SPIN OFF - Carta Para Você

A Aposentadoria de Jenny Shepard


Não era de hoje que a ideia de parar me assombrava. Por inúmeras vezes a palavra aposentadoria rondou a minha cabeça e tentou se infiltrar em meus pensamentos.

A primeira ideia veio logo depois que quase fui morta por Svetlana, lá em 2008. No desespero de ver a minha lenta recuperação e a forma como a minha própria filha, com oito anos há época, cuidou de mim, quis parar para que ela pudesse ter uma vida de criança e sem preocupações. Fui convencida pela própria que deveria continuar onde estava, pois ali eu era um modelo não só para Sophie, como para outras jovens garotas.

O tempo passou, minha filha cresceu, foi para a faculdade e a ideia de parar voltou a me rondar, contudo, não foi para frente, para que ficar em uma casa vazia, à toa, durante todo o dia? Não valia à pena.

Mais alguns anos, meus netos nasceram, voltava a ter som de risadas de criança em casa, a aposentadoria voltou a ser tentadora, porém, quem parou foi Jethro. Eu, assim como toda a família, fui pega de surpresa, não vi essa decisão chegando, não vi os sinais de que o temido Leroy Jethro Gibbs estava querendo parar.

Tinha chegado a hora dele de entregar o distintivo e a arma, todavia, ainda não era o meu momento.

Talvez o dia em que mais quis parar e jogar tudo para o alto foi quando Sophie foi sequestrada no Iraque. A impotência, mesmo da cadeira da Diretora, o desespero, a vontade de querer fazer algo, mas não ter o que fazer me avisaram que era mais do que hora de parar.

Prometi para mim mesma que pararia assim que minha filha fosse resgatada.

E não parei.

Sai do NCIS e fui assumir o cargo de Secretária da Marinha. Irônico não? Porém verdade.

Virei figurinha carimbada em todas as reuniões importantes do país, decidia o futuro da Marinha Americana e dos Fuzileiros, e, indiretamente, do NCIS.

E falando em NCIS, quem assumiu o meu posto não foi outro senão, Timothy McGee. Aquele que sempre falaram que chegaria à mais cobiçada cadeira da Agência.

Nesse meio tempo, minhas filhas se destacavam em suas profissões. Kelly ainda era a Primeira-Dama, a mais querida da história, passando Grace Kelly em popularidade. Muitos comparavam a paixão e dedicação de Kelly às causas dos menos favorecidos e minorias, ao papel que a Princesa Diana desempenhou com maestria enquanto esteve viva e ligada à Monarquia Britânica, o que lhe rendeu o título de Lady Di da América.

E, cada vez que alguma notícia aplaudia as ações e comprometimento de Kelly, meu coração de mãe adotiva se enchia de orgulho, afinal, ela estava fazendo o que nasceu para fazer, ajudar os demais, seja como médica – carreira que estava temporariamente suspensa devido ao seu status – seja como Primeira-Dama.

Se Kelly era o alvo das atenções do mundo, nas sombras, discretamente, minha outra filha também se destacava. Sophie Shepard-Gibbs era um nome conhecido entre as Agências Americanas.

Fluente em vários idiomas, alguns até raros de serem falados fora do país ou vilarejo, com uma habilidade ímpar para negociação de reféns e captura de informações sigilosas, minha filha mais nova se tornou a agente mais completa da história do NCIS e a mais cobiçada quando se tinha operações conjuntas com as Agências irmãs.

Raro era o dia em que passava um memorando de alguma operação secreta em que o nome de Sophie não estivesse no meio. Porque eu chegava a perder as contas de quantas vezes em um dia eu via requisições para que ela trabalhasse em um determinado país, para que ela agisse como tradutora, como negociadora e até mesmo estrategista de logística de operações, essa última, uma habilidade que ela aprendeu com o noivo, o Comandante do Esquadrão Seis dos SEAL’s, Steve McGarrett.

Assim, sentada na minha sala no Pentágono, eu via como minhas filhas se destacavam, cada uma à sua maneira, para que o país onde moravam pudesse ser um lugar um pouco melhor.

Porém, chegou um dia que tudo isso me cansou. Não ver o sucesso das duas, mas estar por trás dos maiores segredos, saber informações tão confidenciais que fariam uma pessoa comum sair correndo de medo, ser aquela que dava ordens para operações que a grande maioria da população jamais sonharia.

Eu já estava nesse trabalho a tempo demais, tinha chegado no topo, onde eu jamais me imaginei, sim, eu não pensei que chegaria tão longe e seria a responsável por mover tropas e tomar decisões de vida e morte. Assim, era a hora de parar.

O momento de entregar a papelada para meu chefe (e genro) tinha chegado. Eu não queria mais ser chamada de Senhora Secretária, não queria que homens e mulheres uniformizados batessem continência para mim quando cruzasse com eles pelos corredores ou bases militares. Não queria mais ser acordada antes do raiar do dia, pela minha fiel secretária Cynthia, com informações sobre ações críticas de algum grupo paramilitar de algum país e ter que passar horas ou dias, dentro de uma sala fechada, acompanhando soldados e agentes arriscando a sua via para deixar o restante do país e, algumas vezes, do mundo, mais seguro.

