SPIN OFF - Carta Para Você

A Aposentadoria do Grande Leroy Jethro Gibbs


Não vou negar, não deve ter sido uma decisão fácil de ser tomada. Afinal, foram quantos anos à frente da MCRT? Quantos casos resolvidos? Quantos finais felizes para algumas vítimas? Quantos “caras maus” atrás das grades ou debaixo da terra?

Muitos.

Mas então, em uma bela manhã de domingo, meu pai simplesmente disse ao se sentar à mesa do café:

— Jen, eu vou me aposentar.

Minha mãe o olhou muito desconfiada e depois levou a mão esquerda na testa dele, medindo a temperatura. Certa de que tudo estava bem, recolheu a mão, e tornou a mirar meu pai, dessa vez nos olhos, daquele jeito que os dois sempre fizeram, para lê-lo, para encontrar a verdade no fundo dos olhos azuis.

— Jethro, você tem certeza? – Perguntou por fim, um tanto sussurrado, um tanto alarmado.

— Sim, Jen. Chegou a hora. Eu não estou ficando mais novo, as meninas já têm as próprias vidas. E eu cheguei no meu limite. O último caso me mostrou que eu não tenho mais idade para fazer isso. Pelas normas do NCIS já era para eu ter saído há um tempo, eu vim protelando e a Diretora fazendo vista grossa. Esse é o momento, Jen.

Eu só observava a conversa, ainda incrédula. Descrente que isso estava acontecendo.

Meu pai, aposentado?

Leroy Jethro Gibbs fora do NCIS?

Para mim era inconcebível. Inaceitável. Surreal.

Contudo, estava acontecendo, pois minha mãe ainda não tinha desviado os olhos do rosto de papai, o único movimento que ela havia feito foi pegar a mão dele e apertar. Bem forte.

— Tem quanto tempo que você vem pensando nisso? – Ela questionou, não para irritá-lo, para entendê-lo.

— Desde que eu cruzei o país com a Ruiva.

Arregalei meus olhos, achando que agora ele iria olhar na minha direção. Todavia ele não o fez, continuou a olhar para minha mãe.

— Tive muito o que pensar durante a viagem, em Los Angeles e quando voltei. Deixar a minha caçula na Califórnia, sabendo que ela iria começar a trabalhar no mesmo ramo que eu, pôs muita coisa em perspectiva. Os novos chegam, alguém tem que sair.

Eu ia falar que ele não precisava sair só porque eu tinha entrado na Agência, mas não encontrei a minha voz.

— Bem, Jethro. Seu prazo final? Eu sei que você tem um. Você não vai, simplesmente, sair e deixar tudo como está.

— O último dia de trabalho desse ano. – Ele afirmou.

Minha mãe confirmou com a cabeça, e eu a conhecia bem demais para saber que ela estava fazendo as mesmas contas que eu.

Quantos dias até que ele entregasse o distintivo?

A resposta? Setenta e cinco dias.

Em setenta e cinco dias meu pai estará se aposentando. Estará passando o comando da equipe de elite da NCIS para...

— E quem você quer assuma a equipe? – Mamãe perguntou, estranhamente sincronizada comigo.

— DiNozzo. Ele já fez isso uma vez. – E aqui ele parou, pois os três fizeram uma careta para a lembrança. – Ficou no cargo mais alguns dias, ele é o ideal. É para isso que ele tem se preparado e para isso que eu o tenho treinado.

Então quer dizer que meu Italiano de Araque Favorito passaria a ser o Agente em Comando? Ele mais do que merecia isso, Tony tem feito de tudo e mais um pouco durante todos esses anos. Ele é, sem dúvida, o melhor agente sob o comando do meu pai, e sabe tão ou mais sobre a MCRT quanto o Poderoso Gibbs.

Eu tinha ficado feliz que o Agente Muito Especial Anthony DiNozzo Júnior finalmente tinha conseguido a sua tão sonhada e suada promoção.

