O relógio despertou. Eram 07h30min da manhã, eu já estava há uma hora e meia acordada, apenas olhando para o teto e pensando na vida. Já fazia quatro meses desde o acidente, quatro meses que eu tinha feito minha cirurgia para retirar o pedaço de metal que estava alojado perto da minha coluna, a cirurgia foi um 'milagre', segundo o médico, pois nada deu errado, e eu continuava a caminhar, infelizmente esse milagre não havia acontecido com Frank que estava morto, e com Will que continuava em coma.

Há exatamente um ano atrás, eu, Frank e Will estávamos fugindo da aula, para beber, e cheirar, em plena manhã. Aquelas lembranças pareciam tão distantes, quase um sonho, como se nunca tivessem acontecido. Uma lágrima grossa escorreu pelo meu olho esquerdo, a limpei e tratei de me levantar, para me arrumar e ir para a escola.

Fui até o banheiro, tirei minhas roupas e liguei o chuveiro, antes de entrar no banho me olhei nua em um grande espelho que eu tinha no banheiro. Eu estava mais magra, as costelas apareciam, havia perdido quadril, e minhas bochechas estavam mais chupadas, e meus olhos tinham grandes olheiras.

A morte de Frank tinha me afetado e muito. Durante aqueles quatro meses, eu nunca mais sai com Carl e Lea, que agora estavam juntos o que me deixava com nojo, ou com Paul e Carlie. Quando eu saia era em festas para vender drogas, e conseguir dinheiro, e era apenas eu. Quase todo santo dia eu ia até o hospital ficar com Will pelo menos trinta minutos, aquilo já estava me matando aos poucos, já me deixava sem esperança, eu temia perder outro amigo, temia que Will nunca mais acordasse.

Já pronta, desci as escadas e fui até a cozinha para preparar um café bem forte. Lauren estava sentada tomando o café, e fumando um cigarro. Desde o acidente ela tinha mudado o jeito de me tratar, tentava não gritar comigo, e não me xingava mais, mas o mais importante ela não fez, que foi me dar um abraço, ou talvez dizer ''tudo vai ficar bem filha''. Ela continuava sendo fria.

–Não vai comer nada? - perguntou ela, sem tirar os olhos do jornal.

–Não estou com fome.

–Você anda muito magra Sarah.

Lauren raramente me chamava de filha.

–Como você sabe? Nem olha pra mim - afrontei ela. Nesses meses eu fazia de tudo para que ela brigasse comigo e eu pudesse responder, mas cada vez que eu a provocava ela apenas ficava quieta.

Ela ficou quieta, quando eu estava saindo da cozinha ela disse:

–Sua irmã vai vir hoje, passará alguns dias com nós.

Aquela desagradável noticia, me pegou de surpresa.

–Quantos dias a Karen vai passar aqui?

–Três ou quatro por quê?

–Eu volto daqui a três ou quatro dias então.

Sai antes que Lauren me falasse algo e fechei a porta com força. Se minha relação com minha mãe adotiva já era difícil, com a minha irmã adotiva era pior ainda, Karen nunca me tratou bem, quando éramos crianças ela adorava jogar na minha cara que eu não era filha da Lauren, me batia, me humilhava.

Ao chegar à escola, logo no corredor já se via, fotos de Frank por todos os lados, com flores e velas, pessoas que nem eram amigos dele fazendo homenagem. Aquele circo de hipocrisia já estava me deixando com nojo. Fui guardar meus materiais no meu armário.

–Ei Sarah! - olhei para o meu lado e vi Carlie, segurando alguns livros nos braços.

–Oi Carlie -disse desinteressada, dando as costas para Carlie, mas ela veio atrás.

–Não te vi durante as férias todas... Como você anda?

–Ótima.

Carlie me pegou pelo braço, fazendo eu me virar para ela.

–Sarah, está tudo mundo preocupado com você, você esta mudada, se distanciou de todos... - começou Carlie, Carlie era uma garota legal, muito mais que a vadia da irmã dela - Todos nós estamos sofrendo com a morte de Frank, se afastar da gente não é a solução.

Olhei Carlie por uns instantes, senti raiva. Raiva e revolta era o que eu mais sentia desde a morte de Frank.

–Carlie, sabe o que eu acho que você deveria fazer? - comecei a falar de uma forma bem sínica - Ir para a sala do segundo ano e estudar bastante, já que você repetiu o ano, porque fugiu de casa por ser uma puta traidora.

Carlie me olhou incrédula por alguns segundos. A expressão de compaixão que ela tinha se transformou em nojo.