Só Deus sabe o que eu sentia quando tinha que acompanhar operações assim, e os nomes dos envolvidos era ou Sophie ou Steve... o aperto no peito, o desespero interno, a vontade de dar uma ordem e tirá-los de lá, tudo isso passava por minha mente, enquanto eu apenas conseguia e deveria falar: “Estão Autorizados”.

Meus dias de mulher poderosa, de ser a Temida Secretaria da Marinha Jenny Shepard tinham chegado ao fim.

Agora eu só queria ser a vovó, a mamãe, a Jenny, a Jen.

Nada mais de títulos importantes, de reuniões às altas horas da madrugada, de conferências de imprensa, de condecorações de soldados e agentes perdidos no cumprimento do dever.

Recostei minha cabeça no encosto da cadeira e observei minha sala ricamente decorada, com a devida ajuda de minha Miniatura. Passei os olhos pelos porta-retratos, pelos enfeites que eram de cada canto do país e me traziam lembranças de eras atrás, quando eu era apenas a Agente Infiltrada. Vi cada passo de minha muito bem sucedida carreira até aqui.

Suspirei alto e virei minha cadeira para a janela e vi as sombras do Rio Potomac logo à frente.

Era uma sensação agridoce, essa de se querer parar, mesmo sabendo que talvez, eu ainda poderia continuar por mais um par de anos. Fechei os olhos e ponderei a minha decisão mais uma vez, porém, tudo o que minha mente fez foi repassar toda a minha carreira. Desde o momento em que me decidi a ser uma agente federal, logo após o assassinato de meu pai, até o dia de hoje.

Abri os olhos e vi meu reflexo no vidro. Se eu procurasse bem, ainda era possível ver os traços da jovem ambiciosa que entrou no NCIS aos 28 anos de idade, com um mirabolante plano de 5 passos enfiado na cabeça e uma vingança preparada em detalhes na mente. Porém, quem me fitava de volta era uma elegante mulher de 60 anos, com ar inteligente e decidido. Os cabelos, um dia foram de um vermelho vivo, hoje estavam mais para cobre, devido aos teimosos fios brancos que já apareciam há um tempo e eu teimosamente, ainda insistia em cobrir. O rosto ainda tinha a mesma forma, não entregava a minha idade, mas demonstrava que eu já tinha vivido muitas coisas.

Em resumo, eu não era mais a mesma Jenny de 32 anos atrás. Muita coisa tinha mudado. A vida tinha me dado muito, me ensinado muito, seja para o bem e para o mal. Contudo, apesar da aparência não ser aquela que um dia foi capaz de parar o trânsito, eu era uma versão melhorada daquela jovem. A vivência e o tempo te trazem uma vivência que nunca poderá ser superada pela juventude e beleza.

Dei um sorriso para mim mesma.

— Quem diria que eu chegaria até aqui. – Murmurei na sala vazia e minha mão pousou automaticamente em meu ventre. – Quem diria!

Apesar da hora avançada, já era quase duas da manhã, ainda fiquei ali sentada, balançando o pé enclausurado nos saltos que Jethro cisma em chamar de impraticáveis, enquanto pensava no passado, no presente e no futuro.

Não pensei em quem assumiria o meu lugar ou o que seria da segurança nacional quando saísse. Isso não me pertencia mais.

Pensei nos momentos que teria ao lado de minha família, de meus netos, de meu marido.

— Finalmente Jethro e eu poderemos fazer aquela viagem de barco que ele sempre falou.

Passar meses no mar, sem preocupação, sem hora ou ordens a cumprir. Nunca foi lá minha primeira alternativa de férias, mas hoje, depois de tanto tempo, depois de ver tanto, começou a se tornar um plano muito interessante.

A melhor e pior parte, eu sei exatamente como minhas filhas vão reagir. Kelly vai surtar, como sempre, querendo que tiremos essa ideia da cabeça, falando sobre cada um dos perigos e problemas que vamos enfrentar. Já Sophie, era bem capaz que ela saísse de Londres no primeiro voo disponível e aterrissasse em D.C., só para nos levar até a marina e dizer que era para aproveitarmos.

— Ah! Minhas meninas! Às vezes tão iguais, às vezes tão diferentes!

Voltei minha cadeira para a frente da mesa e, mais uma vez olhei para o documento digitado na tela do computador. Li e reli cada uma das palavras, troquei algumas por sinônimos, mudei algumas pequenas coisas, nada que alterasse o conteúdo. Era só Jennifer Shepard sendo Jennifer Shepard e querendo falar difícil.

— É, está pronta. – Confirmei em voz alta.

Assinei o documento digitalmente, algo que seria impensável quando comecei minha carreira, mas ainda assim, imprimi três cópias, atitude padrão, tendo em vista a importância do documento.

— E chegou o fim de uma era. – Murmurei quando coloquei as três cópias em um envelope e o lacrei.

Levantei-me da mesa, caminhei até o cofre na parede oposta e, depois de digitar o código de segurança, escanear minha retina e conferir minha digital, abri o cofre e coloquei ali o envelope de papel pesado e chique.

— Mais uma manhã e uma tarde aqui e serei livre. – Falei ao fechar a porta do cofre.

Voltei a minha mesa, desliguei o computador, guardei as demais pastas e documentos nos devidos lugares, sempre atenta aos diversos níveis de segurança de cada um. Com tudo organizado, vesti meu casaco, peguei minha bolsa, apaguei a luz e saí para a antessala.