Mas ela custava a carreira de meu pai. Para que Tony chegasse a ser o Agente em Comando, meu pai teria que se aposentar.

E eu sei que Tony não vai gostar disso. Ele vai demorar para aceitar o encargo, a responsabilidade e, principalmente, vai ter problemas em aceitar que o “Chefe” está parando. Está dependurando o boné.

— Liguei para o Tony ontem à noite. Ele vai vir hoje. Deve estar quase chegando. – Papai informou.

— Vou deixar para você dar a notícia do seu jeito, Jethro. Me fale quando acabar de contar para todos que eu farei a sua aposentadoria pública. – Mamãe se levantou da cadeira, deu um beijo na testa de papai e foi para a cozinha, seus passos um tanto incertos. Ela tinha aceitado a decisão dele, isso era certo, tinha anos que ela vinha comentando comigo que papai já estava arriscando demais ao continuar como agente, que já tinha passado da hora de ele entregar a equipe para Tony. Porém, nem todos estes pensamentos foram capazes de fazê-la pronta. De prepará-la para o anúncio, para a realidade que nos atingiria em setenta e cinco dias.

— Ruiva? – Papai me chamou.

Levantei meus olhos para ele, e só então percebi que eu chorava.

— Sim? – Murmurei.

— Quer falar alguma coisa?

Ah! Eu queria. Queria gritar que ele tinha que ficar junto com a equipe. Que mamãe precisava dele dentro do prédio. Que setenta e cinco dias são poucos dias para que alguém se inteire de tudo, para que assuma um cargo que requer tanto tempo e responsabilidade e que demandaria chegar ainda mais cedo no escritório e ir embora ainda mais tarde. Dizer que Tony tinha dois filhos que mereciam passar um tempo de qualidade com o pai.

Mas nada disso saiu de minha boca. Meu lado corajoso só sabe ir até um certo ponto. E a minha área de alcance de quando se tratava de meu pai era bem curta, já que ele jamais meu ouvia, e eu duvidava que ele fosse me ouvir de qualquer modo, ainda mais hoje.

— O senhor tem certeza? – Perguntei baixinho, rezando para que eu acordasse em minha cama, que isso fosse só um pesadelo.

— Tenho, filha. Toda jornada tem um fim.

Mordi o lábio inferior e deixei a caneca de chá onde estava, parcialmente cheia. Não tinha mais estômago para comer ou beber nada.

— Por que está chorando? – Papai me perguntou.

Dei de ombros.

— Você sabe muito bem que eu não gosto desse gesto.

Eu tinha vinte e cinco anos nas costas e meu pai ainda era capaz de chamar a minha atenção.

— Não consigo te imaginar fora do NCIS, papai. – Falei por fim, minha voz falhando.

Papai só me chamou para ir até o lado dele, daquele jeito de sempre, com um único dedo.

Levantei-me da cadeira onde estava e me senti com onze anos novamente, era um deja vu do jantar na casa de Kelly, quando ela anunciou que esperava Will.

— Ninguém dura para sempre, filha. A vida é um ciclo.

— Eu sei, papai. Mesmo assim...

— Sophie, tudo tem um início e um fim. O meu tempo no NCIS já tinha que ter acabado, eu fiquei porque ainda achei que vocês precisariam de mim.

— Mas todos nós precisamos.

— Não, filha. Que talvez você ainda fosse precisar que eu te ajudasse a comprar algo, que Kelly fosse precisar. Todavia, vocês duas já têm o que precisam, e muito além. São totalmente independentes de mim. E eu sei que podem se virar sozinhas.

— Eu não acho que eu possa... – Falei em dúvida.

— Você já faz isso, filha.

— Mas eu estou aqui, não estou? Na sua casa.

— Digamos que você é tanto apegada à família. E Kelly, aquela lá se casou cedo demais.

Tive que rir, Kelly e Henry já tinham dezesseis quase dezessete anos de casados e papai ainda achava ruim de Kelly ter se casado.

— Ainda acho que você é necessário no NCIS. Tio Ducky ainda está lá.

