O QUÊ?! Para o mundo que eu quero descer. Kentin, Kentin Dermott está pedindo para ser meu amigo de novo. Não posso acreditar!

Estava prestes a responder meu grande “óbvio que sim” e todos os advérbios de afirmação existentes quando um serzinho marrento apareceu na porta do clube.

– Aí está quem eu queria ver. O pequeno Ken, que agora virou o “grande” Kentin. Quem diria... Ainda correndo atrás da Shiemi?

– O que... O que você está fazendo aqui, Castiel? Achei que tivesse ido embora em turnê com a sua banda. Ah, esqueci que você não fez sucesso nem no próprio bairro.

Aquilo definitivamente não estava ficando bom. Kentin já se levantara e num piscar de olhos, Castiel estava a sua frente. A professora Amélia veio apartar a briga antes que ela se tornasse algo pior. Confesso que minha cabeça estava tão cheia de preocupações que não percebi mais nada a partir daí. Soube depois pelos meus colegas do clube que os dois haviam ido para a direção.

Comentei o ocorrido com Rosa, que achou muita graça na situação.

– Shiemi, seus amigos são todos loucos!

– Não se esqueça de que você também é minha amiga, queridinha.

– Eu sou exceção, queridinha. Vê se pode, o Kentin mal quis virar seu “amigo” e já arruma briga com o Castiel por coisas do passado? O que esse menino tá querendo?

– Boa pergunta...

*

Já era tarde quando me deitei. Fiquei terminando algumas lições que deixei para última hora, e esperava pegar no sono bem rápido. Mas como todo bom cérebro sacana, comecei a relembrar da minha manhã. Não conseguia achar muito sentido em seu aleatório pedido. O que ele enfiou na cabeça para me “perdoar”? Peguei no sono e sonhei com seus olhos, que há tempo sequer apareciam na minha mente.

Acordei em cima da hora, havia esquecido de programar meu despertador e Rosalya tinha cometido o mesmo erro. Corremos para nos arrumar, discutindo por um momento que entraria no banheiro primeiro. Ainda bem que minha melhor amiga tem noção de que eu sou três vezes mais rápida que ela. Corremos para o refeitório, terminando nosso desjejum exatamente quando o sinal para a primeira aula soou. Já menos afobadas, nos despedimos, pois nossas aulas eram diferentes. Caminhei para minha sala, encontrando com Nathaniel arrumando seu material na primeira carteira. Seu lado estava vago, por isso ocupei o lugar. Ele sorriu e me desejou bom dia, não podendo falar muito mais pois o professor Faraize acabara de adentrar a sala.

A aula passava tranquila, discutíamos sobre o Holocausto e fazíamos comentários sobre o assunto. Nathaniel e eu tínhamos basicamente a mesma opinião, como em vários outros temas. Já se passara dos vinte minutos de aula quando ouvimos uma batida na porta. Antes de Faraize se encaminhar até ela, um aluno bem peculiar pediu licença. Ninguém mais, ninguém menos que Castiel.

– Receio que o senhor esteja atrasado. Bem atrasado, aliás. – O professor Faraize comentou, calmamente.

– Eu não estou acostumado com horários, regras, essas coisas. – Castiel disse despreocupadamente. – Se o senhor me deixar entrar, eu agradeço.

– Claro, claro, sente-se. Mas trate de chegar no horário nas próximas aulas. Não irei tolerar atrasos. Enquanto estiver na Sweet Amoris, acostume-se com as regras daqui.

A turma deve ter admirado a bondade do professor de história, mas Castiel parecia já esperar por isso. Lembro-me dele vencendo os professores pelo cansaço, acho até que Faraize quis evitar isso. Estava na cara que Cast era um aluno problema.

– Não acredito! Castiel na mesma sala que eu, só pode ser praga. Se você não estivesse aqui Shiemi, eu juro que pedia mudança nas minhas aulas.

– Calma, Nath. Ele já deve estar com pontos negativos aqui na escola. Ontem de manhã ele se meteu em uma briga com Kentin.

– Sério? Rá, essa eu pagava pra ver! – Nathaniel disse com um olhar triunfante, parecendo achar muito divertido. Eu, no entanto, achava muita criancice da parte dos “brigões”.

Cast não deu o ar da sua graça durante o restante da aula, apenas ficou em uma das carteiras do fundo, quieto, porém atento. O assunto parecia lhe despertar interesse. Nath continuou com seus comentários, assim como os outros alunos. Eu só concordava com uma coisa ou outra que era levantada, mas me sentia observada o tempo inteiro.

