Suspirei fundo. Há poucos minutos havia acordado, olhei para o meu lado da cama, e observei Paul dormindo tranquilamente, apenas de cueca, seu peito branco com poucos pelos loiros, e com uma marca de bala. Ele era um guerreiro, há quatro meses havia levado um tiro e estava ali vivo e forte. As preocupações invadiam a minha cabeça, Paul havia sido despedido a exatamente uma semana da lanchonete, as contas apenas acumulavam, eram muitos gastos tanto para manter a casa, quanto para os remédios da minha sogra, e o pai de Paul não ajudava em absolutamente em nada. Levantei-me, tinha que preparar o café, dar banho na minha sogra, vesti-la e ir para a escola. Seria um dia muito difícil, e cheio. Logo depois da aula, eu levaria Paul para jantar na casa dos meus pais, depois de alguns meses desaparecida.

Há quatro meses eu havia retornado, não mantinha muito contato com os meus pais, minha relação com eles nunca tinha sido muito boa mesmo, eu ia lá as vezes, almoçava ou jantava mas não tinha retornado para casa mesmo eles insistindo muito. Minha relação com Lea também era meio superficial. Via ela na escola, conversávamos pouco, mesmo nós tendo nos acertados, ainda assim haviam muitas mágoas, e nossa relação parecia mais como de duas conhecidas do que do que irmãs.

***

Acomodada sala de aula, eu prestava atenção em tudo, menos na aula. A minha vida tinha mudado tanto, virado de pernas para o ar a mais de um ano, agora que eu tinha certeza que amava Paul, eu não podia deixar as coisas a ficarem fodidas de novo, tinha que conseguir dinheiro e rápido para resolver tudo. Olhei para a minha turma de segundo ano e me arrependi amargamente de ter repetido de ano, ali eu não tinha amigos apenas colegas. Suspirei fundo, estava cada vez mais tensa, resolvi fazer algo que eu não gostava de fazer, pedir ajuda a Lea.

''Lea precisamos conversar sozinhas... Preciso da sua ajuda''. -mandei um sms. E tentei me concentrar na aula. Na saída da aula caminhava desatenta, pensando, preocupada, tirando o tempo todo os cabelos da testa, meu gesto de irritamento. Levei um susto quando alguém chegou por trás de mim e me levantou para cima.

–Puta que pariu Paul! - gritei assustada, ao perceber que era ele.

Ele me ergueu para cima feito uma garotinha e me beijou. Eu tinha sorte por ter um cara como Paul comigo, mesmo eu o afastando várias vezes, o traindo, o humilhando, mas no fim ficamos juntos, como deveria ser.

–Porque você estava tão pensativa? - perguntou ele, pegando na minha mão, e me seguindo.

–Nada não... - desconversei - Hoje tem jantar na casa dos meus pais não esqueceu né?

Ele revirou os olhos. Eu não fiquei brava, eu sabia que ir a um jantar com dois pais perfeccionistas e moralistas, uma irmã egocêntrica, e um bebê chorão não era lago legal de se fazer.

Enquanto eu e Paul caminhávamos, eu observava Will sentando no campo em frente à escola, ele estava sozinho fumando um cigarro, ou maconha. Acho que já fazia um mês que ele havia acordado do coma, surpreendendo todo mundo. Mas depois que ele descobriu a morte de Frank ele havia meio que se afastado de todos, não ia em festas, na escola mal falava com os outros. Observando ele lá sozinho eu senti muita pena, eu mesma não suportaria perder o Paul.

O dia passou rápido e a hora do jantar havia chegado, e lá estávamos nós, naquela situação de sempre, comendo quietos, sem ter oque eu falar, apenas ouvindo o barulho da mastigação de cada um, e claro ouvindo os choros do pequeno Arthur, o meu irmãozinho que tinha nascido a 4 ou 5 meses, eu infelizmente fui vê-lo alguns meses depois do seu nascimento, me sentindo uma péssima irmã.

Lea não gostava dele, e eu sentia isso. Ela simplesmente tinha perdido o posto de rainha, as atenções não eram só para ela agora, e sim para o bebê.

–Carlie, vamos subir um pouco? - disse Lea, colocando o prato de lado.

Meu pai, minha mãe, e Paul olhavam intrigados, curiosos, coloquei meu prato de lado, Lea devia estar me chamando para saber qual a ajuda que eu tinha pedido a ela mais tarde.

Subimos as escadas, da casa dos meus pais. Era tão estranho estar ali, nem parecia que eu tinha morado ali toda a minha vida, eu parecia uma estranha na minha própria casa. Lea e eu fomos até o nosso quarto, minha cama do lado dela continuava com a mesma roupa de cama, a parede ainda tinha os pôsteres de homens musculosos. Eu abri um sorriso.