— Ducky é a história do NCIS em pessoa, Ruiva.

— O senhor também.

— Deixa esse negócio de história só para ele.

Ia protestar, mas papai me calou colocando um dedo no meu lábio.

— Não comece um discurso digno de Jennifer Shepard na minha frente. Sei que sua mãe ainda vai querer falar.

— Não vou. Só quero fazer uma última pergunta.

— Diga.

— E o que o senhor vai ficar fazendo? Vai abrir uma revenda de barcos feitos a mão?

— Cuidando dos meus netos.

— Não espere nenhum de mim nem tão cedo.

— Não espero nem te levar para o altar tão cedo assim, Ruiva.

— Ótimo. Essa coisa de casamento pode ser depois dos 40. Ninguém precisa ter presa. – Falei demais.

— Vamos ver até quando você vai pensar assim. – Meu pai me desafiou.

— Acho que o senhor está realmente com febre.

Ele riu, se levantou e me deu um beijo na testa.

— Tudo vai se encaixar no final, Ruiva. Você vai ver.

— Vai aonde?

— Tony chegou.

— Não tocaram a campainha!

E foi aí que eu escutei o som da dita cuja! Papai só me lançou um sorriso e eu balancei negativamente a cabeça. Como Abbs vivia falando, ele realmente deveria ter poderes especiais.

Comecei a retirar a mesa do café, e pude ouvir claramente Tony falando na porta:

— Bom dia, Chefe! Tá precisando de alguma coisa?

— Sim, Tony.

Os dois logo passaram por mim, Tony roubou um prato com panquecas – o meu prato -, me encheu a paciência, puxou a ponta do meu coque e saiu comendo atrás do meu pai, os dois indo até o porão.

Com pouco mamãe saiu da cozinha.

— Tony chegou. – Ela murmurou.

— Sim, e chegou comendo.

— Ele não vai comer por muito tempo. – Ela disse fatalista.

— Vai ser tão ruim assim não ter o papai no NCIS? – Perguntei quando nós duas íamos arrumando tudo.

— Não é sobre não o ter no NCIS. É sobre o que ele vai fazer, Sophie. Seu pai tem trabalhado duro desde que saiu do Ensino Médio. Se alistou direto, passou por tudo o que você sabe e não parou nem quando pediu dispensa. Ele está emendando um trabalho no outro desde 1976. Faça as contas filha.

— Trinta e nove anos.

— Sim. E isso me apavora. Pois eu nunca vi, nunca pude imaginar o seu pai completamente à toa. Sentado na frente da TV sem fazer nada, a não ser reclamar de alguma notícia e comentar alto um jogo de futebol.

— Eu ainda acho que ele não para completamente. – Falei. – Ele não vai conseguir se afastar de tudo.

— Que suas palavras sejam lei. – Ela disse.

Com a cozinha pronta e a conversa ainda acontecendo no porão, mamãe foi para o escritório e eu começar a arrumar a minha mala, afinal, ia pegar um voo às dezoito horas.

Foi fácil saber quando a conversa chegou ao fim. As piadas de Tony foram substituídas por um silêncio medonho. Pude ouvir Tony dizer não, falar que não aceitava o encargo. Não ouvi a voz de meu pai ou sua resposta. A voz de Tony sumiu e depois de uns trinta minutos, ele só gritou sua despedida e foi embora.

Mamãe foi a primeira a perguntar.

— Como foi com Tony?

— Como você, a Ruiva e eu sempre soubemos que seria. Ele disse não de início.

— Jethro...

— Ele vai se acostumar com a ideia, Jen. É por isso que eu falei agora. E amanhã vou falar com a equipe. Dessa vez todo mundo vai ter tempo para se acostumar com a minha ausência.

— Quando vai contar para Kelly?

— Quando que a nossa mais velha vai aparecer, Jen? Ela não está acompanhando o Engomadinho na campanha presidencial?

— Não sei Jethro! Deve ser logo. – Mamãe respondeu.

