SPIN OFF - Carta Para Você

A Personal Stylist da Primeira-Dama Kelly Gibbs Sanders


Estava finalmente em casa, tinha virado duas noites trabalhando no fuso da Ucrânia. Meu relógio biológico estava o caos e eu precisava urgentemente dormir.

Eu precisava disso. Mas alguém achava que não.

Meu celular, que eu tinha displicentemente jogado dentro da gaveta da mesinha de cabeceira, começou a tocar. Steve, que mal tinha chegado de uma missão para lá de Deus me Livre, começou a reclamar que ninguém respeitava mais o sono de ninguém e tampou a cabeça com o travesseiro, praguejando contra Deus e o mundo em vários idiomas misturados.

Sem olhar para a tela, desliguei a coisinha e me joguei na cama, ao lado de meu noivo.

— Essa deveria ser uma noite, ou manhã, destinada a matar a saudade que estou de você, mas estou cansado demais para isso. – Ele falou e me puxou para seus braços.

— O mesmo comigo. Assim está bom demais. – Comentei, dei um beijo nele e me ajeitei em seus braços, sendo logo sugada para a inconsciência do sono.

Me revirei na cama ao som de algo batendo. Era inacreditável que meus vizinhos queriam fazer uma reforma a essa hora da manhã.

— Merda. – Steve murmurou e tampou a cabeça.

Fiz o mesmo e tentei voltar a dormir.

Outra vez o barulho, agora foi fácil de ignorar. Porém foi ficando mais alto e mais forte, até que escutei um estrondo. Os vizinhos deveriam estar jogando um piano escada abaixo, essa era a única explicação que eu conseguia formular. Mas, a julgar pelo barulhão, deveria ter acabado a festa, assim, poderia voltar a dormir.

Me ajeitei na cama, abracei o travesseiro e estava quase adormecendo novamente quando escutei o seguinte grito:

— MAS POR QUE RAIOS VOCÊ NÃO ATENDE AO TELEFONE NEM A PORTA??

Dei um pulo da cama, minha mão voando para debaixo do meu travesseiro e agarrando a minha arma, apontei na direção do som, Steve fez o mesmo, e quando notamos quem invadiu o nosso quarto fomos obrigados a abaixar as armas.

Não porque Kelly merecia a consideração de não virar um queijo suíço, mas porque o marido dela era nosso chefe maior.

— O que você está fazendo aqui? - Questionei surpresa.

— Preciso conversar com você! Veste uma roupa e me encontre lá embaixo. – Ela deu a ordem e saiu marchando pelo corredor.

Olhei para Steve que estava mais desnorteado do que eu.

— O que a sua irmã precisa de tão urgente, que ninguém na Casa Branca pode ajudá-la? – Ele perguntou coçando a cabeça.

— Sei lá, Kells sempre foi doida da cabeça. Não se esqueça de que ela é mãe de três e já passou dos quarenta.

Vesti um moletom e desci a escada, tentando desembaraçar meu cabelo. Quando pisei no primeiro andar, vi que tinha agentes do Serviço Secreto até dentro da minha cozinha.

— Pelo amor de Deus! Fiquem lá fora! Aqui não é a Casa Branca. – Enxotei dois que estavam na sala.

Eles não moveram um pé e eu fui atrás de Kelly, praguejando contra a presença dela na minha casa e na minha manhã de descanso.

— São nove e meia da manhã. Isso não é hora de estar dormindo. – Ela falou assim que eu a encontrei, no meu escritório, sentada na minha cadeira, o que fazia a cena ser muito parecida com uma mãe xingando a filha.

Só que aqui eram só duas irmãs com uma diferença considerável de idade.

— Você não é a minha chefe ou a minha mãe para que eu te deva explicações, mas saiba que trabalhei até as cinco da manhã e só cheguei em casa com o dia amanhecendo. E, só para te lembrar, não tem o direito de invadir a minha casa assim. – Falei azeda.

