<p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><span style=\"text-decoration: underline;\"><strong>Cap&iacute;tulo XXII &ndash; A face da Morte</strong></span></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><strong><span>&nbsp;</span></strong></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><em>&ldquo;Est&aacute; esperando, sempre tentando</em></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><em>Sinto as m&atilde;os do destino, elas est&atilde;o sufocando,</em></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><em>Diga-me qual &eacute; a raz&atilde;o,</em></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><em>Isso est&aacute; somente na minha cabe&ccedil;a?</em></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><em>N&atilde;o posso mais suportar!&rdquo;</em></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><em>&nbsp;</em></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\">&nbsp;</p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\"><strong>(Within Temptation &ndash; Final Destination)</strong></p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\">&nbsp;</p> <p align=\"center\" style=\"text-align: center;\">===========================================</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meus p&eacute;s hesitaram no piso branco lustroso do corredor. Acendi minha lanterna e apontei o feixe de luz para a escurid&atilde;o densa.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Um calafrio percorreu todo o meu corpo. O que aguardava por mim logo &agrave; frente? A resposta surgiu no mesmo instante em minha mente, a morte.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Irrompi pelo corredor medonho, meu cora&ccedil;&atilde;o palpitando em meu peito. Eu mal respirava, ciente de que a qualquer momento poderia perder a minha vida.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas havia algo que me impedia de simplesmente partir naquele exato instante, havia algo que me prendia ali; a necessidade de salvar um amigo. Eu n&atilde;o poderia sair dali sem Tamara. Eu jamais ia perdoar-me se algo acontecesse a ela. Eu n&atilde;o ficaria parada, impotente, enquanto mais uma pessoa que fazia parte de minha vida, era amea&ccedil;ada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Esse sentimento desolador trouxe de volta a mesma sensa&ccedil;&atilde;o da noite em que perdi Max.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ent&atilde;o, o qu&ecirc; eu estava esperando?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Impelida por aquele sentimento forte que praticamente gritava dentro de mim, avancei rumo &agrave; escurid&atilde;o, lan&ccedil;ando-me como um m&iacute;ssil para a frente, correndo desajeitada por aquele longo e tenebroso corredor.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Corri com minha lanterna em m&atilde;os, utilizando-me de seu pequeno feixe de luz para iluminar parcialmente meu caminho. Cruzei o corredor como um fantasma, eu tentava ao m&aacute;ximo n&atilde;o produzir algum ru&iacute;do que chamasse a aten&ccedil;&atilde;o para a minha presen&ccedil;a ali.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Se &eacute; que resolveria alguma coisa. Era certo que um Devorador de Almas localizaria sua v&iacute;tima sendo atra&iacute;do pela energia intensa que sua alma emanava. E como Aidan havia me dito uma vez, a minha cintilava com uma intensidade fora do comum, o que at&eacute; mesmo despertou a sua aten&ccedil;&atilde;o, e o qu&ecirc; n&atilde;o faria a um Devorador de Almas, ent&atilde;o?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Apressei-me para chegar at&eacute; a sala do diretor onde Tamara supostamente deveria estar. Eu estava t&atilde;o afobada que acabei chocando-me com uma viol&ecirc;ncia exagerada contra a porta.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Por sorte estava destrancada. Empurrei-a com uma for&ccedil;a exagerada e adentrei.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Apontei o pequeno feixe de luz de minha lanterna para o c&ocirc;modo silencioso e completamente vazio.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Tudo estava aparentemente em seu devido lugar, a n&atilde;o ser pelo telefone que estava fora do gancho. Ofeguei, onde estava Tamara? Teria eu chegado tarde demais? Cambaleei, tonta, para tr&aacute;s. N&atilde;o! Aquilo n&atilde;o podia ter acontecido, n&atilde;o outra vez!</p> <p>&nbsp;</p> <p>Cerrei meus olhos na esperan&ccedil;a de fazer aquela sensa&ccedil;&atilde;o desaparecer, mas era in&uacute;til, minhas m&atilde;os suavam frio e tremiam. Levei uma delas at&eacute; minha testa, enquanto o cabo de minha lanterna escorregava vagarosamente de minha palma molhada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Recostei-me na parede, escorregando at&eacute; o ch&atilde;o onde eu permaneci, completamente confusa. Escondi meu rosto em meus joelhos e abracei minhas pr&oacute;prias pernas. O que faria agora?