<p style=\"text-align: center;\"><span style=\"text-decoration: underline;\"><strong>Cap&iacute;tulo XXIII &ndash; Confiss&otilde;es </strong></span></p> <p style=\"text-align: center;\">&nbsp;</p> <p style=\"text-align: center;\"><strong>====================================== </strong></p> <p style=\"text-align: center;\">&nbsp;</p> <p>Eu n&atilde;o sabia ao certo o que estava havendo. Em um momento, eu n&atilde;o sentia absolutamente nada, meu corpo, meu cora&ccedil;&atilde;o palpitando em meu peito, a dor que a pouco consumia todas as minhas for&ccedil;as.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas ent&atilde;o aconteceu algo, eu podia sentir meu corpo, eu podia ouvir meus batimentos em meu peito e o leve arfar de meus pulm&otilde;es. Ent&atilde;o veio a constata&ccedil;&atilde;o, eu estava viva.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Por&eacute;m, junto do al&iacute;vio veio a lembran&ccedil;a daquela criatura, o Devorador de Almas, ele ainda podia estar tentando contar-me a verdade ou retirar minha alma de meu corpo?</p> <p>&nbsp;</p> <p>E o desespero tomou conta de mim, reanimando-me, dando-me for&ccedil;as, e eu s&oacute; tinha uma coisa em mente: continuar viva.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu tinha a certeza absoluta de que ainda me encontrava em perigo, e no &iacute;mpeto de libertar-me daquela situa&ccedil;&atilde;o, lancei meus bra&ccedil;os para cima, tentando sair daquele buraco negro no qual encontrava-me.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu queria que aquela criatura afastasse-se de mim, que ela detivesse-se, que ela n&atilde;o roubasse minha vida de mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Forcei minha voz atrav&eacute;s de minha garganta e percebi que podia falar, ou melhor, podia gritar.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o, pare! &ndash; eu ordenava a criatura, ainda com meus olhos cerrados. Enquanto minhas m&atilde;os agitavam-se para cima, tentando afastar aquela coisa de mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Por&eacute;m, a criatura mostrou-se resistente, suas m&atilde;os agarraram as minhas, impedindo-me de afast&aacute;-la de meu corpo, suas m&atilde;os eram grandes e quentes e fecharam-se ao redor de meus pulsos como grilh&otilde;es, e n&atilde;o eram g&eacute;lidas e com garras nas pontas como eu imaginara.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O desespero encheu minhas veias novamente, e eu tentei lutar contra a for&ccedil;a daquela criatura novamente, mas era in&uacute;til, ela era dezenas de vezes mais forte do que eu.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ent&atilde;o decidi apelar para minha voz novamente, tentando dissuadi-la de matar-me.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o, por favor, deixe-me em paz!</p> <p>&nbsp;</p> <p>E novamente a criatura mexeu-se, puxou-me pelos meus pulsos que estavam em seu poder para perto de seu corpo, que tamb&eacute;m acabou surpreendendo-me, afinal ele era quente e forte, e em nada lembrava a criatura medonha e esqu&aacute;lida que flutuava acima de minha cabe&ccedil;a, como uma sombra fantasmag&oacute;rica. E depois a criatura aproximou seus l&aacute;bios de meu ouvido, e ent&atilde;o eu parei de lutar imediatamente. Eu simplesmente cessei minha luta. Porque a criatura sussurrava em meu ouvido, e &eacute; claro que aquela voz suave como veludo, abafada, s&eacute;ria acalmou-me no mesmo instante.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Shhhhhh... Acalme-se, voc&ecirc; est&aacute; segura agora.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Claro que eu reconhecia o dono daquela voz, como eu n&atilde;o podia reconhec&ecirc;-la? E pouco a pouco eu tentei voltar a mim mesma, certificar-me de que n&atilde;o estava alucinando. Havia algo plano e frio embaixo de mim, devia ser o piso da sala de aula.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O ar ao meu redor ainda era denso e g&eacute;lido, mas perfeitamente normal para uma noite como aquela. Mas, a primeira coisa que notei foram dois bra&ccedil;os ao meu redor, acalentando-me, ent&atilde;o eu soube que estava tudo bem e que podia abrir meus olhos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E assim eu o fiz.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E a primeira coisa que eu vi foi a &uacute;nica que prendeu a minha aten&ccedil;&atilde;o, nada mais podia cativar-me, n&atilde;o quando o rosto dele estava t&atilde;o perto do meu, seus olhos calorosos, abrasadores encaravam-me, vincados pela preocupa&ccedil;&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Aidan? &ndash; chamei-o e ele assentiu, semicerrando seus olhos. Prestei aten&ccedil;&atilde;o em coisinhas m&iacute;nimas e t&atilde;o cruciais ao mesmo tempo, como o fato de estar em seus bra&ccedil;os, completamente segura.