–Eu espero que você se foda agora, Sarah, a gente se vê por ai -dizendo isso Carlie deus as costas e seguiu me deixando sozinha.

Fui para a minha sala. No caminho vi Lea e Carl andando de mãos dadas, fiz cara de nojo, e os ignorei. Depois de Carl me trair sei lá com quem, logo depois ele e Lea começaram um namoro, algo meio suspeito, mas eu apenas deixei pra lá. A minha primeira aula naquele dia era de história, entrei na sala e a maioria dos alunos já estava lá, ao entrar muitos me olharam e eu pude ouvir alguns cochichos.

''Ela quase morreu no acidente também...'', ''Dizem que ela viu o Frank morrer''

No fundo da sala vi Paul que tinha aquela mesma aula comigo. Ele fez sinal pra eu ir sentar ao lado dele, mas eu apenas fingi não ver. Logo o professor de história chegou, falou, falou, não parava de falar, eu só comecei a prestar atenção nele, ao ouvir o nome de ''Frank'' no meio.

–... Frank era um grande aluno, todos nós sentiremos falta dele, mas temo que seguir em frente...

O professor mal acabou de falar e eu me alevantei bruscamente, quase derrubando a cadeira.

–Algum problema Sarah?! - perguntou ele sério, ao ver a minha reação.

–Sim! Muitos problemas seu velho estúpido! Você acabou de dizer que o Frank era um ótimo aluno, mas o ano passado você o chamou de inútil várias vezes! Você não se importa que ele morreu! Nenhum de vocês se importa, vocês são todos uns hipócritas! Nojentos!

Peguei minhas coisas e apenas sai correndo da sala de aula, antes que me falassem qualquer coisa, ou me repreendessem, eu estava sufocada, a qualquer momento iria explodir.

Resolvi ir até o hospital ver Will e a mãe dele. Isso me faria bem, ficar perto de Will. No caminho da parada de ônibus, alguns pingos de chuva começavam a cair do céu, felizmente eu tinha um guarda chuva na minha mochila.

Parei por um momento, peguei um cigarro e o acendi, o traguei. E do nada me veio a acena do acidente, como se fosse um filme passando lentamente.

–Ei! - ouvi uma voz vindo de longe - Ei garota!

Voltei à realidade, a chuva tinha desabado e eu nem tinha percebido, estava com o cigarro já apagado entre os dedos, o guarda chuva fechado, e eu toda encharcada. Olhei para o lado e vi que quem me chamava era uma senhora.

–Ei, garota está falando com você faz dois minutos e você não me responde, fica ai com essa cara de retardada olhando para o nada, não esta vendo que esta chovendo? Ta toda encharcada, não abre o guarda chuva...

Abri meu guarda chuva e deixei a velha falando sozinha.

Desde o acidente de carro eu tinha esses momentos, de simplesmente começar a lembrar de algo, e esquecer de tudo que estava em minha volta. Isso era realmente assustador, e estranho.

Fui a pé mesmo no hospital, mesmo a chuva caindo com força. Chegando lá fui direto ao quarto do Will, como na maioria das vezes quem estava lá era a mãe dele, que estava sempre cuidando dele, quando não era ela tinha uma enfermeira particular.

–Querida... - ao me ver, ela se dirigiu até mim e me abraçou - Você está toda encharcada!

–Como ele está? -perguntei. Eu sempre fazia a mesma pergunta idiota, pois a resposta era sempre a mesma, Will ainda continuava em coma.

–Tudo igual... - respondeu ela suspirando. Cada vez que eu via a mãe de Will eu ficava com mais pena dela, dava para perceber que ela ia perdendo as forças pouco a pouco, e não era fácil ver um filho vegetando em cima de uma cama.

–Querida, vou aproveitar que você esta aqui e vou lá embaixo tomar um café, tudo bem?

–Claro. Sem problemas...

Ela me deixou lá, soltei minha mochila no chão, e caminhei lentamente até a cama em que Will estava em sono profundo. Olhei para ele, que tinha uma expressão suavizada, com a pele muito branca, devido à falta de sol, ele também havia perdido bastante peso. Era devastador ver o meu melhor amigo daquele jeito. Agarrei a mão dele, ela estava fria, a apertei.

–Sabe... Você faz muita falta, sempre te xinguei quando tu tentava me abraçar, ou fazer algum carinho em mim... - sorri ao lembrar das vezes que a gente brigava por causa disso -Agora eu daria tudo pra receber um abraço seu.

As lágrimas, caiam lentamente dos meus olhos, eu me sentia tão culpada por às vezes ter sido tão fria, tão insensível, tão idiota com o Will.