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meus olhos ardiam de uma forma incomum. O sil&ecirc;ncio que predominava em toda a escola era algo amedrontador. Apertei meu punho em meu peito, trincando os dentes e desejando desesperadamente que aquilo fosse um sonho muito ruim, que eu acordaria daquele pesadelo a qualquer momento.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas o despertar n&atilde;o vinha, e eu permanecia ali, completamente desnorteada, desolada. Encolhi-me ainda mais, sentindo o ar pesado daquela sala sobrepor-se sobre o meu corpo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Como uma n&eacute;voa fina e invis&iacute;vel, por&eacute;m t&atilde;o g&eacute;lida quanto uma manh&atilde; enevoada. Senti aquele manto nebuloso repousar sobre mim, arrepiar minha pele e causar o meu alarde.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E um estalo, oriundo dos fundos do corredor, sobressaltou-me. Coloquei-me de p&eacute; no mesmo instante, todo o meu corpo estava r&iacute;gido pela tens&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meu cora&ccedil;&atilde;o sofreu um violento solavanco e depois recome&ccedil;ou a martelar em meu peito. Minha respira&ccedil;&atilde;o descompassada fluiu livremente atrav&eacute;s de meus l&aacute;bios, meus pulm&otilde;es arfavam pesadamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E depois houve outro estalo, e a constata&ccedil;&atilde;o veio no mesmo instante: eu n&atilde;o estava sozinha.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Permaneci completamente petrificada, moendo meus dedos enquanto cerrava meus punhos, eu fechava meus olhos e rezava. O que mais eu poderia fazer? Ainda mais quando se trata de uma criatura como aquela da qual n&atilde;o se pode fugir, da qual n&atilde;o se pode esconder.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Apertei minha lanterna em minha m&atilde;o e criei coragem. Sa&iacute; da sala escura, dirigindo-me para o corredor, de onde o estranho ru&iacute;do viera. O feixe de luz que incidia do pequeno objeto em minhas m&atilde;os ainda estava apontado para o ch&atilde;o. Eu temia ver algo terrivelmente medonho naquela escurid&atilde;o. Eu temia que assim que iluminasse meu caminho um Devorador de Almas apareceria e poria fim a minha vida.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Trinquei meus dentes, semicerrei meus olhos e vagarosamente comecei a apontar a luz de minha lanterna para a densa e intermin&aacute;vel escurid&atilde;o. E eu suava frio, ciente de a qualquer segundo poderia atravessar o limite, cruzar a fronteira e nunca mais voltar...</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas n&atilde;o havia nada; o choque atravessou todo o meu rosto, o corredor estava vazio, eu estava s&oacute; ali. Ent&atilde;o tinha sido apenas a minha imagina&ccedil;&atilde;o f&eacute;rtil.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Soltei todo o ar que eu havia prendido e respirei aliviada. Por&eacute;m, a minha paz esvaiu-se no instante seguinte. Esmigalhou-se completamente enquanto eu escutava som de passos no corredor, bem atr&aacute;s de mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E mais uma vez eu n&atilde;o tive qualquer rea&ccedil;&atilde;o, meus m&uacute;sculos enrijeceram, minhas pernas bambearam, e eu preparei-me para me virar, lentamente, e ent&atilde;o quem sabe encontrar os olhos de meu assassino, pouco antes que ele pudesse roubar o f&ocirc;lego da vida de mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meus olhos baixaram, aterrorizados, at&eacute; o piso lustroso do corredor, e enquanto eu me virava, o &uacute;nico som a ecoar em meus ouvidos eram meus batimentos acelerados, meu cora&ccedil;&atilde;o lutando pela vida.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o eu encontrei algo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E n&atilde;o era nada parecido com o que eu estivera imaginando. Pelo contr&aacute;rio, aquilo n&atilde;o pertencia ao sobrenatural, n&atilde;o podia.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Porque o respons&aacute;vel por todos aqueles ru&iacute;dos estava bem a minha frente; um garoto, trajando jeans surrados, jaqueta do time, e uma m&aacute;scara horrenda na face, daquelas que muitos usam no Halloween para assustar os outros e pregar-lhe pe&ccedil;as.</p> <p>&nbsp;</p> <p>A raiva inflamou dentro de mim de forma devastadora; algu&eacute;m estava querendo brincar comigo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O garoto levantou as m&atilde;os para o alto, saltou na minha dire&ccedil;&atilde;o e emitiu um som gutural, forte, que permeou meus ouvidos, mas em nada me abalou.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele tentara pregar um susto em mim, mas falhara. E ent&atilde;o, em seguida, estendeu seus bra&ccedil;os ao meu redor, tentando agarrar-me e prender-me naquele cerco.