Sem Final Feliz

Capítulo 1. Primeiro Estágio: Negação


I.

Não era para acabar assim.

Não faz sentido. Não considerando todas as coisas pelas quais elas passaram, ou quem elas realmente são (um segredo que compartilham, um passado que deixaram para trás).

Regina nunca esperou um final feliz. Bem, isso não é totalmente verdade. Houve um tempo em que sim.

Há muito, muito tempo...

Quando ela ainda era jovem, ingênua e experimentava os efeitos inebriantes de seu primeiro amor.

Seu nome era Daniel e a única coisa que resta dele agora é uma memória agridoce de todas as coisas que poderiam ter sido, mas nunca foram. Isso, e a escuridão que a consumiu depois de perdê-lo e se perder no processo.

Demorou 28 anos, uma maldição e o fruto de um amor verdadeiro até que Regina pudesse finalmente encontrar um pouco de felicidade novamente.

E foi o que ela fez. Ou, pensando bem, a felicidade a encontrou.

E é diferente de tudo que ela poderia ter imaginado ou sonhado.

Essa vida que ela tem agora não é perfeita, longe disso realmente.

A vida que ela tem hoje é barulhenta e cheia de caos em uma casa de dois andares que não parece grande o suficiente para os membros longos de seu filho adolescente e seu jeito desastrado (uma herança genética), ou a coleção terrível de botas e jaquetas de couro de sua mãe biológica e a constante tagarelice e risos dos dois pequenos.

São brigas sobre de quem é a vez de lavar a louça, por favor, desligue a TV, coma suas ervilhas, não puxe o cabelo da sua irmã, use suas próprias palavras (obrigado por isso, Srta. Swan. De nada, Vossa Majestade), você pode pegar as crianças na escola hoje, adivinhe? seu filho não parece achar necessário ir para a faculdade, por que você é tão impossível? por que você é sempre tão inflexível? shush, você vai acordar as crianças. sem TV até você fazer suas tarefas, por que você os deixou ficar acordados até tarde? não fale com sua mãe nesse tom, mocinha, você deu açúcar a eles antes do jantar de novo? quantas vezes eu tenho que me repetir? por que você sempre me faz parecer a vilã da história? E não ouse rir! talvez eu deva ir à reunião de pais e mestres desta vez, por quê? e o sorriso contido de Emma quando ela admite a possibilidade de você ser uma figura um tanto intimidante para a professora da segunda série de sua filha e então você apenas joga um dos travesseiros nela porque como é possível que alguém seja cativante e completamente enlouquecedora ao mesmo tempo?

Não, a vida dela não é perfeita. Sua casa não é perfeita, nem seu casamento, ou seus filhos e, especialmente, ela mesma. Ela nunca poderia ser, não quando A Rainha Má sempre será parte de seu passado.

Mas Regina aceitou isso. Demorou muito e lhe custou muito esforço, muitas brigas, lágrimas, objetos quebrados e sexo de reconciliação, desculpas sussurradas no meio entre beijos úmidos e soluços, na penumbra de seu quarto, na maciez de sua cama, noites e noites a fio.

Palavras pressionadas contra sua pele por lábios macios até finalmente permearem seu coração.

E enfim a felicidade encontrou Regina.

E não é nada sequer próximo do que Regina esperava que fosse. Mas só porque é muito, muito melhor.

Porque não é perfeito, mas é real. E agora, agora ela simplesmente não consegue abrir mão.

E mais uma vez, como tantas coisas em sua vida, não há nada que ela possa realmente fazer a respeito.

É cruel e definitivo.

É uma sensação familiar se encontrar na beira de um abismo tão completamente consciente de sua queda inevitável. Só que dessa vez é infinitamente pior porque onde antes havia apenas a ideia do que ela poderia estar perdendo, possibilidades e expectativas, agora... Agora Regina exatamente o quão preciosa é a vida que ela tem. E quão pouco tempo lhe resta.

Isso a faz querer gritar, correr, lançar uma maldição e parar o tempo.

Novamente.

E ainda assim ela não ousaria fazer nenhuma dessas coisas. Não mais. Não essa Regina que ela agora.

Porque há felicidade em sua vida.

Algo em que se segurar. Algo para ancorá-la. Todas as pessoas que ela ama e a sensação de ser amada por elas. Seu filho adolescente que não a olha mais como uma vilã, apenas como sua mãe. O garoto que tem vergonha de ser beijado por ela em público, mas que não cresceu o suficiente a ponto de não a deixar cuidar dele sempre que se sente mal. Existem seus filhos lindos que olham para ela com nada além de amor e confiança e, às vezes, aborrecimento porque é claro que ela seria a figura de autoridade quando se trata de sua educação. E há sua linda esposa que lhe dá beijos com gosto de café pela manhã e nunca sai de casa sem pressionar "eu te amo" contra os lábios.

