Seguir em frente não é o mesmo que desistir

Você quer mesmo saber o que aconteceu no verão passado?


Existem muitos acontecimentos, no mínimo, desconfortáveis durante a vida.

Tia Cass, durante uma de suas várias fases de autoajuda, costumava dizer que esses momentos eram necessários para o desenvolvimento pessoal, e que a forma com que as pessoas lidavam com eles, mostrava o real desenvolvimento de seu caráter.

Pessoalmente, Hiro duvidava de forma bem profunda que ser nocauteado, amarrado e amordaçado por seus melhores amigos - que aparentemente não tinham a menor ideia de quem ele era - seria de forma alguma, requerido ou necessário para o seu desenvolvimento pessoal. Mas podia afirmar com bastante certeza que era sim, muito, muito, desconfortável.

Ah, desculpe! Pulei um pouco a história, não? Onde paramos?... Sim, sim! Aqui:

— Quem é você? O que você quer?! - Gogo dissera.

— Aaaah! - Fora a resposta mais inteligente que Hiro conseguira pensar. E ainda diziam que ele era um gênio. Mas em sua defesa, é bem difícil pensar coerentemente quando se tem um pé pressionando suas costas e os braços puxados para trás, de modo a deslocá-los, com um pouco mais de força.

A possibilidade de aquilo não passar de uma brincadeira extremamente sem graça já tinha sido descartada. Bem, especificamente quando a coisa toda ficou física. O que poderia ter acontecido? Será… será que ao atravessar o portal, Hiro apagara a própria existência no processo? Isso seria aterrorizante! Mas ele poderia reverter isso, certo? Só tinha que pensar, olhar por um novo ângulo. E ainda tinham as duas esferas restantes no traje, ele poderia descobrir como funcionavam e configurar uma alternativa.

— Eu sou Hiro- Ele começou.

Péssima escolha... A dor ficou pior. E havia a grande possibilidade de Gogo ter começado a rosnar. Não dava para ter certeza, com toda aquela dor envolvida, mas ele não duvidava da possibilidade.

— Gogo... - Veio a voz doce e hesitante de Honey Lemon em algum lugar à sua direita. - Isso não é um pouco desnecessário? - Bem, sempre pode-se contar com Honey para ser a voz da razão. Isso é totalmente o que sua Honey diria. - Talvez se só o amarrássemos… - … Ok, isso já não era.

— Hum, pessoal… estamos bem no meio do laboratório, as pessoas vão começar a entrar aqui a qualquer instante... Não é melhor levá-lo para um lugar mais vazio, com menos gente? - “Menos testemunhas”, Hiro corrigiu a contribuição de Wasabi para a situação, em sua mente.

Ele morbidamente esperava que Fred comentasse sobre um ótimo lugar para enterrar corpos, que havia lido em um de seus quadrinhos, mas o rapaz se manteve calado. Hiro não sabia qual das alternativas era mais preocupante. Ele tentou de novo:

— Olha, eu não sei bem o porquê de vocês acharem que essa reação agressiva é necessária, mas... - -Não sabe?! Eu não sei que tipo de idiota, sádico, teria a coragem e a cara de pau de aparecer na nossa frente com o rosto de Hiro Hamada! - Gogo o interrompeu de novo, mais fria que furiosa, dessa vez.

Hum… então a teoria de ter apagado a própria existência havia caído por terra. E, como sempre, ele não conseguia segurar a língua, mesmo sabendo que isso provavelmente traria só dor e sofrimento:

— Supondo por um momento que eu não tenha o rosto de Hiro Hamada, justamente porque eu sou Hiro Hamada, o que esse cara fez para vocês, que justificaria ser, brutalmente, devo acrescentar, amassado no chão que nem uma panqueca por uma concorrente a diabo da tasmânia?!- Porque a dor o deixava mal-humorado.

Dor. Dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor.

É, ele, com certeza, deslocou os braços. Enquanto tentava, e falhava miseravelmente, conter tanto os gemidos de dor quanto as lágrimas, Hiro perdeu o barulho de conversas e risadas que se aproximava rapidamente da porta do laboratório. Seus braços foram soltos bruscamente, mas ele nada pôde fazer antes que uma dor intensa na parte de trás da cabeça subitamente explodisse. E essa foi a última coisa que percebeu antes de apagar.

De volta para onde começamos, não? Ao recobrar a consciência, estava com as mãos e os pés bem presos aos braços e pernas de uma cadeira, amordaçado e, pela terceira vez no dia, pulsando de dor. Depois de acostumar com a luz em seus olhos momentaneamente sensíveis, Hiro deu uma olhada em seu cativeiro.

Não demorou muito para perceber onde estava. Afinal, ele passara muito tempo, nos últimos anos, naquela mesma estranha sala da mansão de Fred. O dono da sala e da mansão em questão estava, aparentemente, discutindo com os seus outros sequestradores, muito ocupados para perceber que ele já havia acordado:

— Temos uma perfeita sala de interrogatório aqui em casa, não entendo por que vocês não querem estreá-la. Não que eu nunca a tenha usado antes, mas não é tão legal com bonecos inanimados... -

E, claro, esse era o Fred.