— Até que enfim... achei que a senhora iria dormir aí dentro! – A voz de Sophie me sobressaltou.

— O que você está fazendo aqui? – Perguntei de supetão. Não estava esperando que ela aparecesse nem tão cedo.

— É assim que trata a sua filha agora? Sabia que tinha perdido o status de preferida quando a Kate nasceu, mas ser desprezada a esse ponto é novidade para mim. – Disse dramaticamente a ruiva sentada no sofá cor de creme da antessala. E, vendo a minha filha, hoje com a idade que eu tinha quando decidi ser agente, não pude deixar de notar a grande semelhança entre nós duas. Sophie tinha, definitivamente, virado a minha cópia. Éramos ao mesmo tempo, passado, presente e futuro, se encarando na madrugada de uma sexta-feira.

— Mamãe?! – Ela me chamou.

— Sim? – Pisquei para voltar ao presente.

— A senhora ouviu o que eu disse? – Sophie se levantou elegantemente do sofá e veio andando na minha direção, suas feições sérias, enquanto ela tentava me ler. Tentava não, me lia.

— Sobre você ser preterida?

— Não, mãe, depois disso. Meus motivos para estarem em D.C.

Não, eu não tinha escutado a explicação da minha Miniatura, porém, não me deixei intimidar e respondi.

— Só tem um motivo para você estar aqui, Sophie. Para me ver.

E ela deu uma risada.

— É, esse foi o principal. Pronta para ir para casa, tem um Marine um tanto mal-humorado lá em Alexandria querendo saber o que aconteceu com a esposa dele...

Enlacei o braço no de minha filha e saímos pelos corredores quase desertos do Pentágono.

— Só para saber com detalhes, como você conseguiu permissão para entrar aqui? – Questionei.

— Bem... primeiro, sou filha da Secretária da Marinha, tendo esse sobrenome e fazendo carinha de pidona, consigo entrar em qualquer lugar, segundo, sou uma agente do NCIS e também tenho acesso a esse prédio, e, terceiro, mas não menos importante, parece que o Diretor do NCIS me colocou em uma operação conjunta com o Departamento de Defesa e hoje era a reunião para passar os planejamentos... e como terminou e eu fiquei sabendo por um passarinho chamado Cynthia que a senhora ainda estava por aqui, resolvi passar na sua sala para te oferecer uma carona e a chance de se ver livre do seu detalhamento de segurança por uma noite...

— Motivos válidos... principalmente o primeiro. – Dei um sorriso para minha menina. – Mas ainda não sei se o detalhamento de segurança me deixará ir com você....

Vocês... Steve está por aqui também... ao que parece no estacionamento. – Sophie falou ao tirar o celular do bolso do blazer. – Assim, creio que seu detalhamento não vai ligar muito, a senhora estará muito bem protegida por nós. – Ela se virou e me deu uma piscada.

— Acredito que sim. – Fingi indiferença com relação aos meus mais novos seguranças. – Desde que não seja você dirigindo. – Cutuquei as suas costelas.

— Vai me tratar assim agora?! Saiba que eu dirijo muito melhor do que o Steve!

— Não se estiver a bordo daquele foguete amarelo.

— Hoje ele ficou em casa, vim com algo um pouco mais discreto, para desespero do SEAL.

— Desde quando você tem um carro novo?

— Ixi, mãe... se eu te contar as apostas que fiz num jogo de pôquer contra uma turma no Leste Europeu... a senhora choraria. No final, me deixaram ficar com o carro, desde que eu pagasse as taxas de transferência e importação.

Fomos passando por todas as catracas e verificações de segurança, até que finalmente estávamos do lado de fora. Corri meus olhos para o estacionamento e, um pouco longe, avistei meu genro, parado ao lado de um carro preto.

— Tem alguém com uma cara não muito feliz... – Sophie murmurou sorrindo.

— Sabe quanto tempo tem que estou aqui fora te esperando? – Steve falou assim que chegamos mais parte. – Está frio, Sophie!

— Não é minha culpa se você passou alguns meses na base de Pearl Harbor e se acostumou com o calor, SEAL!

— Que carro é esse? – Ele perguntou antes de mim;

— Só um carro. Nada demais.

— Quando você me deu a placa eu achei que você tinha comprado uma pick up.

Sophie parou a alguns metros do noivo e cruzando os braços, falou:

— E eu lá tenho cara de quem dirige pick up, Steve?

— Mas isso?! – Ele apontou para o carro.

— É só um Mercedes. Nada demais. – Minha filha deu de ombros e abriu o carro. – Pode ir para o lado da carona, esse você não dirige.

— Nem sei dirigir isso. – McGarrett murmurou e de mau-humor foi para o outro lado.

— Mamãe. – Sophie abriu a porta de trás para mim. – Pode ficar tranquila, esse carro tem blindagem, a senhora estará segura.

— Não com você dirigindo. – Falei ao passar por ela e só escutei o suspiro frustrado que ela deu, antes de fechar a minha porta.

Logo ela estava assumindo o volante e ligando o veículo que roncou alto.

— Onde você conseguiu esse carro? – Steve não largaria o osso nem tão cedo. – Um carro que tem blindagem!

