Antes que eu pudesse esboçar alguma reação e formalizar algum pensamento, Kentin já sumira de vista, dando lugar ao encrenqueiro do Castiel, que surgiu na minha frente em poucos segundos.

– Que cara é essa, Shiemi?

– É... Nada. – Disfarcei, ainda tentando voltar para a Terra.

– Hum... – Ele abaixou a cabeça, mudando sua expressão naturalmente malandra para uma que eu nunca tinha visto. – Sabe, eu tava pensando... A gente podia sair qualquer dia desses, né?

– O quê? – Não pude esconder minha surpresa, mas por sorte consegui manter meu riso dentro da boca. – Você está brincando comigo?

– Não... – Ele parecia envergonhado. – Eu só queria me desculpar de alguma forma por toda as brincadeiras de mau gosto que eu fiz contra você no passado.

– Entendo... – Analisei-o por um momento, desconfiada. O olhar de arrependimento dele, ainda que disfarçado pela natureza rebelde, me convenceu. – Você pode compensar todos esses anos que passou me irritando apenas me tratando bem daqui por diante. Pode ser?

Castiel sorriu e concordou, assumindo sua postura agressiva logo em seguida. Despediu-se de mim com um caloroso beijo na bochecha que me deixou bem envergonhada e saiu para dentro da escola.

*

Contei à Rosalya sobre Kentin e sua mentira. Ela me deu duas teorias: a primeira dizia que Kentin havia desistido de ir na casa de seu amigo, ou o próprio amigo havia tido um imprevisto. A segunda era sobre ele gostar de mim, mas estar muito envergonhado em assumir isso, o que o fazia ficar constrangido e inventar mentiras. Eu ri diante da segunda possibilidade e preferi acreditar na primeira – que por acaso era a única possível.

Decidi que não falaria sobre isso com ele, já que eu não queria estragar nossa recente amizade. No dia seguinte, segui com a minha rotina, indo para o refeitório antes da aula e sentando-se na mesa de Lysandre, que até então estava sozinho.

– Ouvi dizer que a professora de ciências irá passar um trabalho em grupo. – Lys começou dizendo, parecendo estar animado. – Poderíamos fazer juntos.

– Claro, seria muito divertido. Ciências é uma das minhas matérias preferidas! – Sorri para ele.

Castiel chegou e sentou-se à mesa, logo participando do assunto sem ao menos nos cumprimentar.

– Eu poderia fazer com vocês. – Disse enquanto se acomodava na cadeira de um jeito não muito educado de se ver.

Lysandre olhou para mim em dúvida, já sabendo que eu e Cast tivemos nossos momentos negativos no ensino fundamental. Pensei sobre o assunto, enquanto o cabelo de fogo me olhava com um falso olhar angelical.

– Tudo bem, disse por fim. Desde que você realmente faça o trabalho conosco, tudo bem.

Castiel sorriu em comemoração, logo levantando-se da mesa e indo em direção a um canto, mais precisamente onde Ambre estava. Ele pegou a moça pelo braço, conversando com ela enquanto os dois iam para fora do refeitório.

*

Durante a tarde, conversei com Nathaniel. Ele imediatamente perguntou onde estava o pingente que ele tinha me dado.

– Ai, Nath, me desculpa! Eu guardei-o durante as férias para não o perder nem estraga-lo e acabei me esquecendo de tirar da caixa e usar. – Nath fez uma expressão brava, que logo deu lugar a um sorriso, demonstrando que estava brincando. – Prometo que vou usar amanhã mesmo!

*

No início da noite, ouvi batidas na porta do meu quarto. Ao abrir, me deparei com um par de olhos de cores diferentes e um cabelo vermelho. Lysandre começou dizendo:

– Boa noite, Shiemi. Desculpa estar incomodando, ainda mais neste horário, mas Castiel insistiu que começássemos o trabalho de ciências hoje.

– Ah... Tudo bem, eu acho. Só vou pegar o meu material e podemos ir para a biblioteca...

– Não, não. – Castiel interrompeu – Vamos fazer aqui mesmo. Quer dizer, se não for te incomodar, claro.

– É que Rosa está aqui. – Neste momento, minha amiga deu um beijo em meu rosto e parou do lado de fora do quarto, dizendo que ia se encontrar com seus amigos do clube de costura.

– Não está mais. – Castiel sorriu prático e adentrou o quarto.

A professora já havia nos passado todas as instruções para fazer o trabalho nas aulas daquele mesmo dia. O que me surpreendeu foi ver o Castiel tão entusiasmado para fazer um trabalho que devia ser entregue dali a duas semanas. Porém, não querendo contrariar essa atitude positiva, começamos discutindo sobre o tema da tarefa.

*

Lys e Cast foram embora depois de pouco tempo. Acabamos apenas decidindo o tema e o que cada um faria. Dormi logo que eles saíram e acordei quando o celular despertou, só então vendo Rosalya, que voltara quando eu já pegara no sono. Levantamos e nossa rotina dominou, como em todas as manhãs. Lembrei que prometi ao Nathaniel usar seu pingente, e assim o fui fazer. No entanto, ao procurar a caixa do pingente no meio da minha maleta de joias, não a encontrei. Comecei a revirar minhas coisas, abrindo todas as bolsas, olhando dentro de cada bolso, bagunçando cada gaveta e armário. Rosa se assustou com a porção de coisas jogadas ao chão e na minha cama.

– Se precisar de ajuda para escolher uma roupa, Shiemi, é só pedir. – Exclamou com graça.

– Rosa, eu preciso de sua ajuda para outra coisa. – Disse afobada. – Nath me deu um pingente nas férias e eu não estou achando. Me ajuda a encontrar, por favor.

Após bons minutos de procura, ouvimos o sinal anunciar o início das aulas do dia. Nos entreolhamos e suspiramos. Iríamos para a classe de estômago vazio, sabendo que depois teríamos de arrumar toda a bagunça do quarto.

Chegando na cantina depois da aula, Nath veio conversar comigo. Estava nervosa, mas fingi que nada havia acontecido. Pensei comigo mesma que não comentaria nada do pingente, e se ele dissesse algo, inventaria uma desculpa. Sabia que não tinha perdido o pingente, ele deveria estar na casa de praia ou na casa de meus pais. Era só uma questão de tempo até eu achá-lo, e esperava que Nathaniel o esquece nesse período. Após alguns minutos de conversa, Ambre surgiu com sua natural cara de desdém.

– Oi, irmãozinho. – Disse apoiando o braço no ombro do irmão e me olhando com ironia. – Oi, Shiemi. Vejo que não gostou muito do presente do meu irmão. Não vi você o usando uma única vez.

“Droga!”, gritei mentalmente. Tinha que ser a madame das desgraças para estragar tudo. Nathaniel olhou a irmã ir embora e focou seu olhar em mim, esperando alguma resposta. Não podia mentir para ele.

– Então, Nath... Eu acho que esqueci seu pingente na casa de praia ou na casa dos meus pais. Mas eu prometo que vou encontrar, eu prometo!

– Nossa, Shiemi... – Nathaniel não conseguia disfarçar a sua expressão desapontada – Achei que você cuidaria melhor do presente que eu te dei. Se não gostasse, poderia pelo menos fazer um esforço.

– Não é isso, Nathaniel, eu amei! Mas eu tinha certeza que estava comigo, não sei como eu pude esquecer.

Não adiantou muito. Logo o moço loiro se despediu de mim, deixando claro que estava entristecido comigo. E lá no fundo, eu sentia que esse pingente tinha sido tirado de mim de algum modo.