Tudo ainda rodava, rodava rápido demais. Minha boca estava seca, com gosto de vodka, energético, cigarros e maconha, tudo junto. Acordei em um quarto desconhecido, do meu lado estava um garoto, do qual eu não lembrava o nome, mas ele tinha tentando ficar comigo na noite passada, eu apenas recusei. O garoto estava com o braço sobre mim, eu o empurrei delicadamente para que ele não acordasse, não queria conversar com ninguém. Já de pé eu vi Sarah na cama e ao seu lado sua amiga Juliet ás duas estavam abraçadas, se não me engava elas haviam se beijado na noite anterior. Tentei relembrar, da noite tumultuada, todos nós tínhamos ido para uma boate vender drogas para conseguir dinheiro para ajudar Carlie e Paul. Logo depois um cara drogou Carlie, deu briga, polícia, mas quando tivemos certeza que tudo estava bem, eu Sarah, Juliet e o outro menino fomos para a casa de alguém... Que eu também não lembrava o nome, bebemos fumamos maconha, e uma hora eu apaguei e acordei do jeito que me encontrava naquele momento.

Sai do quarto e desci as escadas. Uma ânsia de vomito me invadiu, e eu apenas abri a boca, um vômito roxo saiu de dentro da minha boca, depois de alguns minutos parei de vomitar e me sentei na escada para me recompor. A minha cabeça latejava, a dor era horrível. Meu celular vibrou, no visor da tela tinha 25 chamadas não atendidas da minha mãe, pensei em não atender, mas fiquei com medo de que ela surtasse e mandasse a polícia atrás de mim.

–Ei mãe - disse desanimado, conversar com as pessoas ultimamente era algo difícil para mim, algo cansativo, sem graça.

–Graças a Deus filho você atendeu, estava preocupada! Você tomou os seus remédios?! Não bebeu né?!

Minha mãe estava superprotetora desde que eu tinha acordado do coma a um mês.

–Não mãe, não bebi - menti - E tomei os meus remédios - menti novamente.

–Filho você sabe que não devia ter saído, ainda está se recuperando, faz pouco tempo que você acordou do coma...

Revirei os olhos e desliguei o celular, eu já sabia aquele texto décor, quando eu chegasse em casa eu diria que o celular tinha acabado a bateria. Desci as escadas com cautela, desviando do meu vômito, na sala da casa, havia algumas dezenas de pessoas, no sofá dormiam duas garotas abraçadas, no chão da sala alguns garotos estavam apagados perto de garrafas de vodka, fui até eles lentamente e roubei uma das garrafas colocando elas em baixo do braço, vi também que na mesinha de vidro tinha um maço de cigarro, também os peguei sem medo algum.

Procurei a cozinha na casa, ao achar fui direto até ao balcão tomar um pouco de água, para tirar o gosto ruim de vômito da boca. Depois saí, iria a pé para casa era domingo, eu dormiria bastante e depois estudaria para um dos meus ''exames extras na escola'', esses exames eu havia ganhado dos professores que concordaram em dá-los a mim para eu ter a oportunidade de recuperar os quatro meses que fiquei em coma, assim não precisaria repetir o ano, era puxado, mas eu não queria repetir o ano de jeito algum.

Caminhando pela rua, deserta e fria, me lembrei de Sarah, eu havia deixado ela sozinha lá com a tal de Juliet, ela ficaria furiosa, mas eu não me importava, eu apenas queria ir para casa. Andando pela rua eu podia sentir o sereno frio da manhã, que logo se dissiparia pela chegada do sol. Abri a tampa da vodka que eu carregava comigo e bebi.

–Café da manha - sussurrei para mim mesmo, sentindo o líquido quente me invadir e queimar por dentro.

Acendi o cigarro que eu havia roubado há alguns minutos atrás e traguei, faltavam algumas quadras para chegar até o meu bairro, mas eu gostava de caminhar, me ajudava a por os pensamentos em ordem.