Não posso dizer que foi um bom domingo, foi um dia razoável. Como sempre acontecia quando eu estava na cidade, fomos almoçar na casa de alguém, dessa vez de McAbby. As crianças ficaram jogando o último videogame que tinha saído, eu fiquei matando a enorme saudade que eu sentia de Ducky, conversando com Tim sobre algumas coisas e tentando explicar para Ziva que eu não tinha arranjado um californiano bonito para chamar de meu, ela estava parecendo a cada dia com as tias do WhatsApp!

Os únicos que agiram de forma estranha foram Tony e papai, que ora pareciam discutir, ora pareciam conversar um assunto muito sério.

Quando Ziva se levantou para ir atrás de Tali e Adam, ficamos só mamãe, tio Ducky e eu na mesa.

— Então, Jethro se decidiu. – Tio Ducky falou.

— Nos contou hoje de manhã e contou para Tony. – Mamãe respondeu.

— Anthony não parece muito feliz com o cargo.

— Ele não se acostumou com a escolha, Ducky.

— Não diria que ele não se acostumou, Jennifer. Anthony está temeroso sobre as consequências dessa mudança de comando. Da última vez, Jethro desapareceu por quase cinco meses. É normal que ele negue a promoção.

— Jethro vai continuar por mais 75 dias no NCIS.

— Até lá, creio, Anthony vai se acostumar com a ideia de que ele será o Chefe. E Jethro, já tem algum plano para a aposentadoria?

— Se tem, não nos contou.

— E você, Sophie? O que acha disso tudo? – Os dois se viraram para mim.

— Eu confio no papai. Dessa vez ele está fazendo da maneira correta.

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Eu não estava por perto quando papai soltou a bomba para a equipe, porém fiquei sabendo de tudo, graças à diferença de fuso horário e ao grupo da família.

Culparam o Tony por saber e não contar. Chamaram a minha mãe para por responsabilidade na cabeça do meu pai. Imploraram para que Kell voltasse logo e tentasse convencer papai do contrário. Todos tinham a mesma opinião.

Ele não deveria parar.

Ele não podia parar.

Quando me mandaram falar alguma coisa, porque Ziva David-DiNozzo não pede, ela manda. Eu me fiz de sonsa e não respondi. Mesmo que ela clamasse que sabia que eu estava online e acompanhando a discussão.

Eu não tinha o que falar. A decisão não era minha. E mesmo se eu quisesse, papai não iria me ouvir. Ele já tinha se decidido, e quando Leroy Jethro Gibbs coloca algo na cabeça, ninguém tira.

Assim, não dei opinião, nem quando Kelly se descabelou depois de ficar sabendo da aposentadoria de papai e ter me ligado de dentro do jato da família Sanders com Will, Jack e sua enorme barriga de grávida.

— Soph você tem que fazer alguma coisa! Eu estou muito longe de casa!

— E eu estou trabalhando, Kells. Não é como se eu estivesse na universidade e pudesse matar algumas aulas e ir conversar com o papai. E, no mais, ele já se decidiu. Escute-o. Ele tem razão em parar.

— Você está concordando com o papai?

— Sim.

— Como assim? Ele vai se aposentar! Sophie, ele vai sair do NCIS!

— Como ele me disse, Kelly, a vida é um ciclo. É a hora dele parar. Pense em quantos anos ele está à frente da MCRT. Há quantos anos ele está no NCIS! Estamos em 2025, Kells. São 31 anos.

Minha irmã respirou fundo e se mexeu na poltrona do avião. Visivelmente desconfortável, não só com a reta final da gravidez, mas com toda essa situação.

— Eu não consigo ver o papai como um aposentado.

— Dentro de setenta e quatro dias você vai ver.

— E você? Vai falar o que? Todo mundo está esperando a sua opinião!

— Eu tenho que ir. – Falei e desliguei a chamada. Estava no estacionamento do escritório, e comecei a encarar o telefone e as dezenas de mensagens que chegavam por minuto.

