:- Você não quer?

Ela me perguntou mais uma vez e fiquei olhando para a sua mão por uns segundos, depois olhei para onde estávamos. E suspirei em conflito comigo mesma.

Naomi queria me ver e eu achei que não teria nada demais encontrar a amiga do meu irmão por aqui em Lagoa Azul, afinal qual seria o problema? Certo, ela cada vez mais quer ter a minha companhia, se é que vocês me entendem, ela faz de tudo para me agradar, fica sempre por perto e já não tem mais como eu ignorar isso.

Porém, hoje ela queria desabafar e então sim eu aceitei sair com ela. Estamos num lugar um pouco mais afastado no vilarejo, aqui já era o começo da primeira fazenda, era estranho porque estávamos no alto de um morro e de lá dava para ter uma vista linda e ainda assim ver o vilarejo, aqui era perfeito por que lá embaixo estava alguém que eu gostava muito de ter ao alcance da minha vista. El padre!

Ainda que já tenha passado uns quarenta minutos em que deixei de pensar que Alfonso estava tão perto, ele que sequer estava na minha mente, isso tudo porque Naomi exigiu minha atenção. Desde que a ela começou a falar eu só conseguia pensar em como me via naquela menina, o problema dela com a família, as brigas familiares, a buscar por ser quem é, a rebeldia da sua juventude...

:- Não vai me responder? – Ela soltou um riso baixo e eu olhei em seus olhos, o seu riso se foi.

...O consumo de drogas.

Olhei mais uma vez a sua mão com o saquinho de cocaína e era como se eu voltasse no passado e fosse engolida por trevas. Peguei o saquinho da mão dela e olhei para o conteúdo seria tão fácil, eu tinha feito isso milhares de vezes, algo aqui dentro queria tanto. Me dizendo que eu conseguiria me controlar, seria só essa vez. É como ter um monstro enjaulado dentro de si que naquele momento batia desesperado nas grades precisando de atenção tentando fazer com que eu dê ouvido.

Peguei o saquinho e pensei no monstro interno querendo me dominar, me persuadir. Engoli a saliva.

:- Não! – Eu falei não só para ela como para mim. E então olhei para a paisagem que nos rondava do lado em que estava em silêncio, o céu num tom de azul claro estava com nuvens em movimento, brancas, exuberantes. – Me dá esse baseado!

Ela me passou e eu dei um trago profundo enquanto guardava o saquinho no bolso do meu jeans.

:- Você está sendo careta, qual é? - Ela brincou tentando quebrar o clima que começava a ficar estranho e tenso.

:- Não entra nessa. – Eu disse séria a cortando.

:- Eu nunca usei. Quer dizer só fumo um baseado ás vezes. – ela confessou se explicando depois de um tempo percebendo que eu havia mudado a minha postura e que em vez de me agradar estava me aborrecendo.

:- Permaneça assim, não use. Você não precisa disso, é apenas um conselho que lhe dou. Se não quiser se destruir, não faça isso por mais que tenha raiva aí dentro, por mais solidão que tenha esse é um caminho tão sedutor que não percebemos o quanto perigoso ele é. – Eu dei mais um trago desejando que fosse uma droga mais forte, pode parecer contraditório, eu dar esse conselho e ainda assim querer algo mais pesado. Entretanto, eu sabia que quando eu ficasse sozinha seria terrível por que seria engolida pelo meu passado.

:- Me desculpe, eu trouxe porque eu pensei que gostaria. – Naomi voltou a falar. – É por isso que eu gosto de você! – Soltou logo em seguida em um tom mais leve e eu a encarei esperando a explicação.

:- Por ter vivido inúmeras loucuras, por ter um passado que nenhuma pessoa conservadora admira, isso faz terem uma imagem errada que você é uma mulher má que leva as pessoas para o mal caminho. Quando na verdade, você aconselha, cuida e mostra o bom caminho porque justamente você não é um bom exemplo. – Ela sorriu ao falar de mim. E se aproximou mais, eu só conseguia ficar quieta e fumando. – Pode parecer loucura, mas eu me sinto muito bem quando estou com você, como nunca estive com mais ninguém. Você me entende! – Desviei o olhar do seu rosto para ver suas mãos que estavam trêmulas. Mais um passo e ela estava na minha frente. – Eu gosto de você, Dulce! – Sua voz mal saiu e dizer que o que veio a seguir foi uma surpresa, eu estaria mentindo.

Naomi avançou a nossa pequena distância e colocou sua boca sobre a minha gentilmente, com insegurança e uma doçura ao mesmo tempo, ela me dava todos os sinais e eu conseguia ler. Só que agora era o momento de fazê-la voltar para a realidade.