Kelly fingiu que não ouviu as minhas lamúrias, ela era boa nisso, vivia dizendo que eu murmurava azeda, às vezes como minha mãe, outras como papai, e como ela os conhecia desde 1998, para ela não era novidade os meus rompantes de mau gênio.

— Preciso da sua ajuda dentro da Casa Branca. Urgentemente.

— Hoje é terça-feira. Tenho que voltar ao trabalho à noite e, o mais importante, o meu noivo acabou de voltar de uma missão lá no beleléu, depois de ficar sem contato por quase dois meses. Não dá para ser amanhã?

— Não! Hoje é o baile presidencial! E eu acho que fiz besteira na escolha do tema... e ainda não escolhi o meu vestido. Preciso da minha personal stylist de volta. E agora. Se arrume, você vai comigo.

— Kelly, você escutou que eu tenho que ir trabalhar? – Tentei desenhar a situação para a alienada da minha irmã.

— Já avisei para a mãe que estou te sequestrando. Ao que parece, você assinou uma licença de cinco dias, remunerada, afinal, tinha horas na casa.

— Eu estava guardando esses dias para ir viajar com o Steve quando nos casássemos!!!

— Até lá você junta mais dias. Não vão se casar nem tão cedo mesmo. – Ela se levantou da cadeira e deu a volta na mesa. – Preciso de você, Moranguinho, da mesma forma que precisei no dia do Chá de Bebê de Will! É URGENTE! – Ela me agarrou pelos ombros e tinha os olhos arregalados.

Vendo o desespero da minha irmã, assenti. Voltei para o quarto a passos de tartaruga, cheguei e meu noivo estava deitado atravessado e de bruços na cama, e nem me escutou tomando um banho, me arrumando e saindo.

— Você dormiu por três horas e meia, depois de virar a noite e consegue sair assim de casa? – Kelly me encarou, vendo as roupas que eu usava.

— Bom gosto está no meu DNA.

— É, pelo visto, isso veio da Jen mesmo...

Fui arrastada para o enorme SUV da Primeira-Dama e logo nós duas atravessávamos o trânsito impossível de D.C, rumo a Casa Branca. Kelly mal conversou comigo, seu assessor, que não era o meu fã número um por vários motivos, mas porque eu ameacei a vida dele anos atrás se ele não colocasse a minha irmã na linha urgentemente, ignorou a minha presença e foi repassando a agenda da Primeira-Dama.

Era cada compromisso entediante que eu quase caí de sono dentro do carro. Céus, como Kells aguentava essa chatice? Para mim era inconcebível que ela trocou o trabalho de campo para ficar indo a instituições de caridade e fazer discursos vagos, quando o interessante é colocar a mão na massa e ajudar de verdade.

O tal do Weinberg foi falando e a sua voz anasalada foi me dando nos nervos, por várias vezes eu quis socar a cara amassada dele, mas me contive, me “distraindo” com a paisagem da cidade.

— Então... temos os vestidos que você encomendou. Todos estão em seu quarto de vestir. – Disse o sujeito.

Para alguém que vive reclamando que eu sempre tive um closet, minha irmã agora tinha um quarto de vestir, onde todas as suas roupas, sapatos, bolsas, acessórios, joias e maquiagens estavam.

Para mim era o paraíso. Para minha mãe também.

Mas era o terror na terra, pois Kelly nunca teve lá muito senso de moda e piorava quando ela seguia as dicas dos assessores.

Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes salvei a Primeira-Dama de ser taxada de uma assassina da moda. E todas as vezes que ela aparecia deslumbrante, depois de um trabalho de horas vindo de mim, sua equipe levava o crédito.

Mas, creio que isso deva acontecer, porque pegaria muito mal se saísse por aí que a Primeira-Dama Americana não tinha senso de moda e era vestida por uma reles agente federal...

Chegamos na Casa Branca e depois que escoltei minha irmã por toda a área administrativa do lugar, até mesmo no Salão Oval, onde ela avisou para o marido não se atrasar que o baile era hoje, fomos para a residência.