*

No horário de almoço pude observar os alunos novos. Ou quem eu achava que era novo, afinal, eram muitas pessoas. A maioria dos estudantes já tinha seu grupo, e os que não tinham tratavam logo de arrumar um. Havia alguns alunos sozinhos, mas que logo cumprimentavam alguém, mostrando que tinham seus colegas. Cumprimentei Alexy, que posteriormente iniciou uma rápida conversa com Violette. Ele se afastou e ficou claro que a menina de cabelos roxos queria continuar o assunto, pois seus olhos o acompanharam. Mudei o foco de visão para Lys, que se sentou na mesa de Castiel. Antes que eu pudesse prestar atenção em outra coisa, meus olhos imediatamente voltaram àquela mesa. Desde quando os dois opostos eram amigos? Aquilo era tão estranho quanto Nath e Cast se abraçarem. Lys deve ter percebido meu olhar, pois me acenou de longe. Castiel o imitou, mas com ironia, é claro. Apenas sorri e virei o rosto, me sentindo levemente constrangida. Parei o olhar na porta de entrada do refeitório e logo ele seguiu uma moça loira que andava apressada com seus saltos. Observei Ambre sentar-se ao lado de Castiel, que fez uma expressão muito enjoada. A irmã de Nath falava algo, utilizando-se das mãos para se expressar melhor. O vermelhinho apenas revirava os olhos de vez em quando, até que sorriu. Olhou para Ambre com um olhar esperto e a menina deu uma risadinha. Levantou-se e foi embora na mesma rapidez com que entrou na cantina. Assim que voltei meu olhar à mesa de Cast, este me olhava como se estivesse planejando algo.

*

Armin me convidou para sair, no fim da primeira semana de aula pós-férias. Pensei em mil desculpas para recusar, mas acabei por fim aceitando. Fomos ao shopping, já que nos sentiríamos constrangidos caso voltássemos ao parque, ainda mais sozinhos. Passeamos por algumas lojas, comemos um lanche na praça de alimentação, fora um passeio bem tranquilo. Até avistarmos Kentin.

Aqueles olhos verdes se aproximaram de nós, ele sorria como se nunca tivéssemos tido nenhum desentendimento. Cumprimentou-nos e sentou-se do meu lado. Pude perceber o desconforto de Armin, que estava do meu outro lado.

– O que estão fazendo aqui? – Kentin perguntou despreocupadamente.

– Nada demais... Só passeando. – Respondi cautelosa. Não queria falar nada que pudesse afetar minha recente amizade com ele.

– Poderíamos passear qualquer dia também, o que acha Shiemi?

– Hã... Eu acho que vou embora. – Armin disse baixo, se levantando. Antes que eu pudesse me manifestar, ele se despediu e seguiu rumo às portas de saída.

– Claro, podemos sair sim. - Sorri e ele retribuiu meu sorriso, porém bem mais contido. Suspirei. - Não esperava ver você por aqui. – Comentei enquanto pensava em qualquer assunto para dar continuidade à conversa.

– Decidi vir aqui agora a pouco, até pensei em comer alguma coisa, mas perdi a fome. Pensando bem, acho que também vou embora.

Fiquei confusa. Pelo que havia dito, Kentin acabara de chegar e já estava indo? Foi ao shopping para quê? Não carregava nenhuma sacola, não havia comido nada. Muito estranho.

– Eu acho que vou com você...

– É que... Eu... Vou na casa de um amigo que mora aqui perto.

E antes que eu pudesse dizer algo como “a diretora deixou” ou “você vai dormir na casa dele?”, Kentin havia dado um beijo rápido no meu rosto e feito o mesmo caminho que Armin fizera poucos minutos antes. Eu fiquei apenas parada, sentada em um dos clássicos bancos de shopping, agora muito feliz. Kentin havia me beijado no rosto. Isso era simplesmente demais!

Voltei para a escola contentíssima. Sorria sempre que me lembrava do beijo, do pedido de amizade dele, de seu sorriso. Seja o que for que tenha acontecido com Kentin durante as férias, eu estava gostando. Assim que cheguei na Sweet Amoris, me deparo com um ser de cabelos castanhos e olhos verdes cruzando o jardim da entrada. Sim, era Kentin. E ele não tinha ido para casa de amigo nenhum.