Eu coloquei minha mão em seu braço e a empurrei, talvez eu tenha usado mais força do que deveria e a minha atitude em si além de rejeição foi brusca.

Porque ela se afastou assustada e com os olhos arregalados, tentava entender a situação. O fato de ter fumado já muitos baseados com ela na nossa chegada até aqui, talvez tenha influenciado nas minhas ações agora. Eu estava inexpressiva ao encará-la! Isso fez com que ela tivesse uma interpretação errada. Merda!

:- Você é uma hipócrita assim como os outros, deve ter nojo de mim. Verdade? Eu deveria ter desconfiado disso, mas sou uma boba por me iludir achando que você ficaria comigo. - Naomi se afastou começando a falar desesperadamente, me olhava raiva e eu não conseguia me justificar porque ela não me deixava falar. Quando abria a boca para tentar falar algo, ela continuava falando sobre si e o quanto tinha errado. Eu já não conseguia nem a escutar direito. Eu caminhei até onde ela estava e a parei segurando pelo ombro e lhe dei um beijo, não como ela tinha feito de forma sutil quase medrosa que não passou de um encostar de lábios. Foi um beijo de língua rápido e que ela me correspondeu timidamente.

:- Era isso o que você queria? - Perguntei séria vendo ela agora assustada por não esperar essa minha atitude. – Não sou o que você pensa, não pode chegar me beijar e achar que tudo vai seguir como suas ilusões. A vida real é diferente, Naomi. Não foi o beijo que você sonhava verdade? Eu aposto que não. Não foi nada romântico.

E em meio a sua confusão eu vi Naomi, concordar com a cabeça, eu tinha que ser empática, já tive a sua idade, já fantasiei como ela, já fantasiei situações que eram ilusões criadas apenas na minha cabeça ou em meu coração.

:- O beijo não foi o que você esperava porque eu não sinto o mesmo que você. Te vejo como um linda garota, mas não me atraio por você! Esse beijo não me fez diferença alguma, me desculpe ser sincera, só que não posso te dar nenhum tipo de abertura para você fantasiar com algo rolando entre nós por que isso não vai acontecer!

:- Me desculpe, eu... – Ela não sabia o que me dizer e agora eu via a vergonha nos seus olhos.

:- Não tem que se desculpar não sei da sua vida, mas se alguém te disse que sente nojo de você, essa pessoa está errada. Não existe nada de nojento e nem errado em ser quem você é e sentir o que está sentindo. Eu sou bissexual, mas não sou hipócrita e nunca te olhei com outros olhos. Eu seria hipócrita se deixasse você pensar que tem alguma chance. – Ela arregalou os olhos com a revelação. Ficou calada. – Você é uma garota linda, inteligente, nova e tem toda uma vida pela frente e se quer mesmo um relacionamento, vai encontrar alguém, seja homem ou mulher, por essa pessoa vai se apaixonar de verdade e plenamente.

:- Uma mulher. – Ela disse baixo e eu precisei aproximar para escutar melhor. – Vou encontrar uma mulher por quem vou me apaixonar. – Eu sorri fechado pela então revelação dela.

:- Somos amigas ainda, verdade? Sem espaço para qualquer clima ruim? - Eu perguntei com receio de perder a amizade dela. E ela apenas assentiu e eu vi a vergonha que ela sentia ir embora, não deixava de ser uma rejeição, mas ela vai superar isso logo por experiência própria, disso eu tenho certeza.

:- Somos. – Ela veio me abraçar apertado. Eu gostava dela! – Eu estou louca ou o efeito do baseado esta surgindo agora? - Ela comentou e eu vi os olhos dela ficando vermelhos, ela deveria ter fumado para ter o impulso de fazer o que fez. Típico dessa idade fazer isso e para algumas pessoas é comum se esconder atrás desses artifícios.

Nós ficamos conversando o resto do seu horário livre depois ela tinha que ir para sua aula na faculdade que ficava na Capital, tinha muito chão pela frente até chegar. Nos despedimos depois que ela negou a oferta de carona que eu dei, disse que precisava ficar sozinha para pensar.

Eu a entendia, porque também precisava fazer o mesmo, esse acontecimento e o fato de ter fumado depois de tanto tempo me abriu as portas do passado. Era como abrir minha caixa de Pandora, eu mesmo sabendo que maconha não tinha mais o mesmo efeito que antes, me deixei levar por lembranças. Sentei no gramado e terminei o baseado olhando para a paisagem que podia estar inspirar a qualquer pintor.