— Olha aqui, ô magrelo, nós temos um problema real nas mãos e eu não estou no clima para entrar em uma das suas palhaçadas sobre super-heróis! - Gogo apontou um dedo na cara dele.

— Gente, vamos manter a calma, brigar não vai ajudar ninguém! - Honey tentou acalmá-los.

Irônico, porque parecia que ela não tinha problema nenhum em deixar Gogo brigar com ele antes. Wasabi só parecia cansado em repetir:

— Olha, Fred, sua sala de estar já é bem esquisita para mim, não preciso de mais traumas e pesadelos porque fiquei explorando a sua casa gigantesca e maluca, em busca de uma sala de interrogatório. Quer dizer, isso já é um exagero. - Certo, porque sequestrar um garoto, amordaçá-lo e amarrá-lo em uma cadeira é algo normal, que as pessoas costumam fazer todas as terças.

— Eu só acho que se é para fazer isso, poderíamos fazer com estilo, do jeito certo! - Fred insistia.

Ok, chega! Hiro estava dolorido e cansado demais para ficar escutando essa lengalenga. Limpou a garganta alto, interrompendo com sucesso a discussão, quando todas as cabeças viraram para ele. Hiro levantou uma sobrancelha.

Em poucos instantes se viu cercado, com Gogo dizendo:

— Muito bem, moleque, chega de mentiras, quem você é de verdade? - Ela estreitou os olhos para ele, que só revirou os seus e respondeu: “Já disse que sou o Hiro”. Ou tentou, pelo menos:

— Hahihehehouhohiho.-

Fred colocou a mão no queixo dramaticamente e disse:

— “Um virgem é fedido”? -

— Fred... - Honey começou, mas foi logo interrompida por Wasabi:

—É impossível que seja o Hiro, você teria aparecido antes se fosse ele. Não tem lógica nenhuma aparecer do nada, três anos depois, como se nada tivesse acontecido. -

—… “Meu beijo está perdido”? - Fred continuou com o cenho franzido. Honey argumentou sabiamente:

— Ele se parece muito com o Hiro, e... Não conseguimos encontrar nenhum indício de reconstrução facial nele. - Gogo, carrancuda, virou-se para Honey, resmungando:

— Não se escorrega uma informação dessas em um interrogatório, Honey! – “ou uma falta de informação”, Hiro pensa. Mas Honey só continua:

— Eliminando o provável, então o impossível deve ser verdade. -

— … “Me dizem o sentido”? - Fred coça a cabeça.

— Talvez ele seja um robô! - Aponta Wasabi entusiasmado - talvez ele o tenha criado na tentativa de preencher o vazio... - Wasabi estava muito mais sombrio naquela declaração.

O clima ficou pesado e silencioso. Até que Gogo respondeu:

— Ele não é um robô. É feito de pele, carne, ossos e cartilagem. Você está passando muito tempo com o Fred. -

— Arrá! - Falando no Diabo, Fred bateu as palmas e exclamou: “Jacinto da Costa Filho”! É isso que você estava tentando dizer, não era?!- E olhou para Hiro com expectativa.

Hiro estava de saco cheio de toda essa falação, mas internamente, não podia deixar de se divertir com Fred. Ele tinha vindo a apreciar o alívio cômico que rapaz fornecia a sua vida.

Decidindo que, se começasse a falar sem parar, mesmo que não entendessem nada, eles iam finalmente tirar aquela fita horrível da sua boca, Hiro colocou o seu único plano em prática.

Depois de menos de dois minutos de “hunrrrummm, hummhamm hummhum ham”, Gogo finalmente arrancou a fita da boca de Hiro com força e velocidade.

Tia Cass dizia, quando ele era menor, que era melhor arrancar um Band Aid de uma vez, o mais rápido que podia, que assim doeria menos. Uma fita isolante supostamente deveria se aplicar ao mesmo conceito, mas ainda doeu.

Bastante.

E Gogo não parecia se sentir nem um pouco culpada.

— O que? - Foi a pergunta brusca.

— Primeiro! Eu sou, sim, Hiro Hamada. Não, não sou um robô. Ou um androide, se essa for a próxima alternativa. E não, Fred, eu não quis dizer nenhuma daquelas frases, mas foi uma bela tentativa. Segundo. O que você quis dizer com “três anos”, Wasabi? Eu vi todos vocês antes de entrar num portal, não tem nem duas horas. Vocês não parecem mais velhos, então não pode ter passado três anos desde o incidente… -

A gangue se entreolhou, o silêncio depois da declaração de Hiro se prolongando, até que…

— É, viagem entre realidades paralelas. Faz todo o sentido. - Fred assentiu com sensatez.

— Como isso supostamente poderia fazer qualquer sentido?! - Wasabi abriu os braços exaltado.

— É como quando Barry Allen encontra Jay Garrick da Terra 2 na 123ª edição de The Flash. - Fred tenta explicar, como se estivesse falando com uma criança.