Ao dobrar uma esquina vi uma pracinha, fiquei lá parado olhando para aquela praça, que me lembrava ao nosso parque, o parque meu e de Frank, era assim que a gente chamava, pois foi lá a primeira vez que a gente transou, e era lá que marcávamos nossos encontros, lá onde conversávamos, andando de balanço feito dois garotinhos. Uma lágrima grossa escorreu pelo meu olho esquerdo, eu a sequei com raiva.

A minha tristeza ultimamente estava sendo preenchida por uma raiva sem controle, por uma revolta, eu simplesmente sentia às vezes raiva de tudo e todos, era tão injusto Frank ter morrido e me deixado lá naquele mundo cruel sozinho. Fechei o punho com raiva e mordi o meu lábio, bebi mais tentando fazer com que minha raiva fosse embora, porém não adiantou.

Continuei andando deixando o parquinho para trás. Tomei o último gole da garrafa de vodka, e joguei a garrafa fora, ouvindo o barulho do vidro caindo no chão e quebrando-se.

Ouvi o barulho de um carro se aproximando, não dei muita bola, porém comecei a ficar intrigado quando o barulho foi diminuindo, até o carro ficar parado ao meu lado. O vidro abaixou, mostrando um cara de meia idade, de 35, 40 anos, com alguns cabelos grisalhos, porém muito charmoso.

–Quer uma carona garoto? - perguntou ele, me olhando e abrindo um sorriso malicioso, mas também gentil.

O cara era bonito, mas continuei andando.

–Não obrigado - disse friamente, observando o carro mais uma vez, um belo e provavelmente bem caro.

–O que foi garoto? É só uma carona.

–Pervertidos oferecem carona.

O cara riu.

–Não farei nada que você não queira.

Pensei bem, que mal tinha? Nenhum, fiz a volta e entrei no carro. Vendo o cara de perto também dava para perceber que ele tinha um bonito e conservado corpo.

–John, prazer - disse ele estendendo a mão.

Eu a apertei.

–Wilson, mas me chame de Will.

Desviei o olhar e olhei para a janela, e me perguntei se tinha sido algo seguro entrar no carro daquele homem.

–Então Will, o que você, um jovem tão bonito faz na rua sozinha a essa hora da manhã?

–Voltando de uma festa.

–Sem amigos? Namorada ou um namorado talvez?

Aquele pergunta me incomodou, eu não sabia o que responder, eu tinha me afastados dos meus amigos, andando sozinho, tentando esquecer o Frank, tentando parar de sofrer, mas tudo era em vão.

–Eu sou um lobo solitário - foi a única coisa que eu disse.

Olhei de novo para o homem, em seu dedo havia uma aliança.

–Você é casado?

–Separado.

–Filhos?

–Sim, um garoto e uma garota, a garota tem a sua idade.

–Porque você se separou.

–Me assumi gay.

Ao ouvir aquilo fiquei meio tenso, o cara devia ter percebido que eu era gay, ele certamente tentaria algo comigo, ele era bonito, atraente, mas eu não estava preparado para ter algo com ninguém. Estremecei, senti frio.

–Com frio meu rapaz? Tenho algo que te esquentará.

Ele tirou do bolso da calça social, um saquinho com algumas gramas de cocaína. Abri um sorriso ao ver o pó precioso.

–Você já usou garoto? Sabe usar?

Eu ri debochadamente.

–Ninguém é amador aqui - respondi tirando o saco das mãos dele, colocando um pouco do pó em um cartão e o cheirado diretamente.

–Ei garoto você quer ir pra casa mesmo?

–Como assim? - eu perguntei preparando outra rodada do pó.

–Não quer passar o dia comigo e se divertir? Já disse que não precisa fazer nada que não queira, somos apenas amigos.

Pensei um pouco. Eu tinha que estudar ir para casa, mas... ‘’Foda-se’’ pensei, que se foda os exame, a escola, tudo, nada fazia sentido na minha vida mesmo.

–Sim, eu quero passar o dia com você - eu disse abrindo um sorriso, e preparando uma terceira rodada da droga.

***

As luzes psicodélicas me faziam pular cada vez mais e dançar freneticamente, descontroladamente, como se tudo fosse acabar a qualquer momento, com uma garrafa de Jack Daniel’s em mãos eu a empinei tomando o liquido quente.

