Naquele único segundo, o sorriso esperançoso e de confiança se transformou numa expressão vazia, de choque e surpresa. Os gritos se abafavam na medida que o garoto caia, e por incrível que pareça, não sentia dor nem mesmo com aquela lâmina em sua garganta.

Apesar de sempre elétrico, Pietro se viu pela primeira vez calmo, neutro finalmente. Uma paz invadiu seu peito, e aos poucos os olhos foram se fechando. A luz do sol foi trocada pela aurora boreal que iluminava aquele deserto, e quando notou, já estava sendo consumido pela areia.

Pietro estava morto.

— PIETRO! — gritou seu irmão, segurado por Eivor.

— Abaixem-se!

A ordem do Ackerman foi ligeira, e antes que pudessem gastar seu tempo com ódio, ele se projetou contra Sigurd e o jogou no chão.

Ellie gritou desesperada enquanto adentrava a nuca mais uma vez e seu titã gritava naquele misto assustador de vozes. O Mandíbula, em situação parecida, deixou suas garras saírem e se preparou para avançar, enquanto o exército eldiano iniciava os tiros.

— Eu vou matar todos vocês!

Ellie era consumida pelo ódio no interior do Titã de Ataque, que tinha os olhos mais determinados e brilhantes do que nunca, direcionados à Helos.

— RECUAR!

Ordenou o herói Marleyano, e seu cavalo deu meia volta junto ao restante, fugindo dali rapidamente.

— Eu não vou deixar!

Ellie exclamou mais uma vez, iniciando um avanço na direção do homem. Faltava tão pouco para destruir aquele portão, até que ela olhou para cima e viu os inúmeros canhões apontados para si.

— Disparem!

Nunca viu tantas balas de canhões juntas, e certamente se arrependia de ter avançado tão inconscientemente. Seu braço foi usado de escudo, mas não demorou muito para, aos poucos, ter a carne atravessada, jorrando sangue para todos os lados. O osso foi quebrado e desta vez o braço desabou no chão. Junto a um grande rugido, inúmeros disparos atingiram a face do Titã de Ataque, que completamente deformado, caiu já sem reação no chão, se perdendo entre o vapor e a nuvem de poeira.

— Droga! — Ethan, no interior do Titã Mandíbula, não tinha opção senão recuar. Os disparos rachavam a proteção natural de sua face, fazendo um de seus olhos cair na altura do queixo.

Os disparos dos mosquetes dos eldianos atingiam inúmeros soldados marleyanos, que revidavam na mesma moeda. Mesmo em desvantagem numérica, eram soldados incrivelmente fortes que pareciam determinados a segurá-los por seu líder: Helos.

— Ellie! — exclamou Akira, ainda escondido. Estava nitidamente abatido pela morte de Pietro e a queda do Titã de Ataque, mais determinado do que nunca. Olhou de canto e teve a visão breve de Helos escapando junto a alguns de seus soldados. — Eu não vou deixar...

Tão ágil quanto Eivor, Akira saltou daquela casa direto para o ar, ativando o mecanismo de gás nos seus pés para voar sobre a muralha. Tomado pelo ódio, Akira estava passando por cima do tiroteio quando ouviu um grito:

— Estão tentando passar por cima da muralha!

Era de um soldado marleyano, que imediatamente recebeu sua atenção. Com os cabelos ao vento e imóvel no ar, Akira viu todas aquelas armas virarem para ele, o que o fez rodopiar no ar e assumir uma posição defensiva – que dificilmente iria funcionar contra todos aqueles homens.

De repente, emergindo do vapor com tanta velocidade quanto caiu, o Titã de Ataque ressurge. Seu rosto deformado era tomado por uma pele negra, em chamas. O braço arrancado também estava ali, parcialmente regenerado embora também tomado por fogo e vapor. Um novo rugido surgiu, ainda mais intenso que os outros, e com um tapa, destruiu todas tropas que atrapalhavam Akira.