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Profundamente irritada, desferi-lhe uma forte joelhada em sua virilha, e o garoto curvou-se de dor perante a minha figura indiferente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Idiota. &ndash; sibilei entredentes.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Depois as luzes do corredor foram acesas e eu olhei em derredor, n&atilde;o, definitivamente n&atilde;o havia nada de sobrenatural ali.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O garoto a minha frente removeu a m&aacute;scara de seu rosto, e ent&atilde;o eu reconheci a sua figura. Era Kurt Wallace, um dos idiotas que jogava no time de futebol. Antigamente, Kurt e Roy andavam juntos, aprontavam juntos, mas depois que Kurt supostamente ajudou Becki a &ldquo;chifrar&rdquo; o pr&oacute;prio amigo, os dois brigaram e a luta rendeu boas recorda&ccedil;&otilde;es a Max. Claro que todos logo suspeitaram que aquele era o troco de Becki pelas v&aacute;rias trai&ccedil;&otilde;es do namorado. Tra&iacute;-lo com o melhor amigo, que ir&ocirc;nico.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O garoto encarou-me, seus cabelos castanhos bem claros cintilavam sob as luzes artificiais do corredor e seus olhos cor de mel estavam semicerrados devido &agrave; dor.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Ai, isso machucou! &ndash; reclamou ele, ainda encolhido.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Dei as costas para ele, disposta a deixar aquele local. Claro que eu j&aacute; compreendera tudo, fora simplesmente um truque. O telefonema de Tamara fora uma armadilha para me arrastar at&eacute; a escola em plena noite somente para pregar um susto em mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E eis que a pe&ccedil;a-chave que faltava para que tudo se encaixasse apareceu, im&oacute;vel, mas elegante, era Becki, encarando-me com um sorriso c&iacute;nico nos l&aacute;bios e um olhar de divers&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela levou uma das m&atilde;os at&eacute; sua orelha direita, seus dedos imitaram o formato de um telefone, enquanto ela ria descarada e ruidosamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Por favor, Agatha &ndash; come&ccedil;ou ela em um tom dram&aacute;tico &ndash; venha salvar-me, eles est&atilde;o atr&aacute;s de mim! - terminou ela, ainda rindo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Divertiu-se bastante, Becki? &ndash; perguntei a ela, mal contendo a minha irrita&ccedil;&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela riu e depois tornou a ficar completamente s&eacute;ria, embora seus l&aacute;bios ainda se projetassem naquele sorriso irritante.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Na verdade n&atilde;o tive o bastante ainda.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ah, se eu pudesse simplesmente grudar em seus cabelos e arrancar um bom chuma&ccedil;o, eu j&aacute; me daria por satisfeita. S&oacute; que eu n&atilde;o lhe daria esse gosto, eu n&atilde;o me rebaixaria ao n&iacute;vel dela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- A verdade, Agatha, &eacute; que eu s&oacute; queria lhe dar uma pequena amostra do que eu posso fazer com voc&ecirc;. &ndash; murmurou ela, ironicamente, gabando-se.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Inspirei, reprimindo minha f&uacute;ria. Em geral eu n&atilde;o demonstrava o que minha raiva e a minha irrita&ccedil;&atilde;o podiam fazer comigo, mas uma vez ou outra, eu acabava explodindo, e as conseq&uuml;&ecirc;ncias eram terr&iacute;veis.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Voc&ecirc; &eacute; uma est&uacute;pida. &ndash; cuspi as palavras atrav&eacute;s de meus dentes trincados. E ela sorriu novamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- E voc&ecirc; &eacute; pat&eacute;tica. &ndash; retrucou ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Apenas ameacei deixar aquele local, mas sua figura foi mais r&aacute;pida, bloqueou meu caminho com seu corpo, impedindo-me de passar.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Deixe-me ir embora. &ndash; exigi-lhe, mas ela n&atilde;o se demoveu de seu lugar e seus olhos trai&ccedil;oeiros como os de uma serpente fuzilavam-me.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Est&aacute; com pressa, queridinha? &ndash; perguntou-me ela, ainda rindo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Cansei-me daquele joguinho e forcei minha passagem, empurrando-a com meu corpo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Estou farta de todos voc&ecirc;s. &ndash; murmurei e ent&atilde;o parti.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Por&eacute;m, antes mesmo que eu o fizesse, as luzes acesas do corredor piscaram v&aacute;rias vezes, falhando, at&eacute; que estabilizaram novamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Olhei em derredor, algo havia mudado ali, havia uma corrente de ar frio irrompendo por todo o corredor, t&atilde;o g&eacute;lida que na verdade lembrou-me o sopro da morte. Minha pele arrepiou-se toda no mesmo instante e um calafrio subiu por minha espinha, fazendo-me encolher como um gatinho indefeso.