John que tinha passado o dia comigo, dançava ao meu lado, aquele completo desconhecido que havia feito eu esquecer de tudo naquele dia, que passamos bebendo, fumando, cheirando, vivendo.

–Will, já vai amanhecer, é segunda feira você não acha que devemos ir para casa? Seus pais devem estar preocupados - sussurrou ele no meu ouvindo.

A música 212, da Azaelia Banks começou a tocar e eu perdi o controle descendo até o chão. Eu não me importava com nada apenas queria dançar, me divertir, foder com tudo e esquecer de tudo. Quando a música acabou eu fiquei mal, me sentindo tonto, e sem ar, uma ânsia de vômito começava a vir.

–John, me tire daqui não estou me sentindo bem - pedi.

Ele me pegou pela mão e rapidamente saímos de dentro da boate, ao chegar em frente da boate, não tive muito tempo apenas abri a boca e vomitei, ali mesmo.

John me ajudou me segurando.

–Agora já chega Will, já farreamos demais, você já esta há um dia sem dormir irei te levar para casa - ele disse sério.

Sentei-me na calçada, respirei fundo, já um pouco melhor acendi um cigarro e traguei.

–Você pode me dar mais coca? - pedi.

–Não Will, você está fudido, precisa ir pra casa e descansar.

–Mas eu não quero... Não quero ir para lugar nenhum.

John sentou do meu lado tirou o cigarro da minha mão e tragou.

–Por quê?

–Porque tudo em Bristol me faz lembrar...

Comecei a chorar, apenas chorava e soluçava Jhon que não sabia nada sobre minha vida não entendia, porém ele me abraçou e deixou-me chorar. Ficamos daquele jeito por quase dez minutos.

–Você pode me levar para escola? Tenho uma prova para fazer.

–Desce jeito?! Bêbado, cheirado e sem dormir?!

–É importante.

Ele deu de ombros, sem questionar mais, me levou até o carro, e dirigiu até a escola. Parado na frente da escola, John me olhou e sorriu. Eu ainda não acreditava o quanto irreal tinha sido a noite e o dia anterior, eu havia saído com um desconhecido, curtindo e festejado muito, ele tinha pago tudo e não me pediu nada em troca.

–Porque você fez tudo isso? - interroguei.

–Porque assim como você eu precisava esquecer um pouco da vida real, me divertir, festejar, ter uma válvula de escape.

Ele me entendia por completo. Um estranho me compreendia inteiramente.

–Podemos fazer isso fim de semana que vem?

–Infelizmente não... Estou indo para o Brasil amanhã, irei recomeçar lá.

Tentei disfarçar a tristeza, era estranho, mas eu sentiria falta daquele desconhecido. Deixei me levar e abracei-o.

–Obrigado por tudo Jhon.

–Eu que agradeço, me senti um jovem de novo, não fazia uma festa boa assim a anos.

Parei de abraçar ele.

–Então é isso... Adeus John.

–Adeus Will, boa prova e se acalme... Não foda com tudo, pare um pouco de se destruir aos poucos.

Entendi o que ele quis dizer. Apenas sorri e fechei a porta do carro, e fiquei lá na frente da escola vendo John ir embora para sempre. Aquele homem tinha sido meu amigo por um dia.

Virei-me rumo à escola, liguei o meu celular, e inúmeras mensagens e ligações não atendias apareceram, várias da minha mãe e várias de Sarah. O que era normal, já que eu havia sumido durante um dia todo, sem avisar ninguém. Tentei não ser visto por ninguém, o que era quase impossível, todos na escola me olhavam e sussurravam.

Ao longe vi Sarah correndo em minha direção, pensei em fugir, mas era em vão eu teria que dar explicações, teria que passar por aquela situação de qualquer maneira. Ela me abraçou fortemente, quase me derrubando no chão.

–Porra! Onde você estava?! O que aconteceu?! Você está bem?! Todo mundo está te procurando! – dizia Sarah rapidamente me abraçando.

–Eu estou bem... Eu apenas sai com um cara, nada de mais.

Ela parou de me abraçar e me fitou, por algum tempo.