— Enquanto você aterrorizava recrutas da Marinha, Steve, eu estava trabalhando. E meu trabalho envolveu um jogo de pôquer com apostas muito altas.... No final, eu ganhei, prendi quem eu precisava e ainda consegui esse carro... Como ganhei de um sujeito que nada tinha a ver com o crime organizado da Romênia e sendo que o carro está limpo, me permitiram ficar com essa belezinha aqui.

— Um carro de mais de duzentos mil euros?!

— Sim... fazer o que se o alemão jogava mal e flertava pior ainda? – Ela deu de ombros e ganhou a rodovia que nos levaria até o centro de Washington.

Claro que Steve não gostou do comentário e ficou encarando Sophie, que voltou a sua atenção para mim.

— Então, mamãe, por que ficar até tão tarde hoje? – Ela me perguntou e lançou uma olhada pelo espelho retrovisor interno para me estudar. Seus olhos que dentro do prédio estavam tão verdes quanto os meus, agora estavam azuis como os do pai.

— Resolvendo pendências de última hora. – Saí pela tangente, mas ela não acreditou em mim e, com o levantar da sobrancelha direita, eu soube que ela tinha pegado a minha mentira.

— Seu olho direito tremeu. – Foi o que ela disse antes de voltar sua total atenção para a estrada. – Quer falar, ou prefere que eu tente adivinhar?

Fiquei calada. Apesar de ser extremamente parecida comigo, tanto na aparência, quanto em alguns pormenores de sua personalidade, Sophie também tinha muito do pai. E nesse momento ela era a cópia de Jethro, enquanto me estudava e falava as palavras certas que me fariam contar o que eu estava pensando. Ou talvez nem precisasse que eu falasse nada, ela descobriria por si.

— Como eu sei que a senhora não ouviu a minha explicação lá na sua antessala, vou falar novamente o que me levou até a sua sala. Seu marido, também conhecido como meu pai, andou pescando alguns sinais bem interessantes vindos da senhora, e como parece que quando se trata de tomar decisões importantes da sua vida, a senhora, mamãe, tende a se fechar como uma ostra e guardar tudo para si, ele me ligou e, depois de despejar toda a frustração pelo fato de que a própria esposa esqueceu que tinha que voltar para casa, me pediu que eu sondasse, ou melhor descobrisse qual é o seu mais novo segredo... foi por isso que deixei esse havaiano aqui congelando ao lado do meu carro e fiquei plantada como um dois de paus na sua sala até que desse o ar de sua graça.

Claro que tinha que ter dedo de Jethro no meio dessa história.

— Surpreende-me que Kelly não tenha dito nada... – Suspirei frustrada.

Sophie deu uma risada.

— Minha adorada irmã está muito ocupada com todos aqueles programas de conscientização e de imigração que ela quer aprovar, e todos nós sabemos como Kelly pode ser um tanto avoada quando diz respeito ao nosso comportamento... então... é com a senhora.

Continuei calada, praguejando mentalmente contra meu marido e minha filha, por que eles tinham que ser tão observadores.

— A senhora vai se aposentar, não vai? – Sophie soltou depois de vários minutos. Já tínhamos passado pelo estaleiro da Marinha e agora era questão de tempo até que chegássemos em Alexandria.

Por mais alguns segundos fiquei calada, e minha filha se viu a obrigação de complementar o raciocínio.

— A senhora está dando os mesmos sinais que o papai deu no dia em que ele disse que se aposentaria... as mesmas frases vagas, o olhar distante, mas decidido, os momentos em que parece que não está aqui, mas revivendo o passado...

E ela tinha acertado em cheio.

— E não adianta reclamar da minha dedução, a senhora é uma das grandes responsáveis por eu saber lê-la assim. Fui muito bem treinada.

— Você está certa, Sophie.

Meu genro olhou para a Ruiva e depois para mim.

— Se acostume, Steve. Ninguém mente ou esconde algo dessa aí. – Falei diante de seu olhar.

— Quando vai parar?

— Hoje pela manhã entregarei a carta para o Presidente.

— Para Henry... – Ela corrigiu.

— Para o Presidente, Sophie. Ele é meu chefe.

— Não deu prazo? Já para amanhã?

— Isso ele quem vai determinar. Mas por que a pergunta?

— Bem... primeiro porque a escolha de um novo secretário ou secretária, é bem demorada; segundo, não é qualquer um que pode assumir a sua cadeira com a mesma competência.

— Obrigada pelo elogio. – Falei.

— Não é só um elogio, mamãe, é a verdade. Tim até hoje recorre à senhora quando algo fica muito complicado lá no NCIS, e olha que ele é competente para caramba e se encaixou como nunca na cadeira de Diretor. E tem mais um porém...

— Que é?

— A senhora não pode simplesmente sair assim. Seu legado deve ser comemorado, mãe. A senhora foi, é, e acredito que sempre será, inspiração para muitas garotas e jovens mulheres por aí... a senhora abriu o caminho quase a força num mundinho predominantemente masculino para que mulheres como eu pudéssemos correr por ele... e isso tem que ser lembrado!

— O que está passando nessa sua cabeça? – Questionei.