Logo fui recebida pelos meus sobrinhos. Kate veio correndo e pulou no meu colo, dizendo que os vestidos que estavam no quarto da mamãe eram feios – pelo menos essa puxou a tia. Minha sorte era que neste ano, Kate não iria ao baile, ou era bem provável que eu teria que vestir a Primeira-Filha também. Nos anos anteriores, a Ruivinha até teve a sua vez na pista de dança com o pai.

— Então está mais do que na hora de ajudar a destrambelhada da sua mãe, não acha? E, quem sabe, você não sai comigo para comprarmos algo que ela possa usar, hein? – Barganhei com a ruivinha.

— Sim! Porque aqueles vestidos são feios de dar dó!

Weinberg, e sua voz anasalada, consertou a garota dizendo que todos os vestidos eram de alta costura e a Primeira-Dama ficaria deslumbrante em todos.

Fiz uma careta para seu comentário e caminhei ao lado de Kelly, com Kate em meus braços, e eu tenho certeza de que a pequena ia fazendo caras e bocas para o assessor, aproveitando que a mãe não podia vê-la e que Weinberg jamais falaria algo.

Quando chegamos no tal quarto de vestir, entrei, fechei a porta na cara do assessor mais mala sem alça do mundo e tranquei-a.

— Eu preciso dele. Ele controla os meus horários! – Kelly clamou, tentando passar por mim e permitir a entrada do dito cujo.

— Você pediu a minha ajuda hoje. E eu não divido espaço com aquele mala. Assim, cadê o show de horrores?

Kate correu na nossa frente e veio puxando uma arara e foi Kelly quem me mostrou os oito vestidos. Todos de grifes, todos da alta costura, mas nenhum, absolutamente nenhum, combinava com minha irmã ou com seu estilo pessoal.

— Quem escolheu isso? – Perguntei olhando para as peças.

— Minha equipe.

— Deveria demiti-los, querem que você pareça uma velha de 80 anos ao invés de uma das mais novas Primeiras-Damas da história.

— Não é assim... – Minha irmã sempre tentava ver a bondade das pessoas, creio que isso ela herdou da mãe dela.

— É sim. Até parece que quem os contratou foi Caroline Sanders... Deus me livre. Você é mãe de três filhos, Kells, não uma velha idosa e caquética! Vamos dar uma olhada em como vamos salvar a sua noite. – Bati no puff ao meu lado e ela se sentou ali, batendo os pés nervosa no chão, Kate aproveitou o momento e se esgueirou para o meu colo, doida para dar algum palpite na roupa da mãe.

— Não temos muito tempo. – Minha irmã comentou.

— Você é a Primeira-Dama dos EUA, acha que alguém irá dizer “não” a você? Pelo menos uma vez, use do seu título para se salvar de uma iminente linchação pública que será iniciada por nossa amada amiga, Alicia Sanders, que lá vai para o seu terceiro casamento!

Kelly deixou em minhas mãos o que escolher para ela, e eu acabei em dúvida entre dois. Um vestido completamente dourado, com capa e um decote bem comportado, e outro, de ombros de fora, preto e branco.

— Que tal? – Perguntei.

Kelly olhou para os dois.

— Você tem um lado bem perua, sabia? – Disse se referindo ao vestido dourado.

— É o baile presidencial, Kelly. Você querendo ou não, é a estrela da noite, porque todos sabem que o seu marido vai de smoking... Henry não vai surpreender ninguém, mas você pode! Até porque, teremos a presença de várias celebridades, ouvi dizer que até a Jennifer Lopez foi convidada esse ano...

— Mas dourado?

— Está na sua cartela de cores... ficaria ótimo em você. E como tem a capa, poderíamos fazer um penteado mais elaborado. E tem esse preto e branco.

— Eu tenho 42 anos, Sophie, não 26 igual a você. Não entro e nem posso usar um vestido tão justo.