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Encarei Becki, parada a minha frente, por&eacute;m ela nada esbo&ccedil;ava, apenas mantinha-se confusa. At&eacute; que seus olhos dispararam, furiosos e acusadores para Kurt.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O que voc&ecirc; fez agora?</p> <p>&nbsp;</p> <p>O garoto pareceu-me confuso, depois a encarou, dando de ombros.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Eu n&atilde;o fiz absolutamente nada. &ndash; murmurou ele a meia-voz.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o eu compreendi, na verdade, todo o meu corpo j&aacute; me alertava do perigo eminente que se aproximava de todos n&oacute;s naquele momento. Era como se ele se arrastasse, gemendo ao vento, enquanto nos cercava, e colocava-nos sob a sua mira de predador.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Aquela brisa g&eacute;lida ainda predominava em todo o corredor, uma presen&ccedil;a t&atilde;o sinistra e amedrontadora, e ao mesmo tempo t&atilde;o antiga e poderosa.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Virei-me para tr&aacute;s h&aacute; tempo para ver aquilo que prenderia a minha aten&ccedil;&atilde;o por definitivo. Depois, Becki corria, assustada, at&eacute; Kurt e escondia-se atr&aacute;s dele, enquanto eu permanecia completamente estarrecida, como se meus p&eacute;s tivessem grudado no piso.</p> <p>&nbsp;</p> <p>A principio n&atilde;o me pareceu absolutamente nada, mas depois, eu compreendi. E meus olhos detiveram-se na estranha forma que emergia da parede s&oacute;lida do corredor, uma mancha preta, como uma sombra medonha, com vida pr&oacute;pria,&nbsp;que se&nbsp;debatia para deixar a estrutura s&oacute;lida da parede.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Atr&aacute;s de mim, Becki gritou, Kurt murmurou algo intelig&iacute;vel que eu n&atilde;o consegui processar. Estava assustada demais, prestando aten&ccedil;&atilde;o &agrave;quela estranha forma que se arrastava em nossa dire&ccedil;&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Mas que porcaria &eacute; essa? &ndash; perguntou Kurt, assustado e confuso.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Percebi que o manto negro vivo estava envolto em todo o corpo da criatura, envolvendo inclusive a sua cabe&ccedil;a, como um capuz negro. E quando enfim a criatura libertou-se da estrutura de concreto da parede, ela pairou sobre o ar, flutuando, im&oacute;vel, a face voltada para o ch&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Os bra&ccedil;os envoltos nas largas mangas negras estavam&nbsp;completamente im&oacute;veis ao lado de seu corpo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu ofeguei, era assim um Devorador de Almas? Eu j&aacute; o havia imaginado &eacute; claro, mas n&atilde;o pensei que ele pudesse ser uma criatura t&atilde;o assustadora quanto a que meus olhos testemunhavam naquele momento.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Cambaleei chocada para tr&aacute;s quando as luzes do corredor piscaram novamente, apagando por completo, deixando-nos completamente no escuro. Havia um estranho som ao fundo, um zunido baixo, incisivo, irritante.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Outro grito estridente de Becki despertou a minha aten&ccedil;&atilde;o, tornei meus olhos para tr&aacute;s, enquanto outra sombra pairava im&oacute;vel do outro lado do corredor; est&aacute;vamos cercados. N&atilde;o havia escapat&oacute;ria.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Becki agarrou os ombros de Kurt, cerrando seus olhos com muita for&ccedil;a, enquanto o garoto permanecia boquiaberto, sem qualquer rea&ccedil;&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Vi que a criatura, vagarosamente, come&ccedil;ava a sustentar a sua face, erguendo-a com lentid&atilde;o, e meu cora&ccedil;&atilde;o acelerava, martelando violentamente em meu peito. O vento g&eacute;lido irrompeu pelo corredor novamente, agitou algumas mechas de meu cabelo e arrepiou-me por inteira; era o sopro da morte.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o a criatura finalmente encarou-nos, o capuz negro n&atilde;o podia esconder a sua face, por&eacute;m, era realmente melhor que o fizesse, porque no lugar de seu rosto l&aacute; estava, a m&aacute;scara de pele humana, sobreposta sobre o manto negro vivo. Enquanto que os orif&iacute;cios para os seus olhos estavam ocos, transparecendo mais negrid&atilde;o, como buracos sem fundo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E uma certeza dominou-me naquele mesmo instante, aquela era a face da pr&oacute;pria morte. N&atilde;o haveria coisa mais medonha e obscura do que aquela. E diante de mim estava a pr&oacute;pria morte, em pessoa, pairada sobre o ar, como um fantasma.