— Nada. Só estou te preparando, porque sei que Henry, ou melhor, o Senhor Presidente, sabe disso tanto quanto eu, e ele não vai deixar que uma pessoa como a senhora se vá sem que seja aclamada.

Revirei meus olhos, Sophie estava exagerando como sempre.

— Sophie, filha, não é assim que as outras pessoas me enxergam. Você me vê como sua mãe, os outros não. Eu sou mais uma na imensidão de pessoas que tomam decisões importantes todos os dias.

— Engraçado, quando o papai se aposentou, a Secretária Potter fez questão de homenagear os anos de serviço dele... e ele era “só” um agente. Acha que será diferente da senhora?

Não respondi, às vezes Sophie queria, porque queria, que tanto eu quanto Jethro fôssemos igualados a heróis, só porque ela nos via assim.

— Dona Jenny, a Sophie está certa. E não digo isso como um genro puxa-saco, eu escuto o que as tropas falam.... e só falam bem da senhora. – Steve deu a sua opinião. E essa era uma que eu poderia considerar.

Com pouco chegamos em casa, e, estranhamente, Sophie guardou o carro na garagem.

— Vão passar a noite aqui?

— Desculpa avisar em cima da hora, mas a nossa casa deve estar inabitável depois de três meses sem ninguém lá... e, também tenho que ser o detalhamento de segurança pela manhã... – Sophie falou antes de descer do carro e me ajudar, carregando as minhas coisas, como ela fazia quando era criança. Steve carregou as bolsas dos dois. – Nosso quarto ainda existe nessa casa, né? – Perguntou quando passou pela porta que levava à cozinha.

— O seu quarto ainda existe aqui, Ruiva. Já o SEAL pode dormir no banco de trás do seu carro novo. Algum problema com o Dodge?

— Também senti a sua falta, papai. – Vi Sophie abraçar o pai e dar um beijo na bochecha dele. – E o Dodge está bem e saudável depois de uma pequena revisão de dois meses... mas resolvi agradar a minha protegida e fui nesse carrão aí.

Estranhamente nenhum dos dois tocou no assunto que tinha levado à minha filha a bancar a minha segurança particular hoje.

Jethro me cumprimentou como nos demais outros dias e para o genro favorito, sim, Steve tinha ganhado o coração do sogro, só sobrou um boa noite e um tapa nas costas, o que era muito mais do que ele já tinha dado a Henry em todo esse tempo. A teoria da família para tal comportamento era a de que Steve nunca demonstrou medo da presença de Jethro, mas sempre respeito, já Henry sempre teve medo do sogro.

Sophie, Steve e Jethro ainda ficaram no andar de baixo, já eu me despedi do trio e fui dormir, estava cansada e sabia que teria um dia agitado pela frente.

— Só não se esqueça, Sophie, que amanhã você tem que me levar cedo para Arlington! Não posso chegar atrasada!

— A senhora continua acordando com as galinhas?

— O que você acha?

Minha filha não me respondeu, mas só pelo suspiro resignado que deu, eu sabia que ela ainda não tinha se acostumado com a obrigação de acordar cedo.

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Na manhã seguinte achei estranho que Jethro não tenha comentado nada sobre a minha aposentadoria, porque saber sobre ela, já sabia, era impossível que Sophie não tivesse contado a ele. Porém, nem uma olhada cheia de significado na minha direção ele deu, agiu como sempre fazia em todas as manhãs, não sei se esperando que eu lhe desse a notícia ou se achava que eu iria mudar de ideia.

Como combinado, minha filha e genro foram meu detalhamento de segurança até o Pentágono. Chegando lá, foi cada um para um canto, eu para minha sala, Steve para uma reunião e Sophie para outra. Minha primeira tarefa do dia foi retirar a minha carta de aposentadoria do cofre, conferi-la mais uma vez, para logo em seguida, enviá-la para meu Chefe.

Não tinha volta. Agora era só aguardar a publicação e eu estava oficialmente fora.

Acontece que não foi isso que aconteceu, pelo menos não imediatamente.

Como Sophie bem tinha dito dentro do carro, a troca de Secretários nunca é feita de uma hora para outra, não quando nada de grave tenha ocorrido. Portanto, assim que o Presidente recebeu o meu comunicado, entrou em contato e me pediu um tempo. Não especificou qual, mas seria até que encontrasse um substituto à altura.

E, com isso o tempo passou. O ano acabou, começamos mais um. E a única novidade da família foi a promoção de Sophie que alcançou o cargo de Vice-Diretora do NCIS, para o desespero de Tony que não acreditava que a Peste Ruiva era, na teoria e na prática, sua chefe.

— Eu não sou sua Chefe, Tony. Continuo aqui na Europa e trabalhando como agente infiltrada. Te garanto que é mais fácil aparecer um outro para ocupar o lugar do Tim quando precisar do que eu voar para a América e temporariamente ficar no seu pé! – Foi a resposta que ela deu por vídeo.

E sobre a promoção da minha filha, eu só tinha uma coisa a dizer:

— Ela está subindo mais rápida do que eu... – Murmurei para Jethro quanto vi o anúncio.

— E você achou que a sua filha iria desacelerar algum dia, Jen? Não consigo vê-la fazendo isso.

— Não é que eu tenha achado alguma coisa, é só que... eu ainda acho que ela deveria viver mais e trabalhar menos.