— Não é justo, é certo. E Moda não tem idade, você está se julgando muito velha, quando é uma das mulheres mais bonitas do país. Tem 42 anos, três filhos e PODE e DEVE usar algo que te valorize!

Kelly ficou em dúvida entre os dois vestidos, e olhava para um, depois para o outro. Fui mais prática e com um aplicativo de celular, fiz uma pequena montagem de como ela ficaria com os vestidos.

Deslumbrante, mesmo que a luz e a maquiagem não ajudassem na amostra.

— Basta escolher. – Mostrei à minha irmã.

— Não é ostentação demais? – Ela perguntou.

— Você se casou com um vestido com botões de pérolas e mangas de renda francesa que quase faliu o seu pai! E está preocupada com ostentação agora??!! Você é a Primeira-Dama. CLARO QUE NÃO!

— E será que...

— Libere a minha entrada na Casa Branca e me dê poderes para falar em seu nome que eu resolvo o problema do vestido e sapatos em questão de horas. – Disse confiante.

— Vá com os carros oficiais.

— Nem pensar, Kelly. O meu é mais rápido.

— Ouvi dizer que seu foguete amarelo canário está meio capenga...

— Já está devidamente consertado. Sou uma excelente mecânica e meu Ajudante Muito Aposentado me deu uma força. E então, posso agir em nome da Primeira-Dama?

— Vá. – Ela disse e se levantou, pois Weinberg ameaçava jogar a porta abaixo e chamar o Presidente e todos os Agentes do Serviço Secreto, falando que eu mantinha a Primeira-Dama em cativeiro.

— E só uma coisinha... não conte para o papagaio de pirata ali. Deixe que vire uma surpresa. E estou levando Kate comigo. Ela já tem seis anos, tem um senso de moda único e pode me ajudar. – Peguei minha sobrinha no colo, abri as portas duplas e quase que Weinberg cai aos meus pés, não perdi a oportunidade para olhar bem na cara dele e soltar: - Estou salvando a pele da Primeira-Dama, seu exagerado, pare de drama! – Kate riu com gosto em meus braços e depois saí andando pelos corredores da Casa Branca com a Primeira-Filha em meus braços.

Um carro me deixou em casa, e lá, ainda pude comer algo e fazer uma refeição digna para minha sobrinha e meu noivo, para então, cair de cabeça na missão: “Salvar a Primeira-Dama, versão 10.0”

— Está pronta para andar hoje, Ruiva 3.0?

Kate veio correndo e parou na minha frente, tombando a cabeça e só me perguntou:

— Por que eu sou a 3.0?

— Porque a minha mãe é número 1, eu sou a Dois e você é a versão 3.0, atualizada e melhorada em todos os sentidos.

— Mas como a vovó pode ser a número 01 se ela tem cabelo branco?

SENHOR! Se a Toda Poderosa Jennifer Shepard-Gibbs escuta uma dessas...

Steve, que estava sentado no sofá, observando nossa sobrinha, segurou a risada. Às vezes, só às vezes, Kate era sincera até demais.

— A sua avó é ruiva. Acredite em mim. – Falei e tentei cortar o assunto, pois morria de medo da minha mãe me materializar atrás de mim.

— Tem certeza, tia... porque eu...

— Kate, vamos logo. – Peguei a falante ruiva e sai rebocando-a pelo braço.

— Eba!! Vamos no carro bonito! Chega de carro preto!

Mas essa menina está querendo morrer hoje!

Coloquei Kate na cadeirinha e assumi o volante. Tinha poucas horas para salvar a América! (até parece!)

Como Kells tinha escolhido o vestido, minha missão se tornava um pouco mais fácil, mas nem tanto. Eu teria que ter uma excelente lábia para conseguir que o modelo, devidamente ajustado para o corpo da minha irmã, ficasse pronto em... SEIS horas.

Não perdi muito tempo no trânsito, fui costurando e pegando atalhos até que cheguei na rua que queria.