Já eram mais de 50. E todas tinham o meu @ nelas.

Por fim, escrevi aquilo que era verdade, era difícil e até dolorido de escrever, porém era a verdade.

Eu quero que o papai seja feliz. E é isso que ele quer. E, por favor, parem de culpar o Tony. Ele foi pego de surpresa como todos. Não é hora de criticá-lo, mas de ajudá-lo com a transição.

As mensagens pararam instantaneamente e eu pude enfim entrar no escritório.

Dez minutos depois, Hetty me chamou.

— Fiquei sabendo que vai abrir uma vaga na MCRT de Washington. Você, Senhorita Shepard-Gibbs, tem interesse em se transferir para lá?

— Não sou eu quem decide isso, Hetty. É a Direção e o novo Agente no Comando da equipe. Mas, se a minha opinião sobre isso vale de algo, não, eu não quero ir para lá. Aqui eu sou uma agente, sou parte da equipe, lá eu serei eternamente a filha do Agente Gibbs. Eu quero fazer o meu nome na Agência, assim como meus pais fizeram, e não viver a sombra deles.

— Muito bem. – A baixinha abriu um sorriso. – Muito bem. Agora vá para o segundo andar, o Senhor Beale e a Senhorita Jones estão passando o próximo caso de vocês.

Pelo resto do dia eu não ouvi, ou melhor, li nada sobre o assunto aposentadoria.

E assim os dias foram passando, a iminente saída de meu pai parecia que tinha virado um tabu. Ninguém comentava nada. O grupo da família tinha virado um deserto, tão desabitado quanto o deserto de sal que existe na Bolívia.

Até que Tony resolveu abrir o bico.

Eu até entendo que vocês não estejam felizes com a saída do Chefe, mas temos que aceitar a decisão dele. Alguma vez o Chefe tomou alguma decisão sem pensar nas consequências?

Quando ele foi para o México. E voltou com aquele bigode horrível.— Minha irmã devolveu de pronto.

Não podemos considerar que o Chefe estava 100% nesse dia, né, Kelly? Afinal, as ideias estavam um tanto emboladas.

Mesmo assim, Tony, é insanidade. O que meu pai vai ficar fazendo em casa?

Para isso Tony não tinha resposta. Aliás, a única pessoa que tinha uma resposta para essa pergunta não tinha um smartphone em mãos para responder.

E a conversa morreu aqui.

Pelo contador regressivo que minha mãe me mandava toda manhã, faltavam 30 dias para a saída de meu pai.

Um mês para o adeus definitivo.

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E os 30 dias viravam 29, que viraram 28, e quando assustamos, era final do ano, e faltava um dia.

A aposentadoria de papai já tinha sido publicada. Oficialmente ele não era mais um agente. Mas ainda faltava a passagem de comando.

Abby se recusava veementemente em ver isso acontecer. Já tinha trocado os papeis de parede de todos os seus computadores, tirando a temática gótica e a foto dos filhos e colocado fotos do meu pai com os filhos - toda a equipe. E, quando enfim o dia chegou, eu consegui uma folga de LA – na verdade Hetty só me entregou uma passagem de avião e me mandou ir para Washington, dizendo que eu era necessária lá.

Desembarquei em DC e fui direto para o Estaleiro, chegando antes mesmo da equipe. Assim, me sentei na mesa de papai e comecei a mexer nas gavetas já quase vazias.

Para ser bem sincera, eu nem precisava ter vindo, afinal, essa “passagem de comando” era só uma burocracia, pois papai já nem poderia trabalhar mais, porém, insistiram que ele viesse no dia de hoje.

Quando, enfim, toda a equipe chegou, o clima era de velório.

— Temos um caso em conjunto com LA, hoje? – Tim perguntou quando me viu sentada na mesa de meu pai.

— Não. Não estou a trabalho. Sou apoio moral. – Expliquei.

— Para quem? – Ellie me perguntou.

— Meu pai. Para Tony. Vocês estão errados em culpá-los desse jeito.

