Os peixes são animais realmente lindos, são tão diversificados, encantadores, eles vivem em um mundo totalmente diferente do nosso, quando eu era criança sempre quis ter o poder de saber respirar em baixo da água.

Estou sentado na frente de um enorme aquário, eu e Eric, que não parece estar muito interessado nos peixes.

–Não está gostando do passeio Eric? – perguntei, forçando um sorriso.

Ele me olha, com um olhar triste, o garoto sapeca, estava muito quieto, o que não era o seu normal.

–Não... Eu não devia estar aqui, isso é errado!

Olho novamente para o aquário, eu não sei o que dizer para o garoto. O irmão dele está morto, não existe nada que eu possa dizer que o faça ficar melhor. Já fazia doze horas que Frank havia partido, que ele estava morto. Quando eu recebi a noticia do acidente de carro, da morte de Frank, não acreditei, para falar a verdade eu ainda não acredito.

Robert o pai de Frank me ligou em prantos, e pediu que eu tomasse conta do pequeno Eric, para ele poder organizar o funeral. Resolvi levar o garoto para o aquário de Bristol, eu ia lá desde pequeno, lembro que uma das vezes fui com Frank e Paul quando estávamos na pré-escola.

–Você quer soverte?

–Não! Eu quero ir para casa antes que enterrem o Frank! Quero ficar perto dele! - gritou o garoto.

Aquela frase me cortou o coração.

–Seu pai acha melhor você ficar longe de tudo isso...

–Meu pai acha que eu sou um bebê, eu já sei lidar com a morte, quero ficar perto do Frank caralho! - Eric se levantou chorando e foi mais para perto do vidro do aquário.

Resolvi deixar ele um pouco sozinho, o garoto precisava. Disquei o número da Lea, precisava saber como estavam os outros no hospital.

–Hey! Como estão as coisas ai? - perguntei, quando ela atendeu.

–Bem, não estão muito boas... Will não acordou ainda, a situação dele é grave.

–Merda! Mas ele vai sobreviver né?

–Carl, claro que vai... Ele tem que sobreviver, não podemos perder mais um amigo.

Senti um nó se formar na minha garganta, o choro estava engasgado, eu não conseguia chorar, e isso estava me matando.

–E a Sarah?

–Ela vai fazer uma cirurgia, está acordada e conversando, mas ela precisa remover um pedaço de metal que ficou preso perto da coluna vertebral. A cirurgia é complicada, um erro e ela podem ficar sem andar para sempre... Resolvemos não dizer pra ela que o Frank... Que o Frank... Morreu, só pioraria as coisas.

–Sim eu entendo... E o Paul?

–Já removeram a bala do peito dele, ele está bem, só precisa repousar... - Lea fez uma pausa, pude ouvir um suspiro - Encontrei Carlie aqui no hospital, conversamos muito, decidimos esquecer tudo o que aconteceu, precisamos estar todos juntos é uma hora difícil.

–Sim, amor, mais tarde te ligo, preciso ficar de olho no Eric.

–Ok, e Carl... Você não precisa ser forte o tempo todo, Frank era o seu melhor amigo sei que você esta sofrendo.

–Estou. Mas tenho que ficar forte, passar por isso, ajudar Robert e Eric. Lea mais tarde conversamos. Beijos se cuide.

Desliguei o celular antes que ela respondesse, eu não tinha forças para falar sobre o Frank naquele momento. Fui até o pequeno Eric que olhava os peixes, estudando-os atentamente.

–Sabe... - começou a falar - Um menino na escola disse que o Frank e Will iriam para o inferno, por serem gays.

–Ei Eric, não de ouvidos a esse tipo de idiotice! Frank nunca iria para o inferno, ele foi um dos caras mais incríveis que conheci, ele esta no céu agora.

–Eu sei disso... E outra quando ele falou aquilo eu arrebentei a cara dele!

Eu ri, e por alguns instantes Eric também.

