Capítulo 10

─ Senhor Holmes, nós já lhe asseguramos que colocaremos homens para vasculhar todo o perímetro da cidade. – repetiu Lestrade pela segunda vez, prestes a perder a calma frente à insistência de Sherlock Holmes.

O detetive invadira sua sala, sem qualquer convite de sua parte, e começara a fazer as mesmas exigências do dia anterior. O inspetor não gostava de receber ordens, muito menos àquela hora da manhã. Contudo, Holmes não parecia estar disposto a aceitar qualquer protelação quanto aquele assunto. Fitava o inspetor com mais firmeza do que o usual, o que com certeza significava muito. Uma coisa eram os casos aleatórios que recebia todos os dias, outra era quando se metiam diretamente contra ele e aqueles com quem se importava. Não fossem certos ressentimentos que sentia a seu respeito, poderia afirmar que a senhora Holmes era uma mulher de sorte.

─ Eu confio que colocará seus melhores homens nisso, Lestrade. – disse Holmes, polidamente. – Entretanto, não consigo deixar de me perguntar quando o fará. Amanhã? No dia seguinte? Cada segundo é importante quando enfrentemos a mente mais perigosa de Londres, meu caro. – acrescentou com leve desdém.

─ Por mais que eu confie na sua capacidade de reconhecer um criminoso apenas pela maneira com que ele caminha, senhor Holmes, não posso deixar de observar que nada nunca foi provado contra esse tal professor. – observou Lestrade com descrença.

─ Por isso mesmo que eu também fico bastante satisfeito com a sua confiança no meu julgamento, Lestrade. Do contrário, eu teria que prestar provas para tal acusação, não é mesmo? – provocou o detetive, impaciente. O inspetor bufou consciente da complexidade daquela conversa se ele insistisse em continuar.

─ Muito bem, senhor Holmes. – disse ele, se rendendo. – Vou organizar um grupo de buscas imediatamente.

─ Excelente. – falou Holmes. – Eu espero que não se incomode se eu fizer uma investigação por conta própria por fora, também.

─ Como se tivesse precisado da minha autorização expressa alguma vez. – desdenhou Lestrade, fazendo os olhos do detetive brilharem pela diversão.

─ Aqui tem uma fotografia para ajudar seus homens a memorizar quem estão procurando. – acrescentou retirando um pequeno pedaço de papel de dentro do bolso.

─ Ah sim. – assentiu Lestrade mirando um retrato de Anne com Holmes e Watson em Baker Street.

─ E tome cuidado com ela. – advertiu Sherlock. – Minha esposa não é muito adepta a fotografias, logo, deve entender porque cada uma que conseguimos deve ser tratada como uma peça rara de coleção. – explicou batendo na lapela do chapéu e saindo sem esperar quaisquer outras satisfações de Lestrade.

O inspetor bufou mais uma vez devido à impertinência e esperou para que se acalmasse um pouco antes de sair ao encontro de seus homens para passar-lhes a missão. Na verdade, também aproveitava aquele tempo para refletir qual deles seria melhor para ela. O fato era que muitos de seus homens não eram enérgicos o suficiente para o trabalho de campo. Não tanto quanto ele, Gregson e o próprio detetive. Embora houvesse recrutas novos e muitos deles apresentassem uma pré-disposição admirável para o trabalho, Lestrade não conseguia ver um novato se dando bem naquela situação.

─ Thompson, eu preciso que venha comigo e mais alguns homens para uma ronda nos perímetros da cidade. – disse o inspetor para Matthew Thompson, um dos seus homens mais vivazes e um de seus favoritos para substituí-lo como inspetor quando se aposentasse.

─ Do que se trata, inspetor? – inquiriu Thompson, visivelmente interessado.

─ Um sequestro em Baker Street. – explicou Lestrade. – A esposa de Sherlock Holmes foi levada por um tal professor Moriarty e precisamos encontra-la.

─ E por onde o senhor pretende começar a ronda? – indagou Thompson, adquirindo um ar mais profissional.

─ Acredito que as casas na saída da cidade vão servir bem para tirar o senhor Holmes do meu pé por um dia. – respondeu Lestrade. – Você e mais dois homens ficam com o lado leste e eu com o lado oeste.

─ Perfeitamente, senhor. – assentiu o rapaz.