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Ah, meu Deus! &ndash; exclamou Becki, enquanto as duas sombras fitavam-nos sem nada dizer ou fazer. O sil&ecirc;ncio era algo mortal ali, assustador. Enquanto a contagem regressiva de nossas vidas chegava ao seu t&eacute;rmino, inevitavelmente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E algo j&aacute; me dizia que meu tormento estava apenas come&ccedil;ando. Fato que se confirmou no instante seguinte, quando uma das criaturas moveu-se como uma sombra, como um fantasma, silencioso, certeiro, &aacute;gil, fatal...</p> <p>&nbsp;</p> <p>Uma das criaturas avan&ccedil;ou em nossa dire&ccedil;&atilde;o, escolhendo como primeiro alvo Kurt. A sombra negra al&ccedil;ou v&ocirc;o, flutuando com uma rapidez anormal. Chocou-se violentamente contra o corpo com o qual Becki tentava proteger-se.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O choque de ambos foi t&atilde;o forte que Kurt voou v&aacute;rios metros para tr&aacute;s, alcan&ccedil;ando uma velocidade e altura consider&aacute;veis. Suas costas e sua cabe&ccedil;a chocaram-se violentamente contra a parede do corredor. E ele perdeu a consci&ecirc;ncia instantaneamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Depois disso o jorro de adrenalina em minhas veias fez-me testemunhar tudo em c&acirc;mera lenta. Eu mal pude recuperar-me do ataque acometido a Kurt, e o grito desesperado de Becki permeou meus ouvidos, doendo em meus t&iacute;mpanos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Virei-me para tr&aacute;s apenas a tempo de v&ecirc;-la ser arrastada rapidamente para tr&aacute;s pelos p&eacute;s, enquanto suas unhas cravavam-se no piso escorregadio, e ela lutava, tentando de alguma maneira livrar-se da for&ccedil;a impiedosa que a arrastava consigo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas era uma batalha perdida e ela apenas se viu entregue a algo muito maior e muito mais poderoso do que ela, algo completamente oculto e incompreens&iacute;vel para ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Becki foi arrastada de volta at&eacute; a sala do diretor, onde assim que seu corpo passou pela soleira da porta, a porta fechou-se com viol&ecirc;ncia, sobressaltando-me, e seu grito cessou, dando lugar ao sil&ecirc;ncio novamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E s&oacute; ent&atilde;o eu dei-me conta da outra criatura que permanecera no corredor comigo. Com tudo fluindo em c&acirc;mera lenta ao meu redor, minha respira&ccedil;&atilde;o pesada e meus batimentos acelerados em meu ouvido, tornei-me novamente para a frente, observando a sombra negra, e seus olhos negros pousados sobre o meu semblante.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E estaquei, incapaz de fazer, dizer, pensar, ou sequer esbo&ccedil;ar e transparecer algo. Eu nem mesmo tinha consci&ecirc;ncia do medo, ele passava completamente despercebido por mim. Tudo o que tinha consci&ecirc;ncia era da criatura assustadora a minha frente, encarando-me em sil&ecirc;ncio.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Pensei em tudo o que vivera, minha vida passava atrav&eacute;s de meus olhos, como um filme. Claro que nesses dezessete anos eu n&atilde;o tivera algo que realmente me motivasse a continuar respirando, a continuar vivendo. Mas agora era diferente, porque eu tinha algo que fazia sentido dentro de mim: meu amor por Aidan.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu n&atilde;o poderia morrer, n&atilde;o agora.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Esse desejo inflou meus pulm&otilde;es, inflamou dentro de mim, e eu s&oacute; tinha uma coisa em mente naquele momento: fugir da morte.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Junto desse desejo de viver, veio o medo, o desespero, eu n&atilde;o alcan&ccedil;aria meu objetivo se permanecesse ali naquele momento.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Foi a&iacute; que realmente desesperei-me.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Minhas pernas bambas e meus joelhos tr&ecirc;mulos e enfraquecidos moveram-se por conta pr&oacute;pria, e quando dei por mim, eu j&aacute; corria pelo longo corredor escuro, na dire&ccedil;&atilde;o contr&aacute;ria a que se encontrava a criatura.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Virei para a esquerda, correndo cada vez mais r&aacute;pido, impulsionando meu corpo para a frente, arrastando meus p&eacute;s e trope&ccedil;ando.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu n&atilde;o teria parado, eu n&atilde;o teria detido-me em minha corrida, se quando estivesse passando pela longa fileira de arm&aacute;rios de metal presos &agrave; parede, algo estranho n&atilde;o tivesse acontecido.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Todas as trancas arrebentaram, como se uma for&ccedil;a invis&iacute;vel as tivesse puxado com uma for&ccedil;a sobre-humana.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o, todas as portas, ao mesmo tempo, foram escancaradas, produzindo um som que ecoou por todo o corredor silencioso.