Sua família.

Sua família.

E tudo isso (eles) é muito mais do que ela acreditava merecer. Muito mais do que ela pensava ser possível, depois de todos aqueles anos e todas as lágrimas que derramou.

Sentada em uma cadeira desconfortável no consultório médico, sem conseguir respirar, sem nem mesmo se mover quando o homem à sua frente expressa seu maior medo por meio de palavras secas, Regina não consegue evitar de se surpreender ao perceber que este é o fim da linha.

Para sua surpresa, não é uma maldição que a impedirá de ver o sorriso no rosto de seus filhos por muito mais tempo ou de acordar outro dia ao lado da salvadora (sua salvadora).

Não. Não será magia; Negra ou branca. Ou as ações de vingança dos inimigos que ela deixou para trás, em outra vida.

Ela quase sente vontade de rir (o tipo de riso histérico e desesperado que borbulha em sua garganta deixando um gosto amargo em sua boca) só porque chega a ser estúpido pensar que a Rainha Má possa ser vencida por uma coisa tão banal quanto uma simples mancha. Uma traição de seu próprio corpo.

Melanoma. Estágio quatro.

Talvez tudo isso seja algum tipo de piada cósmica ou justiça divina, afinal. A escuridão que possuiu seu coração por tanto tempo, manifestando-se fisicamente, reivindicando seu corpo.

Uma vez revelado o diagnóstico não há muito que Regina realmente ouça, apenas trechos e passagens de detalhes técnicos com os quais ela se preocupa pouco e a única coisa que de fato ela registra: quanto tempo ainda lhe resta.

Seis meses, talvez um ano. É difícil dizer.

As palavras partem seu coração de maneira que ela não acreditava ser possível, de tal forma que nenhum coração possa sobreviver, simplesmente porque tudo que ela consegue pensar é: não é tempo suficiente.

É demais.

Certamente mais do que ela pode suportar de uma vez, e de repente Regina precisa de ar e estar sozinha, porque as lágrimas estão chegando e nunca foi sua natureza derrama-las na frente de estranhos.

O médico mostra-se preocupado com sua repentina urgência em partir. Regina nem se preza a oferecer uma desculpa qualquer enquanto busca a saída mais próxima. Lá fora, no corredor, o coração batendo forte e os olhos fechados, ela ouve uma voz falando com ela. A enfermeira pergunta se há alguém para quem ela possa ligar, talvez um membro da família.

Regina pensa em sua família e sufoca um soluço.

Não há necessidade, ela ouve a si mesma dizendo, usando a voz imperiosa que outrora pertenceu à prefeita de uma pequena cidade perdida no Maine. Uma voz que ela não usa há muito tempo.

Do lado de fora do prédio, o vento está frio, embora o sol encontre-se perfeitamente visível no céu. Os sons da cidade atingem Regina de uma só vez e por um breve momento tudo que ela pode fazer é observar as pessoas ao seu redor enquanto estas continuam com suas vidas.

Como se absolutamente nada tivesse mudado.

É um dia ensolarado em Boston.

E então seu celular toca dentro de sua bolsa e a realidade retoma seus contornos afiados e rápidos. Pelo visor do telefone, ela reconhece o nome de Emma e imediatamente Regina leva o dispositivo ao ouvido.

A única coisa que ela precisa agora é ouvir a voz de sua esposa.

Então ela saberá o que fazer.

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II.

“Isso não pode estar acontecendo”, Emma deixa escapar as palavras em um suspiro sem fôlego, não ousando olhar para Regina, focando sua atenção nas carícias suaves que sua esposa instintivamente oferece em sua perna.

Sentadas na cama, o quarto meio iluminado pelo brilho do abajur na mesinha de cabeceira, elas falam em voz baixa, embora já tenha passado da hora de dormir das crianças e todos estejam entregues ao mais profundo sono.

"Sinto muito, minha querida." Quando Emma levanta os olhos, é apenas para encontrar aqueles olhos escuros e compassivos, brilhando com nada além de amor. E tanta tristeza que suas lágrimas mal podem ser contidas também.

Ela não pode aceitar isso. Ela não vai.

"Deve haver uma maneira." Sua voz pode falhar, mas sua determinação não.

"Emma, ​​os médicos disseram...”