Jethro me olhou como se uma segunda cabeça tivesse nascido em mim.

— É, eu disse isso mesmo. E falei com propriedade, uma vez que eu sei a consequência de se ter uma carreira meteórica.

— Jen, se a Ruiva achar que tem que parar e ir mais devagar, ela vai fazer isso, por enquanto, ela não tem motivos para ir devagar. Não é casada, não tem filhos, não tem nada que a impeça de subir. A Ruiva está fazendo o caminho inverso de Kelly, pois ela sabe o tanto que foi difícil para a irmã ter que deixar a carreira para tomar conta da família... e ela também sabe que uma família pode dificultar a vida. Exemplos é o que não faltam.

— Por acaso isso é uma indireta para mim? – Questionei.

— Não foi uma indireta. Eu só disse a verdade.

Jethro estava certo. Sophie tinha que aproveitar o momento e seguir até onde ela quisesse, até porque ela, muitas vezes tinha que trabalhar dobrado ou triplicado, mostrar que merecia estar onde estava, só por conta dos sobrenomes que carregava.

Assim, vi minha filha alçar voos bem altos e ser responsável por operações que eu, na idade dela, não tive coragem de encarar. Pena que algumas dessas jamais seriam creditadas ao NCIS.

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E, enquanto o mundo girava, eu continuava como Secretária da Marinha e trabalhando normalmente. Até que em uma manhã fria em meados de janeiro eu recebi um comunicado da Casa Branca que me intimava a participar do “State of The Union Adress”, na abertura do ano legislativo do Congresso.

O pronunciamento iria acontecer na última quarta-feira de janeiro e tudo o que me disseram era que eu teria que ir. Algo raríssimo de acontecer, já que eu não representava nenhum dos três Poderes ou as forças armadas em si.

Mesmo me mordendo de curiosidade, confirmei a minha presença e o que me restava era aguardar.

E as duas semanas entre ter recebido o convite e a Abertura do Congresso passaram devagar e cheias de problemas, tanto que no dia do Discurso, eu quase que me esqueço, se não fosse por Cynthia, iria acabar não comparecendo.

Com o tempo muito apertado, consegui ir em casa e me arrumar para então voltar ao Capitólio. O único fato que estranhei foi que Jethro não estava em casa, porém me lembrei que Kelly era presença fixa nesse evento, então ela deveria ter pedido ao pai tomasse conta dos filhos enquanto estivesse no Congresso.

Meu detalhamento me deixou na entrada do Capitólio e, depois de não sei quantos anos, eu voltava a andar por estes corredores, que me traziam boas e más lembranças.

A parte mais estranha é que fui direcionada para uma área na qual eu não tinha acesso, e logo me vi cercada pelo Serviço Secreto, pois no mesmo cômodo estavam a Presidente da Câmara, o Presidente e a Primeira-Dama.

Cumprimentei a todos, mantendo a formalidade e, assim que dei dois passos atrás, notei que tinha mais gente ali, Jethro, Sophie e Steve. Com um menear de cabeça, afastei das figuras poderosas e fui para perto de minha família.

— Posso saber por que estão aqui? – Perguntei olhando para os três.

— Jura que a senhora ainda não descobriu? – Sophie retrucou.

Dei uma olhada em minha filha e em meu genro, nem ela, nem ele, pareciam estar a trabalho, vez que Steve não estava uniformizado, estava em um terno bem cortado que gritava que minha filha havia escolhido a dedo para o noivo, e nem Sophie usava seu distintivo, mas sim vestido com casaco por cima e saltos mais altos que os meus. Jethro ainda era uma incógnita para mim.

— Não.

Vi Sophie trocar um olhar com o pai e depois os dois olharem na direção de Kelly. E confesso, estava mais perdida do que tudo.

Ao fundo, ouvi Kelly pedir licença e logo ela estava parada ao meu lado.

— Eu não acredito que vou ter que explicar a sua presença aqui...

Sophie segurou a risada diante da minha feição completamente branca e Jethro teve que dar uma cotovelada nela.

— Podem parar com o suspense! – Pedi baixo.

Pareceu-me que Jethro iria acabar com a minha curiosidade, contudo, chamaram a todos para tomarem seus lugares. Kelly, claro, foi a primeira a entrar, sempre cercada de assessores e seguranças. Assim que ela assumiu o seu lugar e as palmas cessaram.

Os assessores foram rápidos e logo estavam sinalizando para que ficássemos perto da porta.

— E qual... – Comecei a falar e fui interrompida ao ouvir o meu nome ser chamado e eu e minha família, fomos convidados a nos sentar perto da Primeira-Dama.

E foi só aí que minha ficha caiu de vez.

Ao som de palmas fui recebida pelo Congresso e o motivo da minha presença ali foi completamente explicado.

Minha aposentadoria tinha finalmente sido publicada, porém, eu seria agraciada com a Medalha Presidencial, em respeito aos meus anos de trabalho como agente federal, diretora do NCIS e Secretária da Marinha e, era no dia do State of the Union Address que se contemplava as pessoas com destaque com esta medalha.

Um tanto sem graça por só ter percebido o óbvio agora, agradeci às palmas e ocupei o meu lugar. Assim que me sentei, entre Kelly e Jethro, Sophie e Steve se sentaram logo atrás, minha filha mais velha tombou minimamente para o meu lado e falou:

— A senhora realmente não sabia?