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Minha &uacute;nica rea&ccedil;&atilde;o foi a de levar meus bra&ccedil;os at&eacute; meu rosto e proteger minha face, enquanto o conte&uacute;do de todos aqueles arm&aacute;rios, livros, pap&eacute;is, cadernos, eram arremessados todos de uma vez s&oacute; para fora deles, atingindo-me.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Fiquei completamente atordoada. O poder de um Devorador de Almas era muito mais do que eu pude imaginar.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Abri meus olhos a tempo de ver todos aqueles objetos pousarem suavemente sobre o ch&atilde;o, como se a for&ccedil;a oculta e invis&iacute;vel tivesse parado de agir sobre todos eles.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Impelida por meu desejo de continuar viva e por todo aquele jorro de medo e pavor em minhas veias, n&atilde;o hesitei, virei novamente, adentrando a uma das salas de aula.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Passei pela porta e cruzei as v&aacute;rias fileiras de carteiras, eu s&oacute; tinha um objetivo, as imensas janelas de vidro.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Levei minhas m&atilde;os at&eacute; elas, mas estavam todas trancadas, n&atilde;o havia fuga para mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E novamente um som insuport&aacute;vel sobressaltou-me, o guinchar das carteiras pelo ch&atilde;o, enquanto elas eram arrastadas todas de uma vez s&oacute; na minha dire&ccedil;&atilde;o. Movendo-se como se houvesse uma m&atilde;o gigante empurrando-as.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o eu fui cercada por elas, todas pararam ao redor de mim, prendendo-me ali.</p> <p>&nbsp;</p> <p>A porta da sala fechou-se sozinha com viol&ecirc;ncia.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Fiquei completamente desolada, im&oacute;vel, como uma est&aacute;tua, enquanto meus olhos arregalavam-se e eu permanecia boquiaberta.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o, surgindo da estrutura da parede novamente, a sombra viva rastejava-se at&eacute; mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Deslizei minhas costas na estrutura de vidro da imensa janela, sentando-me sobre o ch&atilde;o frio. Enquanto a criatura aproximava-se cada vez mais de mim, completamente indefesa ali e a sua total merc&ecirc;.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Apertei meus olhos e quando senti que n&atilde;o podia mais olhar, cerrei-os, perdendo o foco de minha vis&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meu cora&ccedil;&atilde;o martelava violentamente em meu peito e eu mal respirava, o ar era denso e pesado, e mal chegava at&eacute; meus pulm&otilde;es.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E embora meus olhos estivessem fechados, eu senti, todo o meu corpo sentiu, quando a escurid&atilde;o viva e medonha engolfou-me, envolvendo-me como um manto g&eacute;lido e mortal.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O sil&ecirc;ncio fez-se presente ent&atilde;o, todos aqueles ru&iacute;dos assustadores, cessando. At&eacute; que uma voz despertou-me, trazendo-me de volta para a realidade. N&atilde;o a realidade na qual eu vivia, mas a realidade a qual aquela criatura pertencia.</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;N&atilde;o tema, pequena crian&ccedil;a&rdquo;.</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>Fiquei surpresa pela voz que ecoou em meus ouvidos ser suave, l&iacute;mpida, terna. Ela transparecia seguran&ccedil;a e n&atilde;o animosidade. O que me deixou ainda mais confusa e assustada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ousei abrir meus olhos, e ent&atilde;o me surpreendi novamente. Porque a minha frente n&atilde;o estava mais a sala de aula, n&atilde;o, aquilo nem de longe parecia com o ambiente no qual eu encontrava-me poucos segundos atr&aacute;s.</p> <p>&nbsp;</p> <p>A minha frente estava um imenso campo des&eacute;rtico, t&atilde;o grande que se perdia de minha vista no horizonte. Seu solo era rachado, seco, em um tom forte de laranja.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O vento rasgava todo aquele campo, batendo em meu rosto e vergastando meus cabelos. Nuvens cinzas-clara deslizavam pelo c&eacute;u nublado.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o a voz suave permeou meus ouvidos novamente, e eu reconheci a sua origem, ao meu lado direito, pr&oacute;ximo a mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;N&atilde;o precisa temer, minha pequena, eu n&atilde;o te farei mal algum&rdquo;.</em></p> <p><em>&nbsp;</em></p> <p>&nbsp;Automaticamente, virei-me para a direita e ofeguei mais uma vez. Porque quem falava comigo era a criatura, o Devorador de Almas que h&aacute; poucos segundos amea&ccedil;ava minha vida.