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O que houve? &ndash; perguntei-lhe, minha voz estava meio rouca, abafada, ela mal passava de um fraco sussurro.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o se lembra? &ndash; perguntou-me ele, um pouco tenso.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Suspirei e depois desviei meus olhos dos seus, tentei desvencilhar-me de seus bra&ccedil;os tamb&eacute;m, mas ele n&atilde;o permitiu, pelo contr&aacute;rio, escondeu-me ainda mais no meio de seu peitoral largo e seus bra&ccedil;os fortes.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Olhei em derredor, completamente confusa. Eu ainda estava na sala de aula, dava para perceber. As carteiras ainda estavam todas desalinhadas, formando uma barreira ao meu redor, tudo gra&ccedil;as ao poder de um Devorador de Almas.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Por&eacute;m, n&atilde;o havia mais nada; absolutamente nada. &Eacute;ramos apenas n&oacute;s ali.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Aidan, voc&ecirc;... voc&ecirc; deteve os... &ndash; apenas comecei minha pergunta e sua voz cortou-me, respondendo-me prontamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Sim, eles se foram. N&atilde;o se preocupe, eles n&atilde;o v&atilde;o mais tentar machuc&aacute;-la.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Engoli em seco, como assim eles j&aacute; tinha ido embora? Aidan lutou com eles? Eu estava preste a perguntar-lhe como ele os havia afugentado, mas algo me deteve. Um homem irrompeu pela sala, alto, elegante, com um porte quase t&atilde;o forte quanto o de Aidan. Observei-o minuciosamente, notando como seu cabelo liso loiro-claro, quase prateado, brilhava sob a pequena incid&ecirc;ncia de luz naquela sala, oriunda da lua.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Seus olhos eram azuis como safira, os l&aacute;bios eram finos, o queixo tinha um formato um tanto quadrangular, os olhos estreitavam-se nas pontas e as ma&ccedil;&atilde;s de seu rosto eram altas.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele trajava roupas completamente comuns, jeans surrados, botas pretas, su&eacute;ter cor de marfim e por cima uma jaqueta de couro negra e aparentava ter em m&eacute;dia uns trinta e poucos anos, mas eu sabia que era apenas minha impress&atilde;o, ele devia ter s&eacute;culos de idade, devia ser mais velho at&eacute; do que Aidan.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele observou Aidan, depois me observou em seus bra&ccedil;os por longos segundos antes que sua voz rouca ecoasse novamente naquela sala.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Est&aacute; tudo bem, Aidan, eles n&atilde;o voltar&atilde;o mais.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Aidan assentiu com um gesto e depois complementou.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Obrigada pela ajuda, Michael, eu sabia que poderia contar com voc&ecirc;.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Os olhos azuis do homem empolgaram-se, enquanto um sorriso emoldurava seus l&aacute;bios.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Tudo em nome dos velhos tempos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Do que eles estavam falando? Eu estava completamente perdida naquela conversa.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Encarei Aidan, mas ele estava perdido em seus pr&oacute;prios pensamentos. Ent&atilde;o eu soube que aquela n&atilde;o era a hora certa para lhe fazer perguntas.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mordi minha l&iacute;ngua e refreei minha curiosidade, permanecendo em sil&ecirc;ncio, enquanto o estranho chamado &ldquo;Michael&rdquo;, aproximava-se cauteloso de n&oacute;s dois ali no ch&atilde;o frio, cercados por todas aquelas carteiras.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele arqueou uma de sobrancelhas, enquanto seus olhos demoravam-se em meu rosto. Senti o sangue arder em minhas bochechas. Por que ele estava olhando tanto para mim?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Aidan notou de imediato o meu constrangimento, pigarreou e o tal de Michael encarou-o sobressaltado como se tivesse sido chutado ou coisa parecida. Seus olhos encontraram o rosto de Aidan mais uma vez.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Er, n&atilde;o se preocupe com os dois jovens, eu cuido deles.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Os olhos castanhos de Aidan n&atilde;o transpareciam nada enquanto ele respondia aquele estranho.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Obrigada novamente, Michael.