Estacionei o carro, tirei Kate do banco de trás, coloquei meus óculos escuros e minha sobrinha me imitou, e fomos andando até a loja, chamando a atenção de quem quer que passasse por nós, ou do outro lado da rua.

Eu não precisei chamar por nenhuma vendedora, pois meus saltos logo avisaram que eu chegara e uma moça muito simpática, veio nos atender.

— E estamos precisando de ajuda para escolher que tipo de vestido?

Eu bem que ia responder, mas Kate passou na minha frente.

— Um bem bonito, porque a mamãe só tem vestido feio, né tia? – Olhou para mim.

Claro que tal frase, ainda falada tão inocentemente, arrancou risadas dos presentes.

— Desculpe a faladora aqui. Preciso de um vestido de gala, para o Baile Presidencial. – Informei.

— E essa pessoa é uma convidada de honra ou é da imprensa.

— É para a Primeira-Dama. – Falei baixo.

E foi então que a mulher olhou para a garotinha que me acompanhava e estava agarrada na alça da minha bolsa.

— Ela é a Kate Gibbs-Sanders? – Apontou para a Ruivinha.

— Muito prazer. – Disse minha sobrinha, estendendo a mão.

— E você seria a assessora da Primeira-Dama Kelly Sanders?

— Não, ela é minha tia! É irmã da minha mamãe! – Kate tornou a passar na frente, ansiosa por ajudar. E eu comecei a pensar que eu deveria ter sido exatamente assim quando mais nova... definitivamente minha mãe passou apertado comigo.

— Sou Sophie, irmã da Primeira-Dama e estou aqui em uma missão especial em seu nome. Seria possível nos ajudar?

E o tratamento que já estava excelente, mudou. Fomos levadas para uma sala especial, onde queriam trazer um display com os melhores vestidos.

— Agradeço imensamente a disponibilidade e intenção de vocês, mas a Primeira-Dama já escolheu o modelo.

Todas as mulheres da loja pararam para observar a foto do modelo.

A gerente pediu licença, e logo saiu, dando ordens para que pegassem o modelo.

— É o único que temos aqui. Esse não é vestido que vendemos para qualquer um. – Voltou me informando.

— Entendo. E tenho quase certeza de que será preciso fazer ajustes.

— Claro, a Primeira-Dama virá até aqui?

— Na verdade, não. Ela está ocupadíssima com os últimos detalhes da decoração do Baile, assim, se fosse possível, posso levar uma de suas costureiras até lá...

Eu não terminei a frase e a gerente já foi batendo palmas, chamando pela chefe das costureiras, pois tinham um trabalho urgentíssimo.

Kate me fitou com os olhos arregalados, assustada como todas pareciam desesperadas para ajeitar tudo.

— E para a Primeira-Filha? Nenhum vestido especial?

— Não vou ao baile. – Kate respondeu. – Mas gosto de ajudar a arrumar a minha mamãe.

A gerente nos informou que dentro de 15 minutos as costureiras estariam prontas.

— Ótimo, preciso ir em mais um lugar e estarei de volta daqui a pouco. – Informei e peguei a mão de Kate, saindo da loja com um destino certo.

— E aonde vamos agora, tia?

— Comprar os sapatos certos! Sua mãe nunca tem os pares que correspondem com as roupas, ou são sempre muito discretos. Vamos fazê-la brilhar, o que acha?

Minha sobrinha só bateu palmas e começou a pular do meu lado.

A loja não era muito longe e foi mais rápido do que eu pensava para poder comprar o sapato. Difícil foi convencer Kate e a mim, que nós não precisávamos de nenhum sapato que tinha nos displays. Essa foi, com certeza, a missão mais impossível.

Assim, voltamos à loja anterior e logo duas costureiras apareceram, uma trazendo o vestido, a outra uma enorme maleta.

— Estamos aqui, senhora! – Falaram e se apresentaram, eram Laura e Mary.