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Tentei encontrar minha voz, mas estava confusa demais, assustada demais. Tive que pigarrear v&aacute;rias vezes, e mesmo assim minha voz passou de um sussurro.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O que vo-voc&ecirc; que-quer?</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;N&atilde;o se preocupe, jovem, eu n&atilde;o fui enviada para machuc&aacute;-la, muito pelo contr&aacute;rio, meu &uacute;nico objetivo &eacute; ajud&aacute;-la&rdquo;.</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>A confus&atilde;o atravessou todo o meu rosto.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O qu&ecirc;?</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;Isso mesmo, conhe&ccedil;o-te muito mais do que imaginas, jovem Agatha. E estou aqui apenas com o prop&oacute;sito de ajud&aacute;-la&rdquo;.</em></p> <p><em>&nbsp;</em></p> <p>- Ajudar-me como? E pelo o qu&ecirc;?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu mal acreditava que estava conversando com uma criatura como aquela. Como assim ela pretendia ajudar-me? Do que raios ela estava falando?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meu medo ainda me dominava, ele flu&iacute;a em minhas veias com muita intensidade. Mas, mesmo assim, eu continuava fitando o rosto daquela estranha criatura, e o pior, conversando com ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;Quantos segredos est&atilde;o ocultados de voc&ecirc;, pequena, quantos mentem para voc&ecirc;. E eu estou aqui para ajud&aacute;-la a entender a verdade, a desvend&aacute;-la. Mas antes que voc&ecirc; possa compreend&ecirc;-la, voc&ecirc; deve saber que eu sou uma criatura muito antiga. Eu vago por esse mundo desde o come&ccedil;o, desde a cria&ccedil;&atilde;o de tudo.&rdquo;</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>- A cria&ccedil;&atilde;o de tudo?</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;Sim, e que n&oacute;s fomos a for&ccedil;a que veio juntamente com a energia que deu origem &agrave; vida. N&oacute;s somos o oposto dessa energia, aquela que equilibra a balan&ccedil;a, n&oacute;s somos a pr&oacute;pria morte&rdquo;.</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>- Morte? &ndash; repeti, incr&eacute;dula de que estivesse mesmo ouvindo um Devorador de Almas explicando-me a sua origem.</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;Sim, mas n&oacute;s n&atilde;o somos os &uacute;nicos. Junto da energia que deu origem a todo tipo de vida, vieram os antigos. Certamente que voc&ecirc; j&aacute; ouviu falar sobre eles&rdquo;.</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;- Sim. &ndash; assenti, lembrando-me do dia em que Aidan contou-me sobre as for&ccedil;as medonhas que predominavam sobre a face da terra e por sobre a humanidade antes dos Mediadores.</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;Agatha, h&aacute; muito anos n&oacute;s, os Devoradores de Alma, testemunhamos uma guerra sem precedentes, uma guerra nunca antes vista, que culminou com a derrota e o banimento dos antigos e de todos os esp&iacute;ritos para o plano espiritual&rdquo;.</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>- Sim, eu sei disso. &ndash; concordei, lembrando-me da hist&oacute;ria de Riguran, que Aidan j&aacute; me contara.</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;Mas essa guerra em nada se comparou com o que n&oacute;s testemunhamos v&aacute;rios&nbsp;s&eacute;culos depois. Uma guerra ainda mais catastr&oacute;fica, mas que culminou com a liberta&ccedil;&atilde;o da humanidade do jugo dos Mediadores&rdquo;. </em></p> <p>&nbsp;</p> <p>- Eu tamb&eacute;m j&aacute; ouvi sobre essa guerra.</p> <p>&nbsp;</p> <p><em>&ldquo;Ent&atilde;o, pequena, eu n&atilde;o lhe contarei mais nada sobre ela. Farei muito mais do que isso, eu permitirei que voc&ecirc; testemunhe com seus pr&oacute;prios olhos a grande batalha que iniciou a rebeli&atilde;o dos humanos&rdquo;.</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>A criatura estendeu um de seus bra&ccedil;os, apontando para algo que estava atr&aacute;s de mim. Segui-a com meus olhos, virando-me para ver o que ela apontava e quando vi, perdi todo o meu f&ocirc;lego.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Porque bem atr&aacute;s de mim estava um imenso ex&eacute;rcito, em forma&ccedil;&atilde;o, pronto para atacar. E eu reconheci de imediato as criaturas que compunham aquele ex&eacute;rcito, os olhos negros como a meia-noite os evidenciavam: Escravos das Sombras.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Deviam ser milhares deles, todos em sil&ecirc;ncio, aguardando as instru&ccedil;&otilde;es de seu general, que se encontrava &agrave; frente daquela forma&ccedil;&atilde;o. Ele n&atilde;o era um deles, ent&atilde;o s&oacute; podia ser... Um Mediador.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meus olhos buscaram mais ao longe e encontrou v&aacute;rios metros &agrave; frente daquele ex&eacute;rcito esmagador uma figura solit&aacute;ria. Sim, apenas um homem ia enfrentar aquele ex&eacute;rcito esmagador.