</p> <p>&nbsp;</p> <p>O louro assentiu, depois se virou na dire&ccedil;&atilde;o da sa&iacute;da e partiu, deixando-nos a s&oacute;s naquela sala completamente desarrumada. Eu n&atilde;o compreendia o que estava se passando ali, e muito menos tinha certeza de que desejava saber. Talvez fosse melhor esperar at&eacute; que estiv&eacute;ssemos os dois em casa, e eu &eacute; claro, teria que enfrentar a sua f&uacute;ria por romper minha promessa de n&atilde;o me expor ao perigo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Aidan tornou toda a sua aten&ccedil;&atilde;o para mim novamente, aninhada de forma t&atilde;o protetora em seus bra&ccedil;os e um sorriso emoldurou seus l&aacute;bios.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Pronta para ir para casa? &ndash; perguntou-me ele em um tom divertido.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Assenti sem nada dizer e mencionei levantar-me, tentando libertar-me de seus bra&ccedil;os a todo custo, mas ele discordava comigo, e com um &uacute;nico movimento sutil, que acabou por sobressaltar-me, Aidan ergueu em seus bra&ccedil;os, sustentando todo o peso de meu corpo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Agarrei seu pesco&ccedil;o automaticamente, e o encarei, assustada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O que vai fazer?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele sorriu novamente antes que seus joelhos flexionassem, e com a agilidade e a leveza de um felino ele saltou por sobre as carteiras empilhadas, comigo em seus bra&ccedil;os e pousou suavemente no ch&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Lev&aacute;-la para casa. &ndash; respondeu-me ele em um tom divertido.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu ri de leve e arquei uma de minhas sobrancelhas.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Caso n&atilde;o tenha percebido, eu possuo duas pernas, posso andar. &ndash; retruquei, um pouco emburrada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele apenas me ignorou e come&ccedil;ou a andar pela sala, carregando-me consigo. Fiz uma carranca no mesmo instante, eu me sentia como aquelas princesinhas de contos de fadas que s&atilde;o carregadas pelos seus pr&iacute;ncipes encantados.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Aidan cruzou o longo corredor e logo est&aacute;vamos do lado de fora da escola. Era estranho que eu sa&iacute;sse de l&aacute; com vida. Eu estava preparando-me para nunca mais retornar de l&aacute;, sacrificar minha vida por um amigo, mas tudo n&atilde;o passou de uma brincadeira de terr&iacute;vel mau gosto.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Sacudi minha cabe&ccedil;a e decidi ignorar aqueles pensamentos e enquanto Aidan carregava-me por aquelas ruas desertas e silenciosas sob os raios prateados daquela lua cheia bel&iacute;ssima, ocorreu-me que eu ainda n&atilde;o havia entendido absolutamente nada do que acontecera entre o tempo em que eu afundei nas &aacute;guas negras da inconsci&ecirc;ncia, e o meu despertar nos bra&ccedil;os dele.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Aidan? &ndash; eu o chamei e seus olhos antes fixos no nada voltaram para a minha face, cautelosos novamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Hmm... &ndash; ele assentiu, monologo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O que exatamente voc&ecirc;... foi fazer fora da cidade? &ndash; perguntei-lhe, meio temerosa de que ele enfurecesse comigo e decidisse me ignorar, mas ele deu de ombros e eu suspirei aliviada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Fui procurar a ajuda de algu&eacute;m que conhecia o suficiente dessas criaturas.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Aquele rapaz? &ndash; conjeturei, lembrando-me do homem louro de olhos azuis celestes.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Sim, aquele &eacute; Michael Sundovall. Ele j&aacute; serviu Sillentya por muitos anos, tem experi&ecirc;ncia em afugentar criaturas como os Devoradores de Almas. Ele mora em Pittsburg, mais ao norte do estado, na fronteira com o Canad&aacute;.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Espere. &ndash; eu o interrompi &ndash; Quer dizer que existe um ex-ca&ccedil;ador de Sillentya morando nas redondezas? Em New Hampshire?</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o um ex-ca&ccedil;ador, mas um ex-sacerdote e sim, ele mora em New Hampshire.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Como? &ndash; eu perguntei, sem f&ocirc;lego.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Ele n&atilde;o serve mais as Sete Tristezas, pelo menos Sillentya n&atilde;o precisa mais das habilidades dele, e ele possui a autoriza&ccedil;&atilde;o de todos eles para viver fora da It&aacute;lia, mas existe um monitoramento que &eacute; feito periodicamente para assegurar que ele est&aacute; obedecendo as regras.