–Eu te amo tanto, você é o meu melhor amigo... Preciso muito de você, acorde, por favor... - pedi pra ele. Não ouve resposta. Apertei com mais força a mão dele

–Por favor! Acorde! Você é o único que me entende Will! -eu gritava em desespero, sacudi-o, mas era tudo em vão. Deixei-me cair no chão e apenas chorei por um bom tempo.

Até que recebi uma ligação, do meu ''chefe''. Fazia dois meses que eu trabalhava pra esse cara, um traficante, que mandava garotos e garotas venderem drogas em festas, a gente vendia a droga, ganhava 30% de comissão. O cara era barra pesada, porém pagava bem. Ele havia me ligado para avisar que naquela noite eu trabalharia com outra garota, uma garota chamada ''Juliet''. Levantei-me do chão, limpei as lágrimas, e dei um beijo na testa de Will.

Era hora de trabalhar.

****

A garota que iria vender drogas comigo na festa, era uma menina chamada Juliet, o meu chefe me falou pelo celular, que era apenas eu chegar e esperar a menina na frente da boate, que ela viria até mim. Esperei por ela na frente da boate por alguns minutos. Nesses minutos recebi algumas dezenas de ligações, feitas pela minha mãe, as quais eu recusei todas. Depois de algum tempo uma garota de no máximo vinte anos veio até mim, de pele cor de pêssego, olhos verdes, e cabelo castanho, raspado em uma das laterais (corte undercut). Ela vestia calça jeans rasgadas nos joelhos, coturno, e uma jaqueta de couro, de lábios pintados de vermelho forte.

–Oi, parceira, vamos ao trabalho? - disse ela do nada.

–Você é a Juliet? - respondi meio sem jeito.

–Eu mesma na minha melhor forma.

Arqueei as sobrancelhas e fiquei olhando pra ela, não sei o porquê, mas aquela garota me intimidava. Ela pegou de um dos bolsos da jaqueta vários saquinho com cocaína e me entregou.

–Eu fico com os LSD e você com a coca!

Eu escondi os sacos com a droga nos bolsos do meu moletom, e fiquei meio brava com Juliet que me entregou as drogas assim na frente de todo mundo.

–Você tem que ser mais cuidadosa, não quero me fuder por causa dessa merda! - adverti.

Juliet revirou os olhos, e entrou na fila da boate, fui atrás dela. Seria uma longa noite, mas pelo menos iria me esquecer um pouco dos inúmeros problemas que eu teria que lidar no dia seguinte, ou melhor pelo resto do anos. Já dentro da festa, Juliet foi para um lado e eu para outro. Vender drogas em festas é algo fácil, todo mundo quer, todo mundo paga. Estava negociando algumas gramas de cocaína com uma garota quando ela me disse:

–Tá ligada que essa boate é amaldiçoada? -disse, ela colocando um pouco do pó diretamente no nariz e sugando.

–Como assim? - perguntei curiosa.

–Uma garota se matou aqui em 2010! Uma tal de Sophia Moore!

Fiz cara de espantada, peguei o pagamento, e não dei muito atenção para aquela garota, ela devia estar muito chapada ou algo do tipo. Em menos de 45 cinco minutos Juliet me encontrou no bar, eu já estava cansada, estava escorada na copa, ficar sóbria em uma festa é muito chato.

–Já vendi tudo! - disse ela animada.

–Nossa que legal pra você... -falei, fazendo questão de parecer desanimada.

–Ei garota, deixe de ser chata! - disse ela me dando um leve empurrãozinho. - Quantos saquinhos falta pra você vender ainda?

–Três.

–Faremos assim então, eu vendo os seus saquinhos, a gente curte o resto da festa, tudo por minha conta, topa?

–É né... Não tenho nada melhor pra faze, eu topo sim.

Juliet revirou os olhos e sorriu.

–Você não me convence encenando a garota 'indiferente'...

Antes que eu respondesse, ela me deu as costas e foi para a pista. Em menos de quinze minutos ela voltou.

–Como prometido, tudo vendido! Agora vamos foder com tudo! -gritou ela animada, me abraçando e pulando, não sei por que mas com aquela cena comecei a rir, e entrei no clima.

Várias dozes de tequila, depois somente vodka, algumas linhas de cocaína cheiradas, adesivos de LSD também. Na pista eu e Juliet dançávamos feito loucas, como se o mundo fosse acabar, eu dançava de olhos fechados, aos poucos sentia Juliet se aproximando cada vez mais de mim, logo suas mãos estavam em minha cintura, seus dedos começavam a caminhar pelo meu corpo.