–Não entendo você Lea, agora que você tem o quarto só para você... Você deixou todas as minhas coisas no mesmo lugar, nem mexeu nelas.

Lea sorriu e olhou para baixo.

–É um jeito de preencher o vazio que você deixou sua vaca!

No fundo eu sei que minha irmã egocêntrica e mimada, me amava, eu também a amava apesar de tudo. Nós duas sentamos na minha cama, uma ao lado da outra.

–Então qual era a ajuda que você precisava?

–Eu preciso de dinheiro - respondi.

–Simples, peça para o papai.

Revirei os olhos.

–Claro que não Lea, papai e mamãe já estão gastando muito com o Arthur... As coisas estão tão complicadas Lea, tudo tão fodido, Paul foi despedido, o pai dele não da grana para ajudar com os remédios da mãe do Paul... Nós só estamos vivendo da pensão que ela recebe por invalidez.

Lea ficou me olhando pensativa.

–Eu sei que pode nos ajudar... Mas é complicado.

–Como assim?

–Sarah. Ela vende drogas em festas às vezes, se fossemos em grupo venderíamos bastante e arrecadaríamos um pouco de dinheiro para segurar as pontas.

–Ótimo!

–Carlie você esqueceu, que ela quase não fala mais comigo, agora que eu e Carl estamos juntos?

Parei e pensei, era verdade Sarah era ex do Carl que agora estava com Lea, o que era muito estranho, nunca imaginei um namoro da Lea com o Carl.

–Merda... Mas podemos tentar não é? - insisti.

–Podemos.

Lea pegou o celular, e discou o número, e acionou o viva voz. Por um momento achei que Sarah não atenderia já que o celular tocou várias vezes, antes de ela atender o chamado.

–Ei, Sarah... Como vai? - disse Lea tentando ser gentil, algo que ela não fazia muito.

–O que você quer Lea? - Sarah foi seca.

–Ajuda, Carlie precisa de dinheiro, pensei que você poderia nos ajudar a vender drogas... Você sabe nas festas.

–Eu não faço mais isso.

–Por favor, Sarah, é por mim e Paul, estamos com problemas! -me intrometi.

Ouvi o suspiro de Sarah.

–Que merda... - resmungou Sarah - Sábado ás 21, na boate de sempre... E Carlie estou fazendo isso por você e não a Lea.

Ela desligou o celular.

Dei um sorriso de alívio, as coisas pareciam se encaminhar, tudo daria certo, tinha que dar.

–A minha amiga de infância me odeia – constatou Lea olhando para baixo.

Senti pena da minha irmã naquele momento.

–Ela não te odeia, ela apenas está chateada, afinal você está com esse ex dela...

Lea me encarou. Parecia querer me dizer algo.

–O que foi Lea? - perguntei intrigada.

–Eu preciso te dizer algo, isso está me sufocando, mas você tem que prometer que não falará para ninguém, nem para o Paul...

–Ok... -disse ansiosa, Lea tinha me deixado curiosa.

–Eu e Carl nós... Nós traímos Sarah, transamos quando eles ainda namoravam.

Fiquei boquiaberta.

–Por favor, não me julgue sei que foi muito errado.

Eu não podia julgar Lea mesmo que eu quisesse afinal eu tinha traído ela com James, o ato mais horrível que eu fiz na minha vida, que me fazia sentir culpa sempre.

–Eu me sinto tão culpada - disse Lea, ela parecia prestes a cair no choro.

Abracei minha irmã fortemente.

–Lea... Eu nunca disse com todas as palavras, mas eu realmente me arrependo muito por nossas brigas, e por eu ter transando com James.

Lea me abraçou mais forte.

–Esqueça essas coisas, nós somos irmãs nenhum homem irá nos separar.

Aquele foi um dos momentos mais lindos que eu tive ao lado de Lea, nos éramos diferentes, brigávamos, mas nos amávamos.

–Você irá falar para Sarah?

–Eu não sei é tão complicado um dia talvez...

Depois de conversar com minha irmã, e ficar mais aliviada, eu e Paul fomos embora, pois o dia seguinte seria complicado, eu tentaria levar todos para a boate para vender as drogas, seria perigoso, mas nós teríamos que correr o risco.

***

A música tocava alto, fazendo com que todos na boate dançassem como se o mundo fosse acabar. Sarah tinha vindo junto com uma amiga Juliet, as duas com uma razoável quantia de drogas, que foram distribuídas entre eu, Paul, Lea, e Carl, e Will, cada um indo para um lado para vender o mais rápido possível, arrecadar a grana rápido, para dar para curtir a festa. Alguns minutos depois, eu já tinha vendido quase tudo, faltava apenas um saquinho de coca, um cara de uns 30, 35 anos se aproximou de mim.