†††

Apesar das aprazíveis acomodações que me foram dispostas, eu não havia conseguido pegar no sono naquela noite e sabia que isso não poderia se repetir pelo bem da criança. Todavia, como dormir se a todo instante a ideia de que Moriarty só estava esperando as minhas defesas baixarem para conseguir me machucar de alguma forma controlava meus pensamentos? Como forma de consolo eu mantinha minha mente voltada para o fato de que Sherlock com certeza não dormira também. Ele nunca conseguia dormir quando estava resolvendo um caso e minha ausência só deveria piorar a intensidade do hábito.

Da minha parte, eu aproveitei a minha falta de sono para conhecer melhor a minha charmosa prisão. Meus carcereiros – que eu descobri serem dois homens grandes demais para ousar um combate corpo a corpo – não pareciam fazer qualquer objeção a minha curiosidade em tomar conhecimento do fato de que não havia maneira de sair dali sem ajuda. A porta da frente ficava trancada o tempo todo durante o dia e as chaves ficavam bem guardadas dentro do bolso interno do sobretudo de um deles. As janelas eram mantidas abertas quando eu estava num cômodo sob rígida observação. Soava como se Moriarty realmente confiasse que eu não tentaria escapar sozinha e tentava tornar aquilo menos doloroso pelo simples pormenor da minha gravidez.

Naquela manhã, o meu desjejum foi levado até o meu quarto e colocado sobre a mesa. Nada muito grande e com certeza pouco agradável. Sinceramente? Se Holmes visse aquilo, enalteceria a culinária da senhora Hudson diariamente. Limitei-me a beliscar o conteúdo da bandeja e me satisfazer com o chá, tentando imaginar qual dos meus dois captores havia ousado cometer tamanha desonra a culinária inglesa. Em seguida, parti para a visita aos outros quartos do corredor. Acabei descobrindo o que deveria ter sido uma sala de música no passado... o que era aquela casa? Uma velha escola para moças? Fosse ou não, o que me chamou a atenção foi encontrar um velho “case” com um violino em condições de melhoria ainda dentro. Antes que fosse privada de uma possível forma de passar o tempo, corri para escondê-lo em meu quarto.

Foi então que de repente ouvi o som de passos do lado de fora. Um grupo de policiais vinha em direção à casa, mas eu não reconheci Lestrade ou Gregson entre nenhum deles. Possivelmente um grupo de novatos... em todo caso, a vinda deles para um lado tão afastado do centro da cidade só poderia significar que Holmes mobilizara a polícia! Ha! Consigo imaginar a expressão de desgosto no rosto de Lestrade ao ter que receber uma ordem de Sherlock. De fato, o cativo é quem perde a melhor parte do crime. Tentei permanecer próxima a janela para que me vissem, mas um dos policiais dispensou seus companheiros para o outro lado da propriedade, muito além do campo de visão que os permitira me avistar. Contudo, esse mesmo policial continuou a tomar a direção da casa.

O som da batida na porta de entrada ecoou pelos cômodos vazios e eu me aproximei um pouco da parede que separava um dos lados da escada, na esperança de conseguir ouvir algo que eles pudessem dizer ou fazer com o pobre policial caso ele tentasse obter informações. Todavia, as vozes não pareciam estar alteradas lá embaixo. Na verdade, ouso dizer que a entrada efetiva do dito policial fora consentida.

─ Eu não posso me arriscar a avisá-lo diretamente. Lestrade parece querer me colocar na linha de frente desse caso, qualquer passo infalso pode ser suspeito. Ainda mais com aquele maldito Holmes agindo por conta própria. – só poderia ser ele falando, pois aquela voz não se assemelhava em nada com a de nenhum dos meus captores. – Apenas avisem-no de que vou mantê-los longe dessa casa o máximo que puder, mas que vá pensando em algum lugar alternativo, caso precisemos movê-la. – sugeriu com impaciência.

Eu não conseguia acreditar... não podia ser... um dos homens de Lestrade era um espião de Moriarty. Quer dizer, não que fosse impossível... só assim ele teria encobrido suas pistas por tanto tempo. Precisava avisar Holmes sobre isso, do contrário aquilo poderia durar mais do que eu calculara. Mas como? Naquelas condições, não havia qualquer possibilidade de mandar uma mensagem... Eu precisava de um milagre.