Escutei alguém se aproximar e eu me torci para ver quem era. Ele, por quem eu acordo pensando praticamente todos os dias desde a sua chegada.

:- Oi, você está bem? – Ele perguntou longe ainda de mim.

:- Não. Mas, vou ficar. – Respondi, virando o meu corpo para frente tentando não ficar abalada com a presença dele, onde eu estava sentada fiquei olhando para o céu azul claro, ouvindo o vento batendo nas folhas das árvores.

:- Quer companhia? - Ele perguntou e eu senti que tinha receio de se aproximar e de estar invadindo o meu espaço, quis sorrir, ele era tão diferente dos homens que eu conheço.

:- Se você quiser me fazer companhia, tem um espaço aqui do meu lado. – Eu bati na grama para ele se sentar e me concentrei em esconder minhas emoções.

Ele se sentou e não me falou nada e nem eu fiquei com vontade de falar, estava apreciando o momento, ele conseguia ganhar minha atenção facilmente, naquele momento tinha um perfume muito forte. Era gostoso, eu passei a respirar mais profundamente.

:- Eu acabei vendo tudo o que aconteceu. – Ele puxou conversa e quando olhei para ele, estava olhando para a grama, estava mastigando uma palha. Ele tinha tirado a barba que estava no seu rosto desde sua chegada ao vilarejo e a agora tinha a pele lisa que me fazia querer tocar, estava usando uma camisa xadrez azul e preto, botas marrons e calça jeans preta, a corrente com o a cruz de prata estava em seu pescoço, ele do meu lado com uma perna dobrada e a outra esticada parecia ter saído direito de um filme de velho oeste, ou para ser bem sincera, de algum filme erótico onde o protagonista é cowboy, eu teria facilmente algum tipo de sonho erótico com ele, um pecado, ainda que eu não tenha religião. – Ficou aí por tanto tempo que pensei que precisava de alguém para desabafar.

:- Perdão, padre, eu pequei! – Eu usei um tom sarcástico admito, mas me arrependi no mesmo instante por ver a expressão séria que ele fez.

:- Não brinque com essas coisas. – Ele comentou.

:- É impressão minha ou você não gosta de mim? - Eu perguntei o olhando de baixo pra cima, estava curiosa com a resposta ignorando como a conversa começou.

:- Não entendi essa pergunta.

:- Não entendeu ou não quer me responder? - Eu estava bem interessada na resposta pensando nos encontros que tivemos, ou melhor, que eu fiz com que acontecessem durante a semana. Ele se esquivava não me dava espaço para me aproximar.

Ficou calado durante alguns segundos me encarando, tirou a palha da boca e voltou a falar.

:- Você está desviando do assunto para que eu me afaste com essas perguntas, parece usar mais uma de suas máscaras para que eu não veja quem você é de verdade. – Ele me disse.

Me fez até esquecer o desejo que eu sempre sinto quando o vejo e todas as provocações que poderia fazer, é como se ao escutar essa fala quebrasse algo, talvez essa máscara de mulher sedutora e durona caiu e ele visse a mulher fragilizada que eu escondo aqui dentro. Imediatamente meus olhos se encheram de lágrimas, estava o meu íntimo exposto ele conseguiu chegar ali sem nenhuma barreira.

:- Desculpe! – Ele voltou a falar sensibilizado com meu estado ao olhar meus olhos, não imaginava que desencadearia isso.

:- Não há o que se desculpar. Sabe eu não consigo me lembrar qual foi a última vez em que eu chorei, isso pode parecer tão estranho de escutar, mas estou pensando nisso agora. – Eu sorri triste e com os lábios fechados e ao fechar os olhos minhas lágrimas desceram. Aquelas que eu carrego durante tanto tempo e não as solto, elas podem ser de quando eu tinha vinte anos e estava com saudade da minha família ou aos dezessete e tomei bronca do meu pai. Faz muito tempo em que não choro. Eu estou me sentindo amedrontada. – Confessei.

:- Pela a cena que eu vi?

:- Não é isso. O que você viu pode ser uma cena interpretada de diversas maneiras, eu sei o que alguns andam falando por aí de mim. Mal. A mulher que traiu o namorado, que é uma pervertida, viciada em sexo, que desvirtua os jovens para o caminho das drogas, do álcool. Que não sabe o que quer da vida, que abandonou a família. Blá blá blá. Eu sei o que falaram sobre mim. Quem fez isso e claro devem ter feito isso para você. – Eu dei os ombros. – Agora pense se me vissem beijando uma menina mais nova do que eu? Eu seria a festa dos fofoqueiros maldosos de plantão.