— Por favor, Sophie. Nada de formalidades. Acompanhem-me por favor.

E levei as duas mulheres e uma falante e animada Kate para a Casa Branca. Como Kelly tinha prometido, minha entrada foi autorizada sem maiores problemas e logo eu parava ao lado da porta da residência.

Descemos do carro e antes que puséssemos os pés na casa, Kate saiu chamando pela mãe.

Kelly apareceu, sempre composta e com a cabeça erguida, mas eu li a ansiedade em seus olhos. Ela ainda temia que algo desse errado e essa festa virasse um velório.

— Achamos o modelo que você gostou. E Laura e Mary estão aqui para fazerem os ajustes necessários. – Informei e na mesma hora minha irmã deu um suspiro de alívio e parou o que estava fazendo para nos levar ao quarto de vestir.

Laura e Mary mostraram o vestido, falaram como a peça era praticamente única e que ficaria muito bonita em Kelly.

Minha irmã experimentou o vestido e depois de se ver no espelho, teve a mesma reação de quando viu o seu vestido de noiva. Era aquele mesmo.

— Bem... para que possamos ajustar o comprimento, seria bom se a senhora calçasse os sapatos que irá usar.

E, mais uma vez, Kells entrou em desespero e eu só estendi a sacola na sua direção.

— E isso seria?

— Isso sou eu salvando o dia, mais uma vez... – Respondi, enquanto ela abria a caixa e revelava um par de sapatos igualmente dourados, com saltos estileto de dez centímetros e meio. – E não vale reclamar, o sapato do seu casamento era tão alto quanto e, se me lembro bem, você ficou com eles a festa inteira.

— Tudo bem. Ajude-me a calçá-los. – Pediu.

E quando a minha irmã ficou com a postura certa, Kate, que observava tudo do cantinho, abraçada com um bichinho de pelúcia, só falou:

— Mamãe, a senhora está tão bonita!

— Ela ainda não está pronta, pequenina. – Mary falou. – Mas logo vai estar. Os ajustes são mínimos.

Não foi preciso levar o vestido de volta à loja, todo o ajuste foi feito ali mesmo, dentro do quarto de vestir, com Kelly usando o vestido o tempo todo e pedindo a minha opinião quanto aos detalhes.

Quando tudo ficou pronto e o vestido voltou para o cabide, minha irmã não cabia em si de alegria e alívio, e agradeceu tanto às costureiras que faltou muito pouco para que ela as convidasse para o baile.

A mim, coube a tarefa de levar Mary e Laura à loja e, claro, pagar pelo serviço exclusivo e de confidencialidade de todos. Tarefa que cumpri em tempo recorde, pois precisava voltar para ajudar Kelly com o penteado e a maquiagem.

— Você tem milhares de assessores e sobra para eu fazer o seu cabelo e a sua maquiagem... eles recebem para isso, sabia? Eu estou trabalhando de graça, porque nem uma barra de chocolate eu ganhei. – Reclamei enquanto escovava o cabelo dela.

Kelly, claro, ainda resolvia mais um monte de pendências, até mesmo da decoração. Ao que parece, alguns arranjos de flores não ficaram tão bons assim e pediam a opinião dela sobre isso.

— Quer saber. – Tomei o telefone dela. – Faltam três horas para o baile. Você fica aqui. Seu cabelo ainda tem que ficar com esses rolinhos para cachear um pouco. Eu vou lá resolver isso. – Bradei e sai do quarto de minha irmã, cruzando, no caminho, por Henry, que só comentou:

— Então é por isso que o staff da parte da Kelly está todo agitado. Você está aqui! Indo fazer o que?

— Aquilo que o “staff da Kelly” é incapaz de fazer. – Falei por cima de meu ombro e desci as escadas.

O salão onde ocorreria o baile estava o caos, pessoas iam e vinham sem fazer absolutamente nada. Entre elas, Weinberg. Não adiantava chamar ou tentar ser educada, eu seria simplesmente ignorada, assim, fui radical e só dei um assobio alto, daqueles que se dá em campos de futebol ou shows.