— Realidades paralelas não existem. - Gogo falou cruzando os braços, estourando uma bolha de chiclete como se fosse um ponto final.

— Olha, há umas duas horas atrás, eu concordaria com você. Mas agora… Só estou dizendo para não ser tão cética, há muitos anos, cientistas acreditavam fielmente que a terra era o centro do universo, e todos os outros planetas rodavam a nossa volta. - Hiro comentou.

— Exatamente. - Fred balançou a cabeça. - Eu acredito em você, carinha. -

— Isso quer dizer que vai me soltar agora? - Hiro perguntou com esperança.

— Ahhhh – Fred se encolheu e olhou para a Gogo.

Na verdade, todos olharam para a Gogo, como se esperassem que ela tomasse uma decisão, enquanto ela olhava para ele com uma expressão fechada. Hiro ficou um pouco incomodado com isso. Não era apenas porque sua liberdade estava nas mãos da pessoa que mais parecia odiá-lo ali. Mas também porque já fazia alguns anos em que ele era o líder não oficial do grupo. Claro, era uma democracia, e se ele fizesse algo errado, todos falariam, do jeito de cada um, mas falariam. Mesmo assim, era estranho vê-los esperando outra pessoa tomar a decisão final.

— Por que deveríamos confiar em você? - Gogo perguntou, enfim.

—Por que eu deviria confiar em vocês?! Eu não fiz nada, e mesmo assim, vocês me sequestram, amarram, amordaçam, machucam e ainda olham como se eu fosse o louco que vai sair matando todo mundo! - Tudo bem, talvez ele estivesse na defensiva, mas droga, ele estava cansado disso. Tinha sido um dia muito longo e não estava nem perto de terminar.

— Com licença? Mestre Frederick? Esse… Robô, disse que seu paciente principal se encontrava nesse recinto. Devo deixá-los a sós agora. - E assim, Heathcliff, o melhor e mais misterioso mordomo que Hiro já havia conhecido, foi embora, deixando na porta, Baymax, o marshmallow gigante.

— Baymax! - Hiro exclamou com alegria. - Por que demorou tanto?!

Todos eles se afastaram da porta com pressa, entrando em posições defensivas. Hiro estranhou. Parecia que Baymax era tão perigoso assim?! Ele não machucaria uma mosca. Principalmente sem a armadura, que ainda estava em formato de mochila em suas costas. Esse povo era muito paranoico…

Baymax registrou o comportamento dos outros, mas sua única reação foi inclinar a cabeça para o lado, quase que em sinal de curiosidade. Virou a cabeça para Hiro e disse:

— Olá, Hiro. Seu corpo está coberto por escoriações, você possui uma leve contusão na cabeça, e seus braços foram deslocados. Devo realocá-los, para então, dar-lhe os remédios necessários aos outros ferimentos. – E então andou até ele.

Depois de solto, ter seus braços realocados e tomado um remédio para dor, Hiro se sentiu infinitamente melhor. Foi então que percebeu que a gangue continuava na mesma posição defensiva de minutos atrás.

— O que foi? Não precisam se preocupar, não sou cara vingativo. Contanto, é claro, que vocês se sintam culpados por toda essa violência desnecessária e que tenham uma boa explicação do porquê a usaram em mim, sem mais nem menos. - Hiro tentou ser razoável. Ele não era mesmo vingativo. Não mais, pelo menos.

Mas tudo o que podia ver nas expressões deles era conflito, choque e terror, enquanto olhavam fixamente, Baymax.

— Ele não vai machucá-los. É um robô de saúde, programado com mais de 10 mil procedimentos médicos. - E Hiro, para ilustrar, abriu o compartimento de Baymax, para mostrar o chip que Tadashi havia criado.

—Santo Godzilla! - Fred exclamou, maravilhado.

— Nós o vimos destruir esse mesmo chip há três anos… não existiam outros… Ok! Eu acredito na teoria das realidades paralelas agora! - Wasabi estava espantado.

— Quem, eu? Eu destruí o chip? - Merda… então era por isso que eles estavam reagindo tão mal a ele. Nessa realidade ele destruiu o chip, provavelmente há três anos… quando mandou Baymax destruir o Callaghan… droga, droga, droga!

— Não, não você. Você… morreu em um incêndio três anos atrás, Hiro. - Honey disse com calma, parecendo muito, muito infeliz. - Você foi o único que morreu na exposição. - O único que… o único!

— Então meu irmão está vivo? Tadashi está bem?! - Hiro não podia acreditar, ele estava com medo de se deixar acreditar… seu irmão, vivo?

— … sim, ele está vivo, até aonde a gente sabe. - Wasabi respondeu, olhando para baixo.

A atmosfera era, mais uma vez, tensa, desconfortável e pesada.

— … O que você quer dizer com “até aonde a gente sabe”?! O que aconteceu? O que aconteceu com meu irmão? - Hiro perguntou com apreensão.

A gangue se entreolhou mais uma vez, e Gogo virou para Hiro com uma expressão sombria:

— … quer mesmo saber o que aconteceu com Tadashi?