Vi DiNozzo respirar fundo, pelo visto eu era a única que pensava assim. Pois nem Ziva estava feliz com isso.

— Se for para falar besteira, Sophie, pode voltar para LA. – Nick soltou.

E aqui meu temperamento um tantinho explosivo, levou a melhor.

— Não, não vou voltar só porque você mandou. Não vim por você. Vim pelo meu pai e meu irmão mais velho. – Apontei para Tony. - Não recebo ordens de você, Torres. Nunca recebi e acho bem improvável que eu vá receber um dia. Se você está realmente furioso com a troca de comando da MCRT, saiba que todo agente do NCIS pode pedir para trocar de equipe. Por que você não faz isso, já que respeitar a decisão do seu superior é demais para você?

E nessa hora todo o andar do NCIS parou para olhar o que poderia virar uma briga homérica.

— E desde quando você manda em alguma coisa dentro do NCIS? Você só tem o sobrenome, não manda em nada. E é só uma agente especial de outro escritório, não deveria estar aqui.

— Sei que não mando, mas por conta desse sobrenome eu posso te falar uma coisa, Torres, eu sei os motivos do meu pai para se aposentar. E se ele pensasse que não estava pronto, se ele pensasse que Tony não era uma boa escolha para ficar no lugar dele, ele não estaria entregando o distintivo hoje. Você pode trabalhar ao lado do Agente Gibbs, mas eu sou a filha dele. Tem uma grande diferença nessas duas classificações. E, de todos que estão aqui, você é o que menos pode falar, foi o último a chegar.

— Nick simplesmente não gosta de mudanças! – Ellie interveio, assim como Tim que deu um passo para frente, no intuito de, caso fosse preciso, segurar Torres, já que eu não havia me movido da mesa.

— Então avise para o seu namorado, Ellie, que essa mudança é real e vai acontecer. Já é hora do meu pai parar, ele merece isso. E Tony é, além de ser o Agente Sênior da equipe, o mais qualificado para o trabalho. E quem não quiser aceitar isso, que procure a direção e peça para ser transferido.

Foi aqui que me levantei e assim que me virei para a cadeira para pegar o meu casaco, vi Kelly perto dos elevadores, gravidíssima e perigosamente prestes a explodir.

Resolvi por ignorar a minha irmã e fui procurar por Ducky, que deveria estar na sala dele.

Cheguei até a garagem de provas, cumprimente Abbs que estava por lá, com uma carinha triste e estava para virar no corredor quando Kelly me pegou pelo braço.

— O que você tem na cabeça? Por acaso tomou alguma cacetada que eu não estou sabendo?

— Eu só disse a verdade, Kelly. E até você deveria aceitar. Papai tem que sair. Ele viveu para essa agência por muito tempo. Chegou a hora de ele viver a vida dele.

— A última vez...

— Pelo amor de Deus, Kelly! Pare com isso. O Safári da Margarita é passado. Foi um erro. UM ERRO. E ele se corrigiu nos últimos vinte. Eu sei que foi traumático para você. Foi traumático para a equipe e para mim também. Mas entenda, papai não vai se aposentar, tirar um barco do porão e sair o mundo velejando. Ele vai ficar onde é o lugar dele, ao lado da minha mãe. Entenda que você não é a única que pode ter o seu final feliz, papai também merece.

Kelly soltou o meu braço e voltou para o elevador. No caminho encontrou com Abbs que tinha os olhos verdes arregalados e olhava para mim.

Continuei meu caminho até Ducky e quando parei diante da porta aberta e ia levantar a minha mão para anunciar a minha presença, eis que encontro na sala, Ducky, mamãe e papai.

— Sua advogada está aqui, Jethro. – Mamãe falou.

— Interrompo algo? – Perguntei.

— Não, filha, pode entrar.

Entrei na sala e tentei entender o que estava sob a mesa de Ducky.

— Curiosa como sempre...

— Oi Tio Ducky! Como vai o senhor? – Desconversei e tentei ignorar o comentário de meu pai.