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Que regras?</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o expor a nossa ra&ccedil;a, n&atilde;o utilizar os poderes para qualquer banalidade, manter a fachada humana &eacute; a principal.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ponderei por alguns segundos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Ent&atilde;o voc&ecirc; poderia... viver aqui se possu&iacute;sse uma... autoriza&ccedil;&atilde;o?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu n&atilde;o queria demonstrar que aquela informa&ccedil;&atilde;o dada por ele havia acendido uma fa&iacute;sca de esperan&ccedil;a em mim. De que talvez n&oacute;s dois n&atilde;o tiv&eacute;ssemos de nos separar, pelo menos, n&atilde;o permanentemente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Os olhos castanhos dele pousaram sobre os meus, confusos, semicerrados. E ent&atilde;o ele compreendeu aonde exatamente eu queria chegar.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Para mim, creio que n&atilde;o seria poss&iacute;vel. &ndash; sussurrou ele, a voz embargada pela tristeza.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Por que voc&ecirc; precisa assumir o lugar de seu mentor, n&atilde;o &eacute;? &ndash; conjeturei, mas ele n&atilde;o respondeu, ent&atilde;o era um sim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meus olhos baixaram, escondendo-se dos seus, eu n&atilde;o queria que ele visse a tristeza que eles transpareciam naquele momento. Al&eacute;m do mais, minha decis&atilde;o j&aacute; estava tomada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Tratei de mudar de assunto, desviando daquele rumo obscuro que nossa conversa havia tomado.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Mas, como exatamente voc&ecirc;s conseguiram... afugent&aacute;-los?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Aidan permaneceu durante longos segundos em sil&ecirc;ncio, at&eacute; que sua voz ecoou em meus ouvidos novamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- &Eacute; um ritual, muito trabalhoso, mas que no fim mostra-se muito eficiente. Os Devoradores de Almas n&atilde;o poder&atilde;o colocar os p&eacute;s nessa cidade por longos cem anos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Uau. &ndash; exclamei, completamente surpresa e admirada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E seus olhos de repente tornaram-se severos, e eu j&aacute; sabia que levaria uma bronca dele.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Mas isso nos remete a pergunta, por que voc&ecirc; saiu de casa quando eu a fiz prometer que se manteria completamente segura?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Desviei meus olhos novamente, completamente encabulada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Se eu pedir desculpas, voc&ecirc; esquecer&aacute;? &ndash; perguntei-lhe, temerosa de que seu mau humor o dominasse.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas ele manteve o tom divertido, e um sorriso no canto dos l&aacute;bios.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Provavelmente n&atilde;o. &ndash; confessou-me ele.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Suspirei, derrotada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Mesmo assim acho que vou tentar, desculpe-me, eu fui uma cabe&ccedil;a dura, teimosa e irrespons&aacute;vel.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Concordo. &ndash; retrucou ele e depois complementou &ndash; E voc&ecirc; quebrou uma promessa, ent&atilde;o s&atilde;o menos pontos ao seu favor.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Tudo bem. &ndash; concordei com ele &ndash; Desculpe-me por romper a promessa. Estou perdoada?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele riu de mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Isso depende.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Depende do qu&ecirc;? &ndash; perguntei-lhe, curiosa.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Seus olhos castanhos buscaram os meus, e retiraram todo o meu f&ocirc;lego. Como eu ainda n&atilde;o havia me acostumado a estar debaixo daquele olhar t&atilde;o... penetrante.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Da pr&oacute;xima vez que eu tiver que me afastar de voc&ecirc;, ou assim que eu lhe der as costas, voc&ecirc; n&atilde;o correr&aacute; direto para os bra&ccedil;os da morte, correr&aacute;?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu devia estar enrubescendo naquele exato momento, isso n&atilde;o era nada bom.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu n&atilde;o queria dar mais um motivo para que ele continuasse a se divertir as minhas custas.