–Ei ruivinha, você vende?

–Sim - disse perto do ouvido dele.

Ele me passou a grana discretamente e eu passei o saco com a droga.

–Tome um golo disso, você tem que se divertir um pouco – falou ele me oferecendo um copa, com vodka.

Receosa resolvi tomar um pouco do líquido que ele me ofereceu, afinal que mal tinha? O cara só estava sendo gentil. A vodka desceu rápido queimando minhas entranhas.

–Obrigada, agora tenho que ir achar os meus amigos.

O cara me olhou estranhamente mordendo os lábios. Sai dali antes que ele tentasse algo comigo. Espremendo-me entre as pessoas, de repente fui sentindo o meu corpo quente, a visão turva, fui ficando tonta e enjoada, senti que a qualquer momento eu iria cair.

''O cara me drogou....'' pensei, tentei pedir ajuda, mas ninguém parava para me dar atenção, a única coisa que senti foi alguém me pegando nos braços e me tirando da boate.

–Paul? - sussurrei.

–Calma querida, você irá se divertir... Irá amar.

Eu não conseguia ver o rosto, mas a voz não era do Paul, eu via apenas as luzes da boate, aos poucos eu ia perdendo a consciência. Logo percebi que o cara tinha me levado para a rua. E me levou até o carro dele, era o mesmo homem que eu tinha vendido a coca e me oferecido a bebida, tentei gritar, mas não consegui. Ele me colocou sentada no banco do carro. Da janela vi de longe Carl vendendo drogas na frente da boate. Juntei minhas últimas forças e abri a porta do carro, cai no chão e gritei.

–Carl! - eu estava muito tonta, sem conseguir enxergar nada direito, um zumbindo infernal também começava a invadir meus ouvidos.

Carl ouviu o meu grito, e veio correndo. Caída no chão eu vi Carl e o cara brigando, os dois enrolados no chão. Um bolo de gente se juntou em volta deles. E ali caída no chão. As coisas foram ficam cada vez mais escuras, e eu apaguei de vez.

***

Acordei com o sol no meu rosto, me cegando, a dor de cabeça veio forte, junto com o vomito, me levantei da cama, mas não adiantou, acabei vomitando no chão. Caída ali mesmo, percebi que estava em casa, na casa do Paul. Flashes da noite anterior me vieram à cabeça, eu tinha sido drogada. A porta do quarto se abriu e Paul entrou, ao me ver sentada no chão, correu para me abraçar.

–Graças a deus você acordou, já estava ficando preocupado.

Minha cabeça começou a latejar, a dor era insuportável.

–O que aconteceu? -perguntei confusa.

–Um filho da puta te deu uma bebida batizada com ‘’boa noite cinderela’’, se não fosse pelo Carl eu não sei o que teria acontecido, eu nunca me perdoaria, se aquele cara tivesse feito algo com você!

–Meu Deus, Carl como ele está?!

–Bem, ele deu uma surra no filho da puta, na verdade todo mundo deu, até o Will...

Paul me abraçou de novo.

–Eu não devia ter deixado você sozinha, foi minha culpa.

–Não diga bobagens Paul... Eu que fui burra de aceitar bebida de um estranho, e o cara o que aconteceu com ele?

–Ele foi parar no hospital com alguns ossos quebrados graças à surra que demos nele... A polícia vai tomar conta dele, depois tivemos que ser cuidadosos para eles não descobrirem que estávamos vendendo drogas.

–O desgraçado mereceu, mas e a grana?

–Conseguimos o suficiente para nos mantermos até eu arrumar um emprego, a galera foi foda, conseguimos vender tudo!

Eu sorri, mesmo estando com uma dor de cabeça horrível, dor no corpo, ter sido drogada e quase estuprada... No fim tudo tinha dado certo, tínhamos conseguido a grana. Paul me ajudou a tomar banho, eu ainda estava muito fraca, acho que a droga não tinha saído totalmente do meu organismo. Enquanto eu e Paul tomávamos banhos, com a água quente caindo sobre nossos corpos nus, eu pensava no nosso futuro. Eu tinha medo, muito medo, eu estava no 2° ano, e Paul iria para a faculdade em menos de três meses, ainda não tínhamos decido o que faríamos, mas eu temia uma separação, eu não podia parar com a vida dele, ele teria que ir, e eu ficar em Bristol por mais um ano. Um nó na minha garganta se formou. Abracei Paul com mais força, sentindo a água cair sobre nós. Eu não pensaria mais no futuro. Eu viveria o presente e o futuro que se fodesse.