Todos pararam e olharam na direção do som, e quando notei que tinha a atenção dos presentes, falei:

— A Primeira-Dama não pode mais ser incomodada com a falta de organização de vocês. Então, partiu arrumar esse salão é agora! – Dei o comando e como tinha visto o croqui no quarto de Kelly, comecei a mudar alguns pequenos detalhes.

Mesas foram colocadas, o espaço para a pista de dança, delimitado. Os arranjos foram rearrumados para esconder as flores com defeito. E até as velas que seriam acessas trocaram de lugar para se evitar um acidente. Um trabalho que uma equipe de cem pessoas não fez em uma tarde, eu fiz em uma hora e meia.

— Agora, senhoras e senhores, agradeço o trabalho de todos em nome da Primeira-Dama. Aqueles cujo serviço já acabou, estão liberados, obrigada pela ajuda, os que ainda continuarão conosco, tirem os próximos minutos para descansarem.

Quando me virei para atravessar as portas e voltar para terminar de ajudar Kells, topei com o seu odioso assessor.

— Não ficou tão bom assim... você não entende de decoração, é uma reles agente federal que lida com o Leste Europeu.

Olhei para o salão, pronto e depois, muito cinicamente, respondi:

— Mas ainda é melhor do que o caos que você tinha criado. E sinto muito informar, você vai ter que se acostumar com essa decoração, pois é a que vai ficar.

Corri até o andar onde ficava o quarto de Kelly, e me senti correndo uma maratona com obstáculos, e, quando bati na porta, ela estava andando de um lado para o outro.

— Diga que conseguiu arrumar tudo!

— Sou filha de Leroy Jethro Gibbs e Jennifer Shepard, querida, consigo até dar nó em pingo de água! – Brinquei. – Mas sim, está tudo pronto e no lugar. Ficou desse jeito! – Mostrei as fotos e filmagem que fiz do salão. Kelly quase chorou de alívio! – Segura essas lágrimas que o seu rosto já tem maquiagem! – Avisei.

Demorou mais uma hora e a Primeira-Dama estava pronta para, literalmente, brilhar.

— Não está exagerado?

— Nem um pouco. – Afirmei.

— Não confio em você, tem um lado meio perua no seu DNA.

— Então, pergunte para seu marido. Creio que a opinião do Presidente dos Estados Unidos da América deve contar mais... – Falei a abri a porta, deixando o caminho livre para que Kelly pudesse sair e ganhar os corredores da Casa Branca até o salão de baile.

Fui escoltando minha irmã pelas escadas, mais para garantir que ninguém pisasse na capa do vestido ou pior, que ela mesma tropeçasse. E a cada passo que ela dava, cada um dos funcionários que ainda trabalhavam, olhavam-na, abismados com a beleza e poder que ela exalava.

— Falei que não estava exagerado. – Comentei assim que passamos por todos. Agora só faltavam Henry e meus três sobrinhos.

O primeiro que viu a mãe foi Will, e ele, já tão acostumado a ser polido, só elogiou o vestido e disse que a mãe estava bonita. Jack, que era mais um Gibbs do que um Sanders, falou que a mãe, com certeza, seria a mulher a mais bonita do baile. Kate, que estava no colo do pai, cutucou o ombro dele e apontou para mãe.

Henry só não deixou a filha cair de seus braços, porque ela pulou antes, pois ele ficou embasbacado em ver a esposa reluzindo diante das luzes.

— Não falei para o senhor que era o vestido mais bonito do mundo, papai? – Kate perguntou.

— E eu deveria ter acreditado nas suas palavras, Ruivinha! – Ele deu um beijo no alto da cabeça da filha e veio para perto de Kelly. Essa era a minha deixa, arrumei a capa, dei o último ajuste no cabelo dela e me afastei.