:- Eu não vou falar absolutamente nada a ninguém. – Ele me garantiu.

:- Eu sei que não! – Concordei, ele não tinha esse perfil, conhecia pouco sobre ele, mas o suficiente para saber que isso ele não faria. – Mas, você pode-se deixar levar por essas pessoas mal intencionadas, não acha? – Antes que ele negasse o que eu disse continuei a falar. – Vendo apenas a cena que você viu, estávamos fumando um baseado, ela me beija depois eu a beijo e assim conversamos antes dela ir. Se fosse qualquer pessoa daqui que não gosta de mim. Diria que eu era no mínimo uma mulher sem moral. Na sua cabeça deve pensar assim, será que o que dizem é verdade?

:- O que aconteceu realmente? – Ele me questionou e eu fiquei surpresa por mais que eu tentasse uma maior aproximação ele sempre me evitava, agora ele estava agindo diferente.

:- Quando somos mais jovens temos mais sentimentos e emoções, são tantas que ainda não sabemos diferencia-las, ela foi deixando a admiração que tem por mim. Se tornar algo romantizado, achando que eu também sentia o mesmo. Nesse caso passou a me agradar, a se aproximar mais, a usar válvulas de escape para sua raiva ou solidão. – Eu tirei do bolso o saquinho e mostrei a ele, que ficou mais sério e atento ao me escutar.

:- Ela se apaixonou por você. – Ele comentou pensativo, distante. – O que conversaram? Ela parecia confusa, porém bem quando saiu. Você que não me parece bem.

:- Eu a aconselhei, sem drogas pesadas como estas. Eu tive que ser sincera também para fazê-la enxergar que eu a vejo apenas como uma nova amiga. Eu tenho um carinho fraternal por ela! – Disse pensando em Naomi e também aliviada por saber que não perdi a amizade daquela menina. Depois fiquei séria o vendo segurar o saquinho nas mãos. – Imagine Alfonso, ela conseguiu cocaína achando que iria me agradar! Logo cocaína, saquinhos como estes já me levaram a ruína. É sobre isso que eu estava pensando desde que ela saiu.

:- O seu passado ainda te faz mal. – Ele comentou mais para ele mesmo do que para mim. Era como concluir um pensamento e dizer em voz alta imediatamente. Ele me olhou nos olhos e não me disse nada, eu estava envolvida por algo que não saberia explicar, era como se ele me pedisse para me abrir mais com ele. Algo que eu fiz sequer com meu namorado que inclusive há horas eu não falo, depois de espantar Paco dos meus pensamentos, olhei para frente vendo um passarinho voando em volta de uma árvore, eu estava completamente envolvida pela situação se eu me arrepender depois disso coloco a culpa na maconha.

:- Eu sempre fui apaixonada pela vida, eu gosto de viver e como sou 8 ou 80, depois que minha mãe morreu a maior lição que eu tive é que a vida é curta. Não era apenas uma frase clichê, as minhas paixões foram me levando para o meu caminho. Primeiro me apaixonei pela música, a guitarra é quase uma extensão do meu corpo – fechei os olhos por agora já estar com o meu passado em mente e sorri ao lembrar do começo. – Estar num palco e tocar era onde eu me sentia plena, isso dominou tanto minha vida que eu tive que escolher entre ficar com a minha família ou o que era o meu destino. Eu amo minha família, mas precisava viver minha história. Estava numa banda, fazia sucesso cada vez mais shows, mais público, mais energia, mais música, mais pressão, mais obrigação, mais estresse. Em meio essa loucura eu me apaixonei por Steve Woody – Abri os olhos para suspirar e aproveitei para olhar a Alfonso ele estava tão concentrado no que eu contava que seu corpo estava voltado na minha direção, bem perto um do outro.

:- Ele era o vocalista da banda, começamos um namoro conturbado com muita paixão, sexo, aventuras e drogas. Ele foi o meu primeiro amor! Definitivamente, eu era completamente louca por ele, beirava a insanidade, fui seduzida como a Arlequina pelo Coringa. Com ele eu aprendi a tocar melhor guitarra, a me expressa ao compor uma canção, com ele eu tive o meu primeiro orgasmo, descobri minha bissexualidade, com ele fiz minha primeira tatuagem, com ele tive meu primeiro porre, com ele fumei meu primeiro cigarro, baseado, experimentei cocaína. – Dei uma pausa. – Muitos dizem que ele me levou para o mau caminho, quando na verdade eu quis tudo aquilo, não me arrependo de nada. Das vezes que fui presa por desacato, por usar drogas ilegais, das festas insanas que tinha muita droga, sexo e rock ‘n roll. A cada vez que a banda fazia mais sucesso, tínhamos mais pressões, o nosso namoro apesar das brigas estava mais forte por que em meio à solidão da escalada ao topo, tínhamos um ao outro. Só que chegou num momento que era demais para Steve suportar e ele estava ficando completamente louco, se esquecia das canções, brigava muito, os julgamentos era o que o fazia pirar. Isso o fez me trair. E não foi com nenhuma mulher por aí, nem com nenhum homem, afinal já exploramos muito a nossa sexualidade durante aquele tempo, ele me traiu com as drogas. No nosso ápice ele se entrou a loucura, misturou cocaína, com álcool, e eu o vi ter uma overdose que o levou ao óbito. – Disse seca.