O movimento dela atraiu alguns flashs e para evitar constrangimento maior, esperei que os fotógrafos se distraíssem com outras pessoas para responder:

— Não fazia ideia. Nada passava pela minha cabeça.

— Bem, espero que não tenha achado que toda a sua dedicação ao país iria passar em branco... – Completou ela, já sentada normalmente.

— Espero que não tenha sido ideia sua.

— E não foi, na verdade, achei que você até recusaria, se ficasse sabendo antes da hora, afinal, o grau de parentesco é enorme, mas quem te indicou foi o Secretário de Estado e os Comandantes da Formas Armadas. Ou seja, você foi muito bem recomendada para ganhar essa medalha.

Iria retrucar, porém anunciaram a entrada do Presidente e todos ficamos de pé.

Henry começou com o discurso e resumiu como estava o país e tudo o que seria feito nesse ano que se iniciava. Entre as mudanças mais drásticas, foi anunciado o novo Secretário da Marinha, um Coronel dos Fuzileiros.

E, pouco antes de terminar sua fala, foi anunciado que eu seria agraciada com a Medalha do Presidente, por todos os anos de serviço prestado ao país.

E, quem me entregou a medalha, não foi outra pessoa senão, Kelly, já que era o papel da Primeira-Dama entregá-la.

E, mesmo com todo o barulho das palmas, pude ouvir o comentário sarcástico de Sophie:

— Se isso não é favorecimento de familiar, não sei o que é!

Olhei para ela assim que acabei de agradecer Kelly, mas minha caçula tinha um sorriso imenso nos lábios.

— Estou orgulhosa de você, mamãe. E agora não sou só eu que valorizo seu trabalho. – Olhou cheia de orgulho para a medalha.

A cerimônia foi encerrada e eu acabei me vendo cercada de políticos que, por anos, eu tive que domar e fingir ser educada pelo bem do orçamento do NCIS. Todos eles relembrando momentos em que passamos juntos.

Sophie e Steve foram saindo discretamente de perto de mim, os dois nada acostumados com essa atenção, porém, Jethro ficou ao meu lado o tempo inteiro, sua mão sempre em minhas costas, me guiando no meio das pessoas e me dando forças quando ele notava que a pessoa que conversava comigo naquele momento não me era muito querida.

Levei um tempo para conseguir sair do Congresso e quando o fiz, um agente do Serviço Secreto me chamou, guiando Jethro e a mim até outra sala.

— Bem, não podíamos falar lá fora, porém, nos vemos daqui a pouco, na casa de Sophie. – Anunciou Kelly. - Vamos dar uma festa em comemoração à sua aposentadoria!

— Vão pegar as crianças? – Perguntei inocentemente.

— Bem, não. Eles já estão lá. A Moranguinho pegou os três mais cedo e deixou Tony tomando conta, diz ela que foi a primeira ordem que ela deu como Vice-Diretora a ele. - Kelly falou rindo e logo teve que se despedir de mim, pois era hora de saírem dali e irem para casa.

Como fim de toda a cerimônia, Jethro e eu caminhamos devagar pelos corredores do Capitólio, e, muito provavelmente esta seria a última vez que eu faria isso. Aproveitei o momento, me despedindo dali e tentando reviver as memórias dos momentos que passei por ali.

E quando saímos para a noite fria e nevoenta, Sophie e Steve estavam nos esperando no estacionamento e minha filha só de olhar para nós, já começou a reclamar.

— Não acredito que a Kelly fofocou de novo! Eu segurei a notícia dela até hoje, até peguei um voo corujão para estar aqui e com três minutos de conversa, ela conta tudo! Inacreditável!

— Vantagens de ser a Primeira-Dama e poder fazer o que quiser. – Jethro defendeu a primogênita.

Sophie levantou uma sobrancelha e encarou o pai.

— Na minha casa, não tem isso de Primeira-Dama. Lá ela é só a minha irmã. – Disse fatalista e, taciturna, entrou no banco do carona, Steve dessa vez dirigia o tal do carro que ela havia ganhado em um jogo de pôquer.

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Eu não sei o que estava esperando quando cheguei na casa de minha filha, mas com certeza não era o que recebi.

Tinham enfeitado todo o lugar, fui recebida com balões e chuva de papel picado e, claro, muitos abraços.

Meus netos, livres dos olhos dos seguranças e das imposições de etiqueta que diariamente têm, corriam pela casa e pelo quintal, ora chamando por mim, ora por Jethro. Quando os pais chegaram, em um carro comum e sem identificação, que foi logo colocado dentro da garagem para que ninguém visse quem estava ali, a festa ficou ainda maior, pois eles sabiam que pelo menos por aquela noite, eram uma família como outra qualquer e, sobre isso, alguém tinha muito o que falar.

— Já que você deu com a língua nos dentes e contou da festa, Kelly, pode ficar a vontade e arrumar a cozinha! – Sophie soltou no final do jantar. – Isso se você ainda souber lavar vasilhas!

— Não foi... – Kelly começou a dizer, mas foi interrompida pela irmã mais nova.

— A cozinha é por ali e aqui está o pano de prato. – Arremessou o pano na direção da Primeira-Dama.