Porém, eu deveria saber melhor, pois Kelly, antes de dar atenção ao marido e ao compromisso que estava às portas de se iniciar, se virou para mim e me abraçando forte, disse:

— Muito obrigada por salvar a minha pele mais uma vez, Moranguinho! Muito obrigada.

— Não há de que, mas, se eu puder pedir algo, por favor, da próxima vez não invada a minha casa e o meu quarto.

Ela deu uma risada.

— Mentalmente anotado. Só não sei se vou me lembrar no momento de desespero.

— É bom lembrar.

E a assessora da Casa Branca chamou o Primeiro Casal, era hora de começarem a festa.

A mim, sobrou tomar conta de meus três sobrinhos que se recusavam a ficar em casa, enquanto os pais se divertiam no baile.

— Tudo pronto por aqui? – Perguntei vendo que eles tinham mochilas e algumas bolsas para dormirem fora, por perto.

— Sim, tia!

— Ótimo! Vamos perturbar o avô e a avó de vocês.

Comecei a fazer o caminho de volta até a saída da residência, acompanhada pelos três. Quase já em meu carro, pude ouvir o seguinte comentário:

— Se eu fosse a Primeira-Dama, demitia Weinberg e contratava a irmã... viu como a Senhora está vestida? Viu o vestido? Aquilo sim é roupa de Primeira-Dama!

Não quis saber de mais nada, ajeitei meus sobrinhos no carro, e antes de dar a partida – que não poderia ser barulhenta, pois não podiam saber que as três crianças deixavam a Casa Branca pelo portão dos fundos, só perguntei para eles:

— Com ou sem emoção?

Desnecessário dizer a resposta.

Mal havia parado na porta da casa em Alexandria e meu pai logo foi saindo para recepcionar os netos – a filha era esquecida numa hora dessas! – e foi a minha mãe, quem falou:

— Eu sabia que entregar esse foguete nas suas mãos acabaria nisso!

Por isso, ela quis dizer o fato de que, não só fiz a última curva que levava até a casa com os pneus cantando, como, da mesma forma, parei o carro.

— Foram eles quem escolheram. – Defendi a minha pele.

— Pelo amor de Deus, Sophie. Quantos anos você tem?

— Vinte e seis, mamãe. Vinte e seis. – Falei andando atrás dela.

Minha mãe me ignorou e foi paparicar Kate, Will já tinha subido para o quarto para guardar as coisas e Jack tinha jogado a bolsa num canto e corrido para a geladeira.

Porém, logo a nossa atenção foi atraída para a televisão, pois começavam a cobertura ao vivo do baile, e a primeira notícia não foi outra, senão: a Primeira-Dama e seu vestido estonteante.

Meus pais trocaram um olhar e depois me fitaram.

— Foi você, não foi? – Perguntaram juntos.

— Aí depende... gostaram ou não?

— Miniatura, tem a sua assinatura naquela escolha de roupa.

— Então, não tem como negar a autoria.

— Desde que horas você está por conta de Kelly?

— Desde às nove da manhã, mamãe. A Kelly me tirou da cama, aos berros, para que eu a ajudasse a arrumar a própria vida!

— Como se você não gostasse disso, não é, Ruiva? – Papai perguntou. – Faz a sua irmã de boneca desde que tinha cinco anos.

— Para o senhor ver, são vinte e um anos tentando colocar um pouco de senso de moda na cabeça da sua primogênita e falhando miseravelmente. – Banquei a dramática. – Mas tem hora que eu acerto. Que eu acerto em cheio.

— Você é a Personal Stylist da Primeira-Dama. Uma pena que o mundo nunca vai ficar sabendo disso. – Mamãe comentou.

E vendo a minha mais nova criação, eu percebi que era realmente uma pena, pois assim, certas pessoas não levariam o crédito por todo o trabalho que tive. Mas, para ser bem sincera, poder ver Kelly brilhar, nem que seja por uma noite, era bom demais. Pois, no fim, de nós duas, era ela quem gostava disso. Eu só gostava de moda mesmo!