***

Era fim de tarde, era hora. Hora de se despedir de Frank para sempre. O dia em Bristol era nublado, cinza, triste, com um vento frio. Poucos familiares de Frank se encontravam no enterro, até porque ele não tinha muitos. Poucos amigos, na verdade dos melhores apenas eu, já que Sarah, Will, e Paul estavam no hospital. Era tão trágico como tudo tinha desmoronado tão rápido. Frank morto, Will em coma, Sarah correndo o risco de ficar paraplégica, e Paul quase tinha sido morto por causa de um tiro.

Enquanto caminhávamos até a cova de Frank eu observava os túmulos, e refletia, a vida era muito sem sentido, vivermos para tentarmos ganhar a porra de um espaço no mundo e do nada morrer. Eram tantos túmulos, tantos nomes, tantas vidas perdidas. Chegamos até o local onde Frank seria enterrado, enquanto o padre fazia um chato discurso eu observava o local, ao lado da cova de Frank havia um tumulo com algumas flores já murchas, era de um cara chamado Christopher Miles, ele havia morrido em 2008, segundo minhas contas com 18 anos, se estivesse vivo hoje ele teria 23 anos.

O caixão começava a descer, eu já não ouvia mais nada do que as pessoas falavam, eu já estava perdido em pensamentos, lembranças, de eu e Frank na nossa infância, das brigas, da vez que eu perdi a virgindade com Ema Spencer e fui correndo contar a ele.

Um nó na minha garganta se formou, e as minhas lágrimas teimavam em não descer. Senti alguém tocando minha mão, olhei para o lado, era Lea, e ao seu lado estava Carlie.

–Estou aqui com você - disse ela.

Dei um sorriso forçado.

Começavam a jogar a terra sobre a cova. Olhei para frente e vi Robert com Eric nos braços, eu nunca tinha visto uma cena tão triste na vida. O pobre homem já tinha perdido a esposa, agora o filho mais velho, era tão cruel.

–Lea, eu não aguento mais ver isso, vamos até o hospital ver como estão os outros, eu não consigo mais ficar aqui.... - já sentia algo horrível tomar conta de mim, quando jogaram a ultima pá de terra eu percebi que tudo tinha acabado. Eu nunca mais viria Frank, eu nunca mais teria o meu melhor amigo perto de mim.

Eu deixei todo mundo para trás, e sai correndo do cemitério, queria apenas correr até perder a consciência de tudo. Senti o vento bater no meu rosto, e finalmente as lágrimas começaram a cair. Exausto de tudo me deixei cair no chão, os soluços viam de dentro do meu corpo, as lágrimas saiam, e eu tremia. Olhei para o céu e gritei o grito mais forte da minha vida, só queria que aquela dor fosse embora. A chuva caia no meu rosto, se misturando com minhas lágrimas. Frank havia nos deixado. Ele estava morto e nada o podia trazer de volta.

***

Na manha seguinte após o enterro de Frank, eu acordei cedo, era hora de ir até o hospital e ver como as coisas estavam indo, naquela mesma manhã seria o dia em que Sarah iria para a sala de cirurgia. No caminho para o hospital eu caminhava lentamente apreciando o dia, que estava ensolarado, apesar da chuva do dia anterior. Aquela manhã estava linda, tão linda que não parecia que Frank havia nos deixado.

Ao chegar ao hospital encontrei Lea me esperando na frente. Ela me abraçou, um abraço que durou algum tempo. Lea nesses últimos tempos pareceu estar muito mudada, não era mais aquela garota chata, que manipulava e era egocêntrica. Depois do longo abraço, dei um beijo na bochecha dela e perguntei:

–Então, ainda não entendi, Carlie apareceu assim do nada?

–Ela já estava morando há algum tempo com o Paul, ela pediu para manter em segredo...

Fiquei surpreendido, nunca imaginaria que Carlie estava com Paul aquele tempo todo, no enterro quando vi Carlie do lado de Lea nem me surpreendi muito, estava muito chocado ainda com a morte de Frank... Mas agora a ficha já caia aos poucos.

–E vocês estão bem?

–Sim... É hora de deixar as coisas ruins para trás e começar do zero, amanhã Carlie já vai ir ver nossos pais, e tudo voltará ao normal -disse Lea, acendendo um cigarro.