“Uma forma mágica então. Uma poção, uma maldição, um acordo com Rumplestiltskin, eu não me importo!”

"Eu sim! Essa não é mais a nossa vida.” Regina responde freneticamente, mas então ela parece pensar melhor e cede, sua voz sob controle. “Quando você decidiu deixar Storybrooke comigo, nós deixamos todas essas coisas para trás.”

“Nós voltamos então!”

"Querida, você sabe que essa não é uma opção."

"Não! Dizer aos nossos filhos que a mãe deles vai morrer não é uma opção! Você, me deixando, isso não é uma opção!" Regina toca seu rosto então, um sorriso triste e contido tremendo em seus próprios lábios, sua palma aberta recolhendo as lágrimas de Emma - aquelas que conseguiram escapar.

“Você esquece meu amor, a barreira, eu não seria capaz de...”

“Mas eu posso”, Emma responde sem deixar abalar sua resolução, o fogo queimando em seus olhos com um desespero que Regina reconhece facilmente, sentindo a mesma coisa, embora tente manter seus sentimentos para si mesma.

A determinação feroz que Emma demonstra, junto com sua teimosia cega, é tudo menos uma surpresa. "Eu posso Regina, e eu vou."

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III.

Bem-vindo a Storybrooke.

Muito tempo se passou desde que Emma se deparou com essas palavras. Mais do que ela jamais pensou que seria quando partiu há tantos anos.

Acontece que deixar Storybrooke com Regina foi a linha final - ou pelo menos foi essa a determinação de seus pais.

David e Mary Margaret.

Charming e Snow White.

Parece quase uma eternidade desde que Emma se permitiu pensar sobre eles também. Mas assim que ela cruza a linha em seu caminho de volta para a pequena cidade, todas as memórias voltam. Como se nenhum tempo tivesse passado.

Ela ainda pode ouvir as vozes. Exaltadas e cortantes. As de seus pais e também a sua. Regina terrivelmente quieta pela primeira vez na vida. Henry com os braços em volta da cintura dela, a cabeça sob seu queixo, apenas um menino assustando diante de um futuro incerto.

Ela se lembra das lágrimas de raiva de sua mãe e da traição permeando sua voz. Como ela pôde fazer isso? Como ela podia ser capaz de escolher a Rainha Má ao invés de sua família? A princípio, Emma tentou explicar: que Regina também era sua família, mãe de seu filho, então, sinceramente, não se tratava nem mesmo de uma escolha.

Só que seus pais não conseguiam compreender. E eles certamente não entenderam melhor quando Regina foi oficialmente exilada pelo conselho da cidade e sua amada filha, sua salvadora, simplesmente decidiu se juntar a ela.

Seu pai implorou com veemência, embora seu tom fosse gentil, quase educado demais. Sua preocupação estampada em sua fronte, em uma expressão semelhante a que Emma tantas vezes já viu em seu próprio reflexo. Sua mãe implorou então. Seu rosto avermelhado e seus olhos cheios de lágrimas e inchados. Não faça isso, por favor, não faça isso. E então veio a raiva, as ameaças e exigências sobre suas responsabilidades. Para com a cidade, para com seu povo, sua família.

Para com ela mesma.

Se você cruzar essa linha, nunca mais poderá voltar.

E no final essa foi a única coisa com a qual eles puderam concordar.

Depois disso, houve apenas silêncio enquanto Emma empacotava seus pertences. Sua mãe recusando-se a falar, recusando-se a acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Seu pai tentando fazer Emma mudar de ideia, buscando restaurar a paz. Com medo de perder a filha mais uma vez e ainda assim incapaz de impedir os acontecimentos em curso.

Ela abraçou David antes de partir, daquela maneira rígida nascida em algum lugar entre o dever e uma afeição desajeitada. Snow mantinha a cabeça erguida, orgulhosa e inflexível, construindo uma barreira alta demais entre mãe e filha.

Insegura, na frente da mulher que ela mal pôde conhecer como mãe, mas mesmo assim amava, Emma pairou por alguns instantes incertos antes de virar as costas e ir embora.

Você vai se arrepender desta decisão, foram as últimas palavras de sua mãe para ela, há seis anos.

Com um sorriso triste e um nó no estômago, depois de estacionar o carro em frente à Granny’s, Emma não consegue deixar de pensar que isso foi a única coisa da qual ela nunca se arrependeu: amar Regina.

Não quando isso significou abandonar Storybrooke, nem mesmo agora, quando ela estava prestes a perdê-la.

Nunca.

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Continua...