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o. &ndash; sussurrei e ele riu. Depois eu atirei minhas m&atilde;os para o alto, estava entregando o jogo, definitivamente &ndash; Eu fui uma completa boba, era apenas uma brincadeira de mau gosto e eu ca&iacute; como um patinho. &ndash; confessei-lhe, percebendo que ao final de meu discurso ele continuava rindo de mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ent&atilde;o eu tamb&eacute;m sorri. Era maravilhoso v&ecirc;-lo t&atilde;o despreocupado, t&atilde;o alegre, eu n&atilde;o gostava de v&ecirc;-lo sombrio, remoendo seu passado e muito menos se culpando por tudo o que j&aacute; aconteceu. Porque naquele momento era outro Aidan que me carregava em seus bra&ccedil;os, uma pessoa completamente diferente da que eu conheci um dia, e eu tinha que admitir, que aquela era a sua parte que eu mais amava. A parte curada de todo o seu passado, a parte curada e regenerada pelo amor.</p> <p>&nbsp;</p> <p>S&oacute; ent&atilde;o eu lembrei-me dos outros dois jovens que estavam comigo na escola na hora do ataque, Becki e Kurt. Estariam eles...</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Aidan? &ndash; eu o chamei, e ele cessou o riso, notando a seriedade e a preocupa&ccedil;&atilde;o em minha voz.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O que foi? &ndash; ele respondeu-me com outra pergunta, j&aacute; tendo consci&ecirc;ncia de que algo me perturbava.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Os outros dois jovens que estavam l&aacute;... eles...</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o. &ndash; sua voz interrompeu-me, s&eacute;ria novamente &ndash; Eles n&atilde;o est&atilde;o mortos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Ent&atilde;o como eles est&atilde;o?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele ponderou por alguns segundos, mas depois me respondeu, a voz completamente abafada, s&eacute;ria.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O garoto bateu bem forte a cabe&ccedil;a, com sorte n&atilde;o se lembrar&aacute; de nada. Mas a garota... &ndash; ele hesitou, parecendo buscar as palavras corretas &ndash; ela viu demais, quando a encontramos, logo depois de retirar aquela... coisa de cima de voc&ecirc;, &ndash; as &uacute;ltimas palavras sa&iacute;ram cuspidas atrav&eacute;s de seus dentes trincados, e seus m&uacute;sculos haviam enrijecido, ent&atilde;o ele estava com muita raiva &ndash; Becki estava mais ou menos catat&ocirc;nica. Ela repetia sem parar que n&atilde;o deixassem que eles a pegassem. Michael cuidar&aacute; de tudo para mim, e se algum dia ela recuperar realmente a consci&ecirc;ncia, quem sabe possa voltar para a sua vida normal.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mordi meus l&aacute;bios, embora Becki tenha feito tudo aquilo para mim, armado aquela brincadeira de mau gosto para me assustar e o principal, tenha tentando afastar-me de Aidan, eu n&atilde;o desejava aquilo para ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Estamos chegando. &ndash; murmurou ele, interrompendo meus devaneios. &ndash; Pronta para uma noite de sono sem mais interrup&ccedil;&otilde;es? &ndash; perguntou-me ele, em um tom brincalh&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu sorri em resposta.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Estarei pronta, contanto que voc&ecirc; n&atilde;o me deixe mais desse jeito.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Eu n&atilde;o a deixarei. &ndash; e o som da promessa estava presente em sua voz. Repousei minha cabe&ccedil;a em seu ombro, enquanto ele adentrava comigo em seus bra&ccedil;os em minha casa completamente silenciosa e &agrave;s escuras.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ele subia as escadas, onde eu j&aacute; me preparava para o que tinha que enfrentar no dia seguinte: uma tarde de compras na companhia de Tamara.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Somente de lembrar-me desse fato causava-me arrepios. Como eu havia mesmo ido parar em uma situa&ccedil;&atilde;o como essas? Ah, claro! Eu me apaixonei, ainda que pelo garoto mais intrigante, misterioso e soturno, mas eu de fato havia e isso era ineg&aacute;vel.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Logo eu j&aacute; estava em seus bra&ccedil;os, completamente segura e eu devo admitir, muito sonolenta.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Aidan? &ndash; chamei-o uma &uacute;ltima vez, sentindo que o cansa&ccedil;o estava consumindo-me cada vez mais.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Hmm... &ndash; ele respondeu-me mon&oacute;logo, como sempre, seus olhos estavam cerrados.