Logo depois fomos ver Paul, que se recuperava bem do tiro. Ele dormia profundamente, e não corria mais perigo de vida. A polícia de Bristol já começava a procurar James, o que todos nós sabíamos que seria meio difícil de ser encontrado, já que o cara era podre de rico e podia estar em qualquer canto do mundo.

Depois fomos ver Will, que ainda continuava em coma, a situação dele era preocupante. Ele não respondia as medicações, a estímulos, segundo os médicos a situação dele era imprevisível ele podia muito bem acordar a qualquer hora, ou ficar em coma por alguns dias, ou pior acabar morrendo.

O que fazia que aquilo tudo fosse ainda mais triste. A mãe de Will que não tinha saído do lado dele sequer um minuto depois do acidente, tinha um aspecto horrível. Com olheiras, e bochechas murcha.

Eu conversei por algum tempo com ela, a coitada não conseguia dormir e nem comer, já não conseguia chorar, segundo ela as lágrimas já haviam ''acabado'' de tanto chorar.

–Eu daria a minha vida para que ele acordasse, eu daria tudo para que esse acidente nunca tivesse acontecido... - dizia ela, com a cabeça baixa, e a voz rouca.

Ela não era a única. Eu também daria qualquer coisa para que Will acordasse, Frank voltasse à vida, que tudo ficasse bem. Depois de visitar Will, chegou a hora mais difícil, ver Sarah. Eu já não a via desde o nosso último encontro quando ela disse que não estava grávida.

Sarah ainda não sabia da morte de Frank, ou que Will estava em coma. Bem, era o que eu achava ate ouvir o gritos histéricos vindo do quarto de Sarah, entrei no quarto sem Lea, o que seria melhor naquele momento. Sarah estava ao lado da cama, tirando os monitores cardíacos, e o soro da veia. Sua mãe tentava a impedir. Ao me ver Sarah empurrou a mãe dela, e veio em minha direção, me deu um empurrão e gritou.

–Você seu maldito desgraçado! Porque não me falaram a verdade?! Porque não me falaram que Frank estava morto?! - ela gritava furiosa.

Tentei responder, mas antes que eu falasse algo Sarah me deu uma bofetada no rosto.

–Me esconderam tudo! Que Will esta em coma, que Frank está morto! Eu não pude nem ir ao enterro do Frank! - Sarah gritava alto, me sacudindo, e chorando.

–Foi para o seu bem! Daqui a pouco você tem uma cirurgia! -respondi tentando acalmá-la.

–Eu não me importo caralho!

Sarah tentou sair pela porta do quarto, mas eu a agarrei por trás prendendo-a. A mãe dela assistia a cena apavorada

–Vá chamar a enfermeira! - disse para a minha ex-sogra.

Sarah se contorcia tentando escapar dos meus braços.

–Me solta! Me solta caralho! Quero ir até o túmulo do Frank! - ela gritava desesperada.

Alguns segundos depois a enfermeira chegou, e injetou um calmante na veia de Sarah, que aos poucos foi adormecendo nos meus braços murmurando ''Eu te odeio Carl...''. Aquele dia não foi fácil, e os que viriam também não seriam.

***

A cirurgia de Sarah havia ocorrido bem, ela não ficou com nenhuma sequela, apenas algumas cicatrizes do acidente de carro. Os dias viraram semanas, e as semanas meses, as férias haviam acabado, e outro ano letivo iria começar o último ano do ensino médio. Will ainda continuava no coma, sua mãe e Sarah continuavam cuidando dele.

O que nos preocupava mais era Sarah que continuava revoltada com a morte de Frank, ela havia se afastado de todos nós, sempre bêbada ou drogada, Sarah parecia estar perdida na escuridão.

Eu inúmeras vezes tentei ajudá-la, mas era em vão, Sarah havia nutrido uma raiva, um ódio, uma revolta enorme por tudo e todos depois da morte de Frank.

E eu o que podia fazer? Nada. Apenas esperar, esperar para que Will acordasse que Sarah se conformasse e parasse de fazer merda.

As únicas coisas que me faziam seguir em frente era Lea, e a fé, a fé em que Frank estivesse bem em algum lugar bem melhor.