Os homens foram esmagados imediatamente, e mais uma vez o Titã de Ataque desabou.

— Mate ele... Akira. — Foram as últimas palavras de Ellie no interior do titã, completamente fadigada.

— Ellie... — Akira viu o titã se afundando mais uma vez na fumaça, e imediatamente assumiu um semblante furioso, direcionado aos cavalos de Helos. Cerrou os punhos e segurou firme em suas espadas, tinha que acabar aquilo ali mesmo.

Os soldados de Helos olhavam para trás com espanto: lá estava Akira, completamente furioso enquanto se aproximava mais e mais numa velocidade assustadora.

— Eu sei. — disse Helos, antes que o soldado o alertasse.

Com um semblante assustador, Akira apostou tudo num movimento: os cilindros se esvaziaram imediatamente quando ele, num ágil movimento, deu um dash em direção aos soldados, penetrando a formação. Com fúria, girou entorno de seu próprio eixo com suas espadas em mãos, destruindo os dois soldados que estavam na retaguarda da formação.

Estava prestes a perder força, estendendo seu braço para Helos. Com tudo que tinha, o puxou pelo traje e o tirou do cavalo, caindo em alta velocidade e rodando no chão junto a ele.

Mesmo com arranhões por todo corpo, tanto Akira quanto Helos se ergueram. Os soldados marleyanos restantes desceram para acabar com o Ackerman, que agiu rápido.

Um corte limpo foi defendido por Helos, com sua própria espada. Num giro, o Azumabito cortou a garganta de um soldado, girou novamente, fincou a outra espada no estômago de outro e, por muito pouco, defendeu uma tentativa do próprio Helos de o matar. Com um suspiro raivoso, Akira desferiu um chute contra o joelho de Helos, desequilibrando-o. Estava prestes a matá-lo quando um tiro de mosquete veio do lado, obrigando-o a esquivar; em seguida arrancou a cabeça do soldado com um corte limpo, e quando uma última guerreira ergueu seu armamento, Akira deu-lhe um chute na barriga que a ejetou para longe.

E finalmente Akira e Helos estavam sozinhos. O Ackerman tentou um corte horizontal, mas Helos esquivou para trás. O herói marleyano tentou um movimento semelhante, mas Akira esquivou-se e devolveu num golpe certeiro: atravessou o ombro de Helos e o fez grunhir de dor.

O loiro recuou alguns passos. Apesar de ser um grande guerreiro, Akira estava tomado pela fúria de um Ackerman, impiedoso como nunca. Helos tentou mais um golpe, de cima para baixo; Akira defendeu com uma espada, e com a outra, fez um fundo corte numa das pernas do marleyano. Antes que pudesse gemer de dor, foi surpreendido com um fatal movimento: a lâmina de Akira passou por todo peitoral e abdômen do homem, jorrando sangue. O corte era muito fundo.

— Eu vou te matar! — exclamou Akira.

Helos desabou contra o chão, hesitante. O Ackerman, impiedoso, não pouparia o marleyano por nada naquele instante, ergueu sua espada e estava prestes a atravessar o crânio de Helos.

Foi quando ouviu o disparo de uma arma.

Akira não teve tempo de raciocínio, e a última coisa que viu foi o olhar furioso daquela morena que poupou com um chute, com um mosquete nas mãos. Agora, seu sangue era o que jorrava, pouco acima de seu peito. Sentia o líquido rubra mergulhar seu uniforme; a visão ficou embaçada, e não teve outra escolha senão se arrastar dali em alta velocidade.

Correu para evitar sua morte iminente, enquanto as gotas de sangue manchavam o gramado. Fraco, tudo que ouviu foi uma voz suave.

"Eu quero que tenha uma vida que possa se orgulhar."

Era sua mãe.

Mas fracassou. Fracassou em matar Helos. Fracassou em terminar aquela maldita guerra. Fracassou em ter uma boa vida.

— Me desculpe, mãe...

E apagou.