— Olá minha criança! Que bom que pôde se juntar a nós.

— E isso é? – Apontei para os documentos.

— O perfil de cada um da equipe. – Me respondeu simplesmente.

— Então acho melhor eu sair... A gente conversa daqui a pouco. – Falei, mas minha mãe me segurou pelo pulso.

— O seu também está aqui.

— Por quê?

— Porque isso aqui não é trabalho. Estamos tentando entender o motivo do restante da equipe se recusar a ter Tony como chefe.

— E acharam?

— Diga-me você! Também tem diploma em Psicologia Forense e um curso de perfiladora do FBI na manga. – Mamãe disse e se sentou em uma das poltronas, cruzando as pernas e me encarando.

- Não posso. Não quero analisar pessoas que são da minha família.

— Mas não teve medo de confrontar alguém mais forte do que você para defender a posição do seu pai.

— Não. Não tive. Nem na sala do esquadrão, nem na sala de provas.

— E como você chegou a essa conclusão, de apoiar a saída de seu pai?

— Porque é mais fácil acostumar com ele dentro de casa, do que pensar que algo poderia dar errado e tudo o que voltaria para a nossa casa seria uma bandeira dobrada em forma de triângulo.

— Justo o suficiente. Mas precisava mandar o Torres procurar outra equipe?

— Ele não precisava jogar na minha cara o que ele jogou.

— E com Kelly?

— A desculpa de que ela está grávida não cola comigo. Mas não é só ela, é todo mundo, eles têm que aprender que a decisão não é deles. E que o papai não vai sumir para sempre. Não é uma reprise do México!

— Esse o ponto. Como explicar isso para eles? – Ducky perguntou.

— Não explique. – Falei simplesmente.

— Leroy Jethro Gibbs 2.0. – Mamãe murmurou e papai deu um sorriso de lado. – E não faça essa cara, Jethro. Estamos tentando achar uma solução para que a MCRT não se desfaça.

— Isso não vai acontecer, Jen. Uma hora eles chegarão à mesma conclusão que a Ruiva chegou.

Mamãe passou a mão no rosto, Tio Ducky se sentou em sua cadeira.

— Vocês dois estão preocupados com algo que não tem que se preocupar. – Papai disse e ia saindo da sala.

— Eles precisam aceitar o comando de DiNozzo, Jethro. E só você pode fazê-los entender isso.

— Não, Jen. Não cabe a mim. Cabe a eles.

— Vai ser impossível para Tony liderar a equipe. Eles não vão respeitá-lo.

— Se não fizerem isso, mamãe, não deveriam ser agentes. Você respeita quem é o seu superior, independentemente se gosta ou não dele. Simples assim.

— Você está pensando demais como o seu pai ultimamente. – Mamãe se levantou e pegou as pastas em cima da mesa de Ducky. – Obrigada pela ajuda, Ducky. De verdade. E eu vou precisar de você por aqui nas próximas semanas.

— Estarei por perto, Jennifer. – Ele falou seguindo mamãe para fora do escritório.

— Obrigado por ter vindo. – Papai disse quando ficamos às sós.

— Parece que tanto o senhor, quanto Tony vão precisar de um escudo humano para receber as pancadas. – Brinquei.

— Esse escudo está um tanto pequeno, mas acho que era o que o NCIS tinha disponível, não?

— Sempre às ordens. Já sabe quando o senhor... – Apontei para o distintivo que hoje, estranhamente, estava na mão dele.

— Não vou entregar esse aqui para Tony. Ele tem o dele. Só vim para levar o resto das minhas coisas e, bem...

— E dizer até logo para a equipe.

— Era essa a intenção. Porém... – Papai deu de ombros.

— Entendo. Vai precisar de ajuda?

— Se você quiser ficar de pé, com cara de brava, encarando o Torres, enquanto eu guardo o restante das minhas coisas em caixas, fique à vontade.