Kelly encarou Sophie, que só sorriu para a irmã.

— Minha casa, minhas regras, irmãzinha. Agora vai!

— Você deve ser a pior chefe que alguém pode ter! Credo! Nem papai era tão mandão quando era o líder da MCRT! – Kelly saiu reclamando e a ruiva só soube rir.

A comemoração se estendeu noite adentro e foi só quando o dia estava raiando que os convidados começaram a ir embora.

— Sabe, Jenny, vai ser estranho não escutar mais o seu nome por D.C., mas por outro lado, creio que vamos te ver muito mais. – Abby falou ao guiar Meg até o carro.

— Se você está falando sobre ter uma babá a disposição, saiba que estou aceitando o encargo!

Abbs riu e me deu um abraço.

— Não era bem sobre isso que estava falando, mas não vou dispensar, e acho que os dois, - se referiu aos gêmeos – vão adorar ter a vovó por perto por muito mais tempo.

Cada um de minha família se foi, restaram somente meus genros e minhas filhas que ainda se bicavam na cozinha.

— O que foi agora? – Jethro perguntou para as duas, já perdendo a paciência.

— Não é nada! – Kelly respondeu e jogou o pano de prato na cara de Sophie. – Sua filha caçula que é perfeccionista demais e está reclamando do meu serviço.

— Não sei como tem coragem de dizer a palavra ‘serviço’. – Sophie retrucou e voltou para a cozinha reclamando em alemão.

Kelly que não parecia nem um pouco abalada com as reclamações de Sophie, apenas se sentou ao lado de Henry e, depois de colocar os pés no colo dele, se virou para o cunhado e disse:

— Steve, como gosto de você e quero que viva bem, olhe bem com quem você está se metendo. Ainda dá tempo de fugir dessa maluca, aí!

E, da cozinha só escutamos um sibilar. Eu não entendi o que era, mas Jethro sim, já que ele caiu na gargalhada e Kelly, que parecia que tinha tirado a noite para importunar a irmã mais nova, só deu de ombros e gritou:

— Não sei o que você disse, mas te desejo o mesmo!

A caçula das meninas Gibbs ficou calada com isso, mas dava para ouvir que ela não estava nada feliz. E eu me perguntei até quando as duas iriam se tratar assim.

Infelizmente, Kelly, Henry e as crianças tiveram que ir, saíram pela garagem, ainda de noite, para que pudessem chegar à Casa Branca antes que o dia amanhecesse.

— Vocês são mais do que bem-vindos para dormirem por aqui. – Sophie nos disse depois de se despedir dos sobrinhos. – Ou pelo menos descansar, devido a hora.

— Vai ser o meu detalhamento de segurança agora? – Brinquei com a minha filha.

Ela me olhou de cima embaixo e falou:

— Não que a senhora precise, porque sabe muito bem cuidar de si mesma e sei que esse Marine aqui, - Deu um beijo na bochecha do pai. – sabe proteger a senhora, mas saiba que sempre que precisar, é só chamar, creio que chegou a minha hora de tomar conta dos dois! – Deu-nos o braço e nos guiou escada acima.

E, aqui, deitada em um quarto na casa de minha filha mais nova não pude deixar de perceber a diferença de todos com relação à minha aposentadoria e a de Jethro. A dele foi um impacto sem precedentes em todos, talvez porque sempre pensamos que ele seria eterno no NCIS e nunca paramos para pensar em como seria a agência sem ele. Já a minha foi comemorada como se fosse um marco.

Contudo, depois de tantos meses de espera, só tinha uma pessoa que não tinha dado a sua opinião sobre o meu mais novo status de aposentada e ele estava justamente deitado no meu lado agora.

— Bem, depois de tudo isso, e agora que eu estou tão à toa quanto você, Jethro, qual é a sua opinião sobre eu ter parado?

O quarto estava escuro, mas pude sentir que ele virou de lado, assim, também me virei.

— E então? – Pressionei.

— Era o que você queria, não era, Jen?

— Sim. Porém, sempre achei que você daria a sua opinião.

— Você deu quando eu parei?

Voltei alguns anos atrás e lembrei de como reagi quando ele parou. Eu só o apoiei.

— Bem....

— Exatamente, Jen. Você ficou do meu lado quando a equipe parecia ter se virado contra mim e é exatamente isso que estou fazendo por você. A menos que você não esteja 100% certa e esteja repensando...

— Jethro... eu estou certa disso.

— Bem, então assunto encerrado. – Ele disse e se deitou do meu lado. Fiz o mesmo e fiquei de olhos abertos, olhando para o teto, mesmo sem nada ver.

— E o que vai fazer agora, Jen? – Jethro me perguntou, quebrando o silêncio do quarto. – As meninas não precisam mais tanto assim de nós...

— Sabe que aquela viagem de barco pelas Américas é até bem interessante... – Comentei.

Mais senti do que ouvi a sua risada.

— Tudo bem que Kelly vai surtar e tentar nos fazer ficar, mas não te soa interessante passar um tempo no mar, longe de tudo, só nos dois?

— E quando você quer começar isso, Jen?

— Quando você quiser ir, Jethro, não temos mais nada para fazer mesmo....

E, já com planos de viagem, começava a mais nova fase da minha vida. Creio que esta será a mais interessante de todas.