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Haver&aacute; um... baile de primavera no col&eacute;gio em mais ou menos uma semana. &ndash; eu realmente n&atilde;o acreditava que estava conversando sobre isso com ele, mas se eu quisesse manter-me firme em minha decis&atilde;o, eu precisava.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele riu de leve, abrindo seus olhos calorosos para me fitar.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- &Eacute;, eu sei, Tamara tem te pressionado muito ultimamente.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Foi a minha vez de rir.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o encontro uma maneira de discutir com ela, ent&atilde;o sei que provavelmente no fim, acabarei amorda&ccedil;ada, amarrada e arrastada at&eacute; ele de qualquer forma, ent&atilde;o eu estava pensando, j&aacute; que n&atilde;o h&aacute; escapat&oacute;ria, voc&ecirc;... poderia estar l&aacute; comigo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele aconchegou-se mais, puxando-me pela cintura, enquanto nossos rostos ficavam a poucos cent&iacute;metros. E seus l&aacute;bios repuxaram-se em um belo sorriso, enquanto seus olhos ardiam de forma intensa nos meus.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Voc&ecirc; est&aacute; me convidando para ir a um baile? &ndash; perguntou-me ele, incr&eacute;dulo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Eu sei que &eacute; pedir demais, - revirei meus olhos e dei de ombros &ndash; mas eu n&atilde;o queria ficar sozinha l&aacute;, - sorri comigo mesma e decidi provoc&aacute;-lo &ndash; e &eacute; claro que Peter estar&aacute; l&aacute; com Tamara e outros meninos...</p> <p>&nbsp;</p> <p>De repente perdi o fio do pensamento, na verdade eu n&atilde;o conseguia pensar em nada, n&atilde;o com os l&aacute;bios dele nos meus, arrancando todo o meu f&ocirc;lego, enquanto ele pressionava-me cada vez mais contra o seu corpo. Depois, eu estava arfando, e ele ria de mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- E acha mesmo que eu a deixaria t&atilde;o linda e desprotegida no meio de todos aqueles garotos? Eu podia dar uma boa surra em qualquer um que bancasse o engra&ccedil;adinho com voc&ecirc;.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Isso significa um sim? &ndash; perguntei-lhe, e seus olhos n&atilde;o mentiam, ele estaria comigo, sempre que eu quisesse, sempre que eu lhe pedisse.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ele assentiu com um gesto e depois exigiu minha aten&ccedil;&atilde;o novamente, tomando meus l&aacute;bios de forma s&uacute;bita e calorosa, e que me deixou completamente sem ar, de novo...</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu acompanhava Tamara pelos corredores da loja, tantos cabides com tantos vestidos diferentes. Embora eu devesse confessar que todos pareciam iguais aos meus olhos. Talvez porque a &uacute;ltima vez em que tivesse realmente usado um fosse o meu long&iacute;nquo e quase nebuloso anivers&aacute;rio de cinco anos, onde minha m&atilde;e meteu-me em um rosa cheio de babados e la&ccedil;os. Depois eu finquei o p&eacute; e recusei-me com veem&ecirc;ncia a usar um outra vez.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Tamara empilhava em meu bra&ccedil;o um monte deles, fazendo coment&aacute;rios em uma l&iacute;ngua que para mim era desconhecida, como chiffons, strass, tafet&aacute;.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E aquelas pilhas de vestidos j&aacute; come&ccedil;avam a pesar em meu bra&ccedil;o e quando eu reclamava com ela, dizia-lhe que j&aacute; era o bastante, ela n&atilde;o me ouvia e continuava a vagar por aqueles corredores estreitos da loja de departamentos, rebocando-me com ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E eles eram rosa, lil&aacute;s, azul, verde e de muitas outras cores que eu sequer tinha consci&ecirc;ncia de existir.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Claro que o epis&oacute;dio da noite anterior, ou pelo menos a bagun&ccedil;a causada pelos Devoradores de Alma, foi atribu&iacute;da a v&acirc;ndalos. Aidan tivera raz&atilde;o sobre Kurt, no dia seguinte ele apareceu na escola, n&atilde;o se lembrando de nada do que acontecera e tendo me ignorado como em qualquer outro dia. Mas Becki n&atilde;o compareceu &agrave;s aulas, e o motivo era &oacute;bvio: ela devia estar nesse exato momento tratando-se em uma cl&iacute;nica psiqui&aacute;trica. Os pais dela assustaram-se bastante pelo estado da filha, como se estivesse em transe. Ela mal tinha consci&ecirc;ncia das coisas ao seu redor, n&atilde;o depois de ter visto o que ela viu. E &eacute; claro que Peter fez um coment&aacute;rio maldoso, como &ldquo;e l&aacute; se vai a rainha do baile de primavera&rdquo;. Tamara &eacute; claro desferiu-lhe uma forte cotovelada no est&ocirc;mago e