Mergulhada no meu vazio interior voltei a falar o que eu não dizia a ninguém durante muitos anos, aquela era uma ferida que me sangrava por dentro que há anos eu cuido tentativas falhas já que ela não vira uma cicatriz.

:- Ver o meu amor morto em meus braços e ser impotente, naquele dia Steve levou uma parte minha consigo. No meu luto eu deixei de ser quem eu era, deixei a banda que acabou pouco tempo depois, deixei minha guitarra de lado para ser fotógrafa, deixei a loucura que era fazer parte de uma banda de sucesso. Eu entrei numa clínica de reabilitação para nunca mais usar cocaína na minha vida, foi um processo difícil, mas eu consegui passar por isso. Hoje por mais que sinta a vontade de experimentar a euforia e o prazer que a cocaína me dava, eu só me lembro de Steve morto e só me vem dor a mente e ao meu corpo.

Alfonso não falou absolutamente nada e eu acho que ficamos em silêncio por muito tempo. Eu tinha que mais uma vez lamber minha ferida para voltar a mim. Ali lado a lado os dois calados, olhando para nossa paisagem.

:- Você não é nada do que alguns dizem por aí. – Ele comentou depois de sei lá quanto tempo em silêncio. – É uma mulher incrivelmente forte. – Eu lhe dei um sorriso aberto pela primeira vez e voltamos a olhar o sol que agora estava indo embora, era uma cena de tirar o fôlego. – Você tem razão.

:- No que Alfonso? – Eu perguntei, mas continuei olhando para o céu agora em vários tons de azul, amarelo, laranja e até rosa.

:- Não gostava de você. – Ele foi sincero e eu soltei um riso por achar engraçado tudo aquilo apesar do significado. – Não foi pelo o que me disseram. Implicava com você pela forma como me abordava, parecia me comer com os olhos, me cercava e eu me sentia desconfortável. Até esse encontro onde finalmente pude ver a mulher que você é.

:- Não se iluda, não sou apenas isso que você viu. Não me coloque num potinho de proteção por minha história trágica, eu não sou uma boa garota. – Comentei.

:- Não vou fazer isso. – Ele me garantiu e eu sentia muito mais relaxado com minha presença. – A propósito, pode me chamar de Poncho, é assim que os meus amigos me chamam.

:- Então agora somos amigos? – Eu levantei a sobrancelha ficando bem contente com essa informação. Ele assentiu me respondendo quando eu o olhei, é talvez essa merda de voltar ao passado tenha me trazido algo bom.

:- Então quem sabe algum dia, amigo, você me conte a sua história. – Eu falei depois de sentar mais próxima dele, estávamos quase colados, ele não se afastou como das outras vezes, olhei para a cruz que ele carregava no peito, a camisa estava um pouco aberta deixando minha visão mais interessante ainda.

:- Em um segundo encontro talvez. - Ele deixou um mistério no ar e eu sorri voltando a deixar me contaminar pelo desejo que sinto por ele.

:- Eu ainda vou te comer com os olhos, amigo. – Eu disse o fazendo me encarar assustado, e eu dei risada para olhar para frente. – É brincadeira. – Ou não eu pensei de qualquer forma agora ele ria comigo e não via no meu rosto que aquela brincadeira tinha fundo de verdade.

Pensei que ás vezes eu uso máscara mesmo para disfarçar o que não quero que enxerguem, mas isso não significa que talvez eu tenha me enganado, eu não tenho uma máscara de mulher sedutora, esse lado faz parte do meu ser, eu só tenho que saber o momento certo para usar. Afinal eu tenho vivências para ser assim e eu estava completamente atraída por aquele homem desde a primeira vez que eu o vi.

Eres como una mariposa

vuelas y te posas vas de boca en boca

facil y ligera de quien te provoca

Mariposa Traicionera - Maná

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