–O que você esta fazendo Juliet? - perguntei sem abrir os olhos, eu estava gostando, era algo diferente e assustador mas eu estava gostando.

–Tocando você - ela sussurrou na minha orelha, naquele momento os pelos da minha nuca, se ouriçaram.

Abri os olhos, nós duas dançávamos coladas uma na outra, Juliet foi chegando cada vez mais perto, até que nossos lábios se tocaram, e a língua dela se enrolou na minha. O beijo dela era suave, gostoso. Eu estava beijando uma garota, e estava gostando.

–Vamos para minha casa? - falou, após me beijar, com um sorriso lindo no rosto.

–Vamos - eu não estava entendendo direito tudo aquilo, mas eu só queria me entregar a tudo aquilo.

***

Eu nunca tinha beijado uma garota, muito menos feito sexo com uma. Quando chegamos à casa de Juliet, eu ainda continuava muito bêbada e agitada pelo efeito das drogas. Juliet morava em um prédio um tanto antigo, porém o seu apartamento era algo muito cheio de estilo, a decoração mostrava claramente a personalidade dela. Pelo apartamento, vi vários cds, discos, a maioria de bandas de rock alternativo, como Paramore, My Chamical Romance, Kings of Leon.

–Vamos até o terraço? Ta sempre aberto lá - convidou ela, pegando uma garrafa de vinho na geladeira.

–Vamos. Você vai beber mais ainda?

–Eu nunca paro de beber, não sou fraca! Não fraquejo com álcool!

Eu ri, nós rimos, eu estava muito bêbada, e feliz, algo que há muito tempo eu não sentia. Juliet e eu ficamos lá, deitadas um bom tempo no terraço, tomando vinho, e observando o céu, que lentamente ia ficando rosa, formando um crepúsculo, em pouco tempo o sol nasceria.

–Hoje à noite, eu notei em seus olhos Sarah, que você realmente anda no limite, anda triste, revoltada.

Eu sorri, e mentalmente concordei, Juliet que me conhecia a apenas algumas horas tinha percebido isto. Enquanto muitos que me conheciam a anos, não tinham. Ela tocou na minha mão.

–Sei que tudo isso de ficar com uma garota deve ser novo para você.

Antes que Juliet respondesse algo eu apenas subi em cima dela, a beijei, depois a olhei nos olhos e disse:

–Eu não quero mais falar Juliet... Eu quero apenas sentir.

E eu senti. Senti a língua de Juliet percorrer o meu corpo, senti as mãos dela me acariciando e me apertando, senti seus beijos doces e molhados, senti sua língua entre minhas pernas fazendo com que eu chegasse rapidamente a um orgasmo. Logo depois disso não aconteceu muita coisa, Juliet adormeceu em meus braços. Depois de algum tempo me levantei e a deixei no terraço, peguei minhas roupas e fui embora. Sei que foi meio insensível e frio fazer isso, mas a maioria das minhas ações são assim. E no momento o que eu menos precisava era me ''apegar a alguém''. Caminhei até minha casa, fumando um baseado para ver se eu me acalmava e colocava os meus pensamentos em ordem.

O efeito da maconha em mim geralmente fazia isso, me deixava calma, e fazia com que eu me perdesse em pensamentos loucos, e os sons na minha volta pareciam ficar um tanto distorcidos.

Quando cheguei à frente da minha casa, vi que o carro da minha irmã estava ali. Resolvi então ir até os fundos, e subir pelo cano até janela do meu quarto, tudo para não ter que ver Karen ou Lauren.

Uma vez dentro do meu quarto, me deixei cair em cima da minha cama. Virei-me e vi em minha cômoda um retrato do ano do Halloween de 2011, na foto estava eu vestida de astronauta ao lado de Carl que estava de Super Homem, Will de Naruto e ao lado dele Frank de Homem aranha.

Nos quatro éramos inseparáveis desde a sétima série. Ao ver aquela foto eu podia lembrar perfeitamente de Frank e Will brigando no meio da rua, de Frank chamando Will de ''Lady'', naquele época eu nunca imaginaria que Frank amasse Will.

A dor no meu peito voltou. Aquela dor pela perda de Frank jamais passaria, e ela me corroía aos poucos.

–Você faz tanta falta Frank... - sussurrei, lágrimas quentes desceram pelas minhas bochechas - Eu preciso de vocês, de você Frank, e de ti Will...

Os meus pedidos eram em vãos nem Will nem Frank podiam ouvir, ou fazer aquela dor insuportável parar, mais uma vez eu caia no sono, em meio a lágrimas e soluços.