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mesmo que aquele ex&eacute;rcito fosse centenas de vezes mais numeroso do que ele, o homem n&atilde;o temia, permanecia ereto, disposto a guerrear, mesmo que essa batalha custasse sua vida.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o o general daquele ex&eacute;rcito imponente gritou aos quatro ventos, claramente dirigindo-se ao homem solit&aacute;rio.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Essa &eacute; a sua &uacute;ltima chance, Angeonoro, filho de V&iacute;rsico. N&atilde;o mostrarei miseric&oacute;rdia alguma se n&atilde;o partir imediatamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O homem sorriu ir&ocirc;nico, mas manteve-se firme em sua decis&atilde;o de batalhar contra aquele ex&eacute;rcito.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Ora, por acaso n&atilde;o est&aacute; com medo de mim, Parmenius? Por acaso Paladium tamb&eacute;m me teme, por isso n&atilde;o teve coragem suficiente para vir enfrentar-me?</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Cale-se! &ndash; gritou o homem &agrave; frente do ex&eacute;rcito, exaltando-se.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Tudo o que fa&ccedil;o, tudo pelo que luto &eacute; nobre. Mas e os seus valores, Parmenius? Onde foram parar? Eu lutarei para libertar a humanidade de todos voc&ecirc;s, ratos Mediadores. Por acaso ficaram t&atilde;o mesquinhos que se deixaram cegar pelo poder?</p> <p>&nbsp;</p> <p>O general deu de ombros, fazendo pouco caso do discurso do homem.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- E por que exatamente voc&ecirc; importa-se com os humanos? Voc&ecirc; nem ao menos &eacute; um deles! Est&aacute; jogando a tua vida fora, homem tolo! Voc&ecirc; morrer&aacute; nesse campo de batalha pelas minhas m&atilde;os, Angeonoro!</p> <p>&nbsp;</p> <p>- A humanidade acolheu-me, - rebateu o homem - n&atilde;o s&oacute; a mim, mas a todos os meus ancestrais. E &eacute; justo que eu agora lute para salv&aacute;-los de todos voc&ecirc;s! E n&atilde;o serei eu a morrer nesse campo de batalha, Parmenius, ser&aacute; voc&ecirc;. &ndash; acrescentou o homem, sorrindo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O general enfureceu-se, tornou seus olhos para o ex&eacute;rcito, sua voz gritava ordens em uma l&iacute;ngua que eu n&atilde;o podia processar, era a l&iacute;ngua dos esp&iacute;ritos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- <em>Virsic laverius cirtruc calevar!</em></p> <p>&nbsp;</p> <p>Depois disso o ex&eacute;rcito moveu-se, rosnando em un&iacute;ssono, um som assustador eclodindo de suas gargantas e eles lan&ccedil;aram-se como m&iacute;sseis na dire&ccedil;&atilde;o do homem solit&aacute;rio, como flechas sendo disparadas por arcos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O som de seus passos chocando-se contra o ch&atilde;o empoeirado e seco provocou um som que irrompeu por todo aquele campo des&eacute;rtico, como se uma manada gigante de elefantes estivesse correndo ali, e n&atilde;o um ex&eacute;rcito de Escravos das Sombras.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu teria visto o exato momento em que o ex&eacute;rcito chocou-se contra o homem, eu teria, se algo n&atilde;o tivesse demovido minha aten&ccedil;&atilde;o do campo de batalha.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Uma dor forte, aguda, em meu ombro esquerdo. Aquilo ardeu como se uma chama estivesse consumindo minha carne.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Completamente desolada, curvei-me at&eacute; o ch&atilde;o, cerrando meus olhos e segurando em meu ombro. Mas era imposs&iacute;vel conter aquela dor, era imposs&iacute;vel tentar apazigu&aacute;-la. Era intensa demais, a dor parecia estar cravada em meus ossos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>L&aacute;grimas rolavam de meu rosto e quando senti que n&atilde;o podia mais conter aquela sensa&ccedil;&atilde;o, eu gritei de forma como nunca havia gritado. Era doloroso demais, eu mal raciocinava.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Quando abri meus olhos novamente, minha vis&atilde;o estava turva, emba&ccedil;ada por minhas l&aacute;grimas, mas eu reconheci a sala de aula novamente. Eu estava deitada sobre o ch&atilde;o frio, contorcendo-me de dor, enquanto via a criatura que a pouco ainda conversava comigo, curvar-se lentamente at&eacute; meu corpo, recobrindo-me como um manto g&eacute;lido.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E eu afundei na escurid&atilde;o, o torpor assumiu o controle sobre mim, sobrep&ocirc;s-se a minha dor, e eu n&atilde;o senti mais nada, e afundei naquelas &aacute;guas negras e g&eacute;lidas, enquanto os bra&ccedil;os da morte cercavam-me e eu preparava-me para receber seu beijo mortal, o beijo&nbsp;que roubaria minha vida...</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p>