Secrets

As Catástrofes Só Começaram


A manhã é um momento importante do dia, porque muitas vezes, logo depois de acordar, já dá pra adivinhar que tipo de dia você vai ter. Por exemplo, se você acorda ouvindo o cantar dos pássaros, esparramado sobre uma enorme cama com dossel, com um mordomo que traz, numa bandeja de prata, pãezinhos recém-tirados do forno e um suco de laranja feito na hora, já dá pra saber que seu dia será esplêndido. Se você acorda ao som de sinos de igreja, acomodado em uma cama razoavelmente grande, com um mordomo trazendo uma xícara de chá fumegante e torradas, dá para saber que seu dia vai ser legal. Mas se você acorda com gritos aflitos da sua mãe ao invés de sinos de igreja, dizendo que se você não sair da sua enorme cama com dossel em décimos de segundo, você vai virar carvão, junto com as torradas e sua luxuosa casa pegando fogo.

“PELO AMOR DE DEUS, ACORDE, JOSEPH!” disse a voz que acordou o menino de cabelos e olhos castanho-claros, que em meio a fumaça, demorou um pouco pra se certificar que era a sua mãe.

“Mãe? O que houve? Tem fumaça pra todo lado...” falou o garoto ainda grogue, pois ainda estavam nas primeiras horas da manhã, cuja pálida luz de céu nublado não penetrara nas grossas cortinas de veludo.

“A CASA ESTÁ PEGANDO FOGO! LEVANTE-SE, VOCÊ TEM QUE SAIR DAQUI!” berrou a mãe de Joseph, arrancando-o da cama e arrastando o mesmo por uma das três salas de estar da mansão Wood. Agora tossindo, o jovem pôde perceber que sua tão adorada − além de enorme − casa estava em chamas. Viu a tão antiga estátua ser destruída por um pedaço de madeira crepitante que caiu do teto, bem na cabeça, fazendo com que pedaços de mármore se estilhaçassem e voassem pela sala enfumaçada. Viu de relance o vão onde devia estar a escadaria de madeira lustrosa que levava ao primeiro andar. Viu também o bispo de vidro do jogo de xadrez russo de seu pai estourar de calor. Porém, tudo isso não era nada, comparado com o que viu a seguir. A enorme biblioteca de seus pais, que continha toda sorte de livros possíveis e imagináveis estava ardendo. O seu lugar favorito na casa, onde passava horas a fio acomodado em uma das grandes e confortáveis poltronas de couro, e onde adormeceu, lendo um livro aleatório ou desinteressante. Seus olhos umideceram. Não podia continuar olhando aquilo.

Só notou que sua mãe havia largado sua mão alguns minutos depois da horrível visão. Ela estava terminando de puxar o tapete do cômodo, que revelou uma portinhola, onde não passava mais de uma pessoa, uma do lado da outra.

“Desça.” Disse sua mãe.

“Mãe...” Começou a falar Joseph, mas foi interrompido logo depois.

“Por favor Joseph, me obedeça.”

“Mãe,” insistiu Joseph, “por quê?”

“É para a sua segurança, filho. Desça agora. É uma ordem.”

O tom aflito e desesperado de quem estava tentando salvar a vida do filho dentro de uma casa em chamas havia sido trocado por um tom calmo e sereno, de quem diz que tudo vai dar certo no fim, mas lamento dizer que estava enganada.

“Mas e você? E o papai?”

“Nós vamos ficar bem filho,” A mulher coberta de fuligem aqui, fez uma pausa “Mas seu pai não poderá vir aqui para se despedir de você.”

“Mas...” Argumentou o garoto, mas foi interrompido novamente.

“Adeus filho, nós te amamos.”

Com essa última frase, a mulher fechou a portinhola, deixando seu filho na escuridão total e no silêncio absoluto. Tateando para ver se achava qualquer coisa que o ajudasse a sair dali, o menino de pouco mais de 15 anos achou um pedaço de papel, provavelmente alguma resquício de uma página de livro que sobreviveu ao ataque fulminante das chamas. No escuro, obviamente não conseguiria ler, mas passando a mão pelo pedaço de papel, pode notar que foi escrito à mão, e não impresso, além de que quem escreveu, escreveu forte, deixando marcas no fragmento de página, onde estava gravada as iniciais C.S.C. .