

─ Agradeço, Lestrade. – disse Holmes, com honestidade. – Mas, não retarde o procedimento por minha causa...

─ Não iremos, eu prometo. – assegurou o inspetor, com um meneio de cabeça solidário. – Ela ficará bem, senhor Holmes. – disse tentando tranquiliza-lo, seguindo o caminho por onde John havia ido.

Holmes suspirou e voltou sua atenção para a entrada da casa, deixando a lamparina no chão próximo ao portal, abrindo a porta em seguida. Empurrou-a com a mão, entrando calmamente, esperando por uma emboscada. Contudo, para sua surpresa, a casa parecia estar realmente deserta não fosse a luz proveniente da sala onde, sabia, Moriarty o aguardava. Uma armadilha? Se fosse, correria o risco ao menos uma vez. Caminhou em direção à sala...