— Ele fala a palavra errada e Ellie perde o namorado. – Comentei e papai balançou negativamente a cabeça.

Fomos em direção ao elevador, Abby já tinha desaparecido da sala de provas, Kelly a mesma coisa. Quando chegamos à sala do esquadrão, só Tony estava lá.

— Bem... Chefe... o pessoal.

Papai só chamou Tony e deu aquele tapa no alto da cabeça dele.

— Já calei. E esse deve ter sido o último... – Murmurou Meu Italiano de Araque.

— Não, DiNozzo. Se precisar vai ter mais. – Papai disse já guardando o que restava de sua mesa em caixas. Na mesma hora minha mão voou para o taco de beisebol. Nunca entendi o motivo de papai ter um taco no meio da sala do esquadrão, mas hoje ele bem que poderia ser útil. - Nem pense nisso, Ruiva. – Ele estendeu a mão.

Tony riu.

— Querendo aprender como Diane usava isso aí?

— Procurando um besta para passar no meu caminho. – Confirmei.

— Que não sou eu!

— Não, Tony, não é você.

Papai chamou a nossa atenção, quando nos viramos, ele só apontou para as caixas que estavam em cima da mesa. Sim, a vida do Grande Leroy Jethro Gibbs dentro do NCIS se resumiu em três caixas.

Estranhamente ninguém apareceu. Eu ainda tinha a esperança de que alguém aparecesse de surpresa para se despedir, mas isso não aconteceu.

Papai só mostrou para Tony a mesa.

— É sua agora, filho. Você sabe o que fazer. Está pronto a muito tempo.

DiNozzo olhou para a agora vazia mesa, depois para papai, foi fácil de ler nas suas expressões que ele não estava confortável com o fardo que estava recebendo.

— E lembre-se, Tony. É você quem toma as decisões. Pense como você. Jamais como eu. Um novo líder, uma nova filosofia.

— Certo, Chefe.

— Não sou mais o seu Chefe, Tony.

— Velhos hábitos não morrem, porém, com todo o respeito, você será sempre o Chefe. E obrigado por tudo, e não digo só quanto ao trabalho. – DiNozzo disse e abraçou o meu pai. – Vai precisar de ajuda, Chefe?

— Não Tony, vá achar a sua equipe.

— O despacho não ligou. – DiNozzo olhou para o telefone.

E foi questão de segundos para que o aparelho tocasse.

— Agora vocês têm.

— Esse eu ainda é um truque que vou ter que aprender. – Disse o Italiano, que logo pegou a mochila, ligou para a equipe dizendo que eram para se encontrarem no estacionamento e antes de ir para o elevador, parou na frente de papai e se despediu uma última vez. – Uhn... Chefe, se eu precisar de algum conselho... – Deixou a frase no ar.

— Você sabe onde me encontrar, Tony.

— É claro. E nos vemos mais à noite, Peste Ruiva, você tem que me falar como anda a Califórnia. – E dessa vez ele se foi.

Estava empilhando duas caixas quando mamãe e Ducky apareceram.

— Então, é assim? – Ela olhou para as caixas e mesas vazias.

— Até que eles tenham coragem de aparecer lá em casa, Jen.

Mamãe estreitou os olhos, papai não era autorizado a chamá-la de “Jen” dentro do prédio.

— Não me olhe assim. Não sou mais agente.

— Você nunca se importou com isso mesmo, Jethro. E, por uma última vez, está certo disso?

— Sim, Jen. Estou.

Mais uma vez mamãe olhou para a área das mesas, parou por um tempo longo olhando para a mesa que hoje é de Ziva e depois na de papai.

— Revisitando o passado? – Papai perguntou.

— Sim. Nunca imaginei que esse dia iria chegar... nunca.

E foi aqui que papai tirou a arma de serviço da cintura e a identificação do bolso do sobretudo e estendeu para a Diretora.

Mamãe pegou, fazendo uma cara estranha e levantou uma sobrancelha ao notar que faltava o distintivo.

— Vai guardar de presente? – Apontou para