Peter, mesmo retorcendo-se de dor, continuou rindo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Sacudi minha cabe&ccedil;a e espantei aqueles pensamentos de minha mente, focando-me em Tamara continuar empilhando aqueles vestidos no meu bra&ccedil;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Tamara, eu acho que j&aacute; est&aacute; bom. &ndash; reclamei mais uma vez, tentando det&ecirc;-la, eu j&aacute; havia perdido a conta de quantos vestidos havia ali em meu bra&ccedil;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela virou-se para mim, os olhos distra&iacute;dos encontrando a pilha de tecidos multicoloridos em meu bra&ccedil;o, e ent&atilde;o ela colocou o indicador no queixo, refletindo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o, abruptamente, seus olhos vibraram de empolga&ccedil;&atilde;o, e sem mais nem menos, sua m&atilde;o agarrou meu pulso livre, puxando-me junto com ela pelos corredores at&eacute; os provadores da loja.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu quase fui ao ch&atilde;o com vestidos e tudo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela estacou diante de mim, um misto de felicidade e excita&ccedil;&atilde;o nos olhos esmeraldinos. At&eacute; que bateu as palmas de suas m&atilde;os, claramente encorajando-me.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Pronto, pode experimentar!</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu arfei.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O qu&ecirc;? Todos eles?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela franziu o cenho e colocou as duas m&atilde;os na cintura.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Claro, bobinha, s&atilde;o todos para voc&ecirc;. &ndash; retorquiu ela, mal humorada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Mas e voc&ecirc;? &ndash; perguntei-lhe, imaginando porque ela escolheria tantos vestidos apenas para mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas ela deu de ombros, fazendo pouco caso.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Ora, depois n&oacute;s vemos isso, mas agora &eacute; a sua vez! Vamos, vamos! &ndash; encorajou-me ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E ent&atilde;o me empurrou para dentro de um os provadores. Irritada, puxei a cortina e comecei a provar um por um dos vestidos. Embora alguns tenham realmente me deixado confusa, e eu tenha que ter pedido a ajuda de Tamara para encontrar os fechos.</p> <p>&nbsp;</p> <p>E a cada vez que eu terminava de vestir um eu tinha que sair para que ela pudesse ver como havia ficado. Escutei muitos elogios em alguns como &ldquo;ficou lindo&rdquo;, &ldquo;esse est&aacute; incr&iacute;vel&rdquo;, &ldquo;adorei esse!&rdquo;.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Mas em outros ela fez uma careta de desaprova&ccedil;&atilde;o, observou alguns por longos segundos antes de concluir que ele n&atilde;o contrastava com o meu tom de pele, ficara grande demais, ou precisaria de muitos ajustes.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu ficava cada vez mais impaciente e emburrada, at&eacute; que experimentei um que agradou at&eacute; mesmo a mim. N&atilde;o era nada chamativo, o que era &oacute;timo para mim, cor de marfim, com uma faixa negra logo abaixo do busto destacando no tecido leve e claro, abrindo em uma saia rodada at&eacute; os joelhos. Dei uma pirueta e Tamara pareceu satisfeita.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- E ent&atilde;o? &ndash; perguntei-lhe.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela sorriu, radiante e depois caminhou at&eacute; mim.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Est&aacute; perfeito! &Eacute; lindo, Agatha!</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Obrigada. &ndash; agradeci-lhe.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Dirigi-me at&eacute; o pequeno puff que havia naquela se&ccedil;&atilde;o. Suspirei e Tamara veio at&eacute; mim, sentando-se ao meu lado. Ela soube no mesmo momento que havia algo me afligindo. Tamara era muito boa para ver quando eu n&atilde;o estava muito bem.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela inspirou fundo e depois repousou uma de suas m&atilde;os em meu ombro.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Vamos, pode dizer, o que houve?</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu hesitei, havia tantas coisas que Tamara n&atilde;o podia saber, para a sua pr&oacute;pria seguran&ccedil;a, mas ainda assim, havia partes que podiam ser reveladas. E eu precisava disso; eu precisava desabafar com algu&eacute;m, pedir alguns conselhos e ningu&eacute;m melhor que Tamara para me ajudar em uma hora dessas.