–Você devia ter avisado alguém! - a expressão de Sarah ficou séria, e ela foi ríspida - Sua mãe está desesperada atrás de você!

Abri meu armário pegando meu material.

–Ela é exagerada.

Sarah me pegou pelo braço.

–Não, ela não é idiota! Você simplesmente sumiu! – ela começou a me arrastar pelo braço - Vamos vou te levar para casa.

–Sarah, pare – falei tentando me desvencilhar dela.

Ela continuou a me puxar sem dar atenção. Puxei meu braço bruscamente.

–Puta que pariu Sarah! Me solta caralho! Tenho um exame extra para fazer! - gritei.

–Desse jeito?! Sem dormir, bêbado e drogado?!

Dei as costas para ela.

–Will volte aqui! - gritou ela.

Ela foi atrás de mim falando, eu não parava de caminhar.

–Você é egoísta e mimado! Não sabe o quanto todo mundo ficou preocupado com você?! Enquanto você estava farreando!

–Sarah me deixe em paz! – pedi, estava prestes a explodir de raiva.

–Você estava em coma! Não pode ficar sem seus remédios, você está se destruindo idiota!

Virei-me para Sarah e a empurrei com força contra os armários.

–CHEGA SARAH! – berrei alto.

Assustada e irritada Sarah foi ficando vermelha de raiva.

–Porque você está agindo como um idiota?! - gritou ela em resposta ao meio gesto bruto.

Dei as costas e ela voltou novamente atrás de mim.

–É por causa dele não é?! Você está agindo assim por causa do Frank! - ela continuava gritando.

–Sarah por favor pare- a raiva tomava conta do meu corpo se Sarah falasse mais uma coisa eu bateria nela.

–Você não foi o único a sofrer! Eu sofri pela morte do Frank, sofri por você em coma durante quatro meses! - ela fez uma pausa, Sarah estava furiosa, e prestes a chorar - Se destruir aos poucos como você está fazendo Will não ajuda em nada! Frank está morto, lide com isso!

Ela fechou a boca, e eu enfiei uma bofetada no rosto dela, era o único jeito de a fazer calar a boca.

–Você não sabe de nada Sarah! - eu berrei, apontando o dedo no rosto dela - Nada pois você é fria! Nunca amou ninguém, nem Carl, nem Juliet, nem ninguém! Você não sabe o que é perder alguém que você ama! - eu gritava e todos no corredor olhavam boquiabertos.

–Isso não é verdade... – ela sussurrou abaixando a cabeça, e lágrimas, começavam a cair de seus olhos, eu tinha ido longe demais.

–Agora me deixe em paz! - gritei por fim sai, indo em direção a sala que ocorreria minha prova.

Fiz minha prova em 50 minutos, entre dores de cabeça, sono e cansaço, e lembrando da noite anterior, e da briga com Sarah. No fim do exame, sai rapidamente da escola, ignorando todos os conhecidos que eu via na minha frente.

Onze horas da manhã cheguei em frente a minha casa, fiquei lá parado durante seis minutos o que eu falaria para minha mãe? Tomei coragem e entrei, sabia que uma discussão começaria.

Minha mãe primeiramente me abraçou, depois veio perguntas, às quais eu respondi, e em seguida um sermão bem longo. No fim eu apenas a deixei, falando sozinha, fui para o banheiro tirei minha roupa e me fitei nu na frente do espelho, vi minhas tatuagens, o tigre na virilha, e ''Frank'', nas costelas em minha barriga havia uma cicatriz de 10 centímetros, graças a um metal que havia perfurado ela durante o acidente. Suspirei profundamente, e as lágrimas voltaram a cair. Eu não queria mais sentir nada, nem dor, nem raiva, nem tristeza.

Eu daria um fim em tudo.

Liguei o chuveiro e me sentei no chão deixando a água cair sobre meu corpo. Com uma navalha em mãos fiz um profundo e longo corte no meu pulso esquerdo, e depois o direito. Meu sangue se misturava com a água, minha visão ficava turva, apenas fechei meus olhos e esperei a morte vir me buscar e me levar para junto de Frank.