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Tamara... &ndash; eu comecei, depois me interrompi, procurando pelas palavras adequadas, que pudessem exprimir tudo o que eu sentia naquele momento. &ndash; Tamara, &eacute;... normal que &agrave;s vezes os garotos guardem segredos de voc&ecirc;? Ela arqueou uma de suas sobrancelhas, depois seus olhos esbugalharam-se e ela entendeu perfeitamente a minha pergunta.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Agatha, aconteceu alguma coisa com voc&ecirc; e com o... Aidan?</p> <p>&nbsp;</p> <p>A resposta escapou de meus l&aacute;bios no mesmo instante.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- N&atilde;o! &ndash; mas depois tive que me corrigir &ndash; Quer dizer, n&atilde;o ainda.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Meus olhos baixaram at&eacute; o carpete que recobria todo o assoalho daquela se&ccedil;&atilde;o da loja e minhas m&atilde;os instintivamente come&ccedil;aram a suar.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Por que n&atilde;o me conta o que houve? &ndash; instigou-me ela, seus l&aacute;bios projetando-se em um meio-sorriso.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Suspirei mais uma vez, buscando for&ccedil;as. E ent&atilde;o aquele sentimento que eu estivera reprimindo nos &uacute;ltimos dois dias fluiu atrav&eacute;s do meu corpo.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- &Agrave;s vezes, eu acredito que ele esconde algo de mim. Algo que ele n&atilde;o pode revelar, e ent&atilde;o ele se isola, constr&oacute;i tantas muralhas ao redor de si, muralhas que eu sinto que jamais poderei transpassar. Tamara ponderou por longos segundos, seu semblante ficou pensativo e seus olhos, antes empolgados e alegres, agora estavam col&eacute;ricos, tristonhos, como se ela entendesse a minha dor.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Agatha, isso &eacute;... compreens&iacute;vel. &ndash; ela sussurrou, tentando confortar-me. Depois ela mostrou mais convic&ccedil;&atilde;o enquanto continuava seu discurso &ndash; Ora, ele &eacute; um garoto! Todos os garotos possuem segredos, e eles precisam ter esse espa&ccedil;o apenas para eles e para mais ningu&eacute;m. &Eacute; o que nos distingue, eles s&atilde;o complicados, n&oacute;s n&atilde;o. &ndash; ela riu consigo mesma nessa &uacute;ltima frase.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Arquei uma sobrancelha, mas ela parecia estar falando s&eacute;rio. Depois ela espalmou as m&atilde;os, como se estivesse tendo um chilique.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- &Eacute; s&eacute;rio, os garotos deviam vir com um manual de instru&ccedil;&otilde;es, isso sim. Eu ri, Tamara como sempre, havia conseguido dissipar todos os meus temores e levar embora todas as minhas incertezas, de um modo um tanto peculiar, eu tinha que admitir.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Tudo bem, garotos precisam de espa&ccedil;o. &ndash; concordei com ela, e Tamara sorriu no mesmo instante, depois sem o menor aviso, pegou em minhas m&atilde;os, levantou-se com um pulo e puxou-me com ela. Seu rosto estava iluminado novamente, e aquela sua empolga&ccedil;&atilde;o toda me deixou desconfiada.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- O que foi? &ndash; perguntei a ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Como assim o que foi? &ndash; ela parecia ofendida &ndash; Vamos, vamos, voc&ecirc; tem mais vestidos para experimentar! &ndash; berrou ela, empurrando-me de volta para o provador. Tentei discutir com ela, mas foi em v&atilde;o.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- Espere! &ndash; exigi &ndash; Pensei que esse tivesse ficado &oacute;timo. &ndash; disse-lhe, analisando o vestido bel&iacute;ssimo que eu trajava.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Ela deu de ombros, fazendo pouco caso de minha tentativa in&uacute;til de me livrar de mais horas no provador.</p> <p>&nbsp;</p> <p>- E realmente &eacute; verdade, esse ficou &oacute;timo, mas pode haver outros que ficar&atilde;o perfeitos ou divinos. Agora n&atilde;o discuta e experimente o pr&oacute;ximo! &ndash; ordenou ela.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Suspirei, derrotada, e fechei a cortina do provador, j&aacute; pressentindo que seriam longas horas naquela loja at&eacute; que Tamara ficasse completamente satisfeita.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Pelo menos Aidan estaria comigo. Isso me causava um certo al&iacute;vio, ainda que meu est&ocirc;mago ficasse meio embrulhado e minhas pernas ficassem bambas, somente de imaginar-me em um... um baile.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Realmente, estar apaixonada pode trazer grandes desvantagens.</p> <p>&nbsp;</p> <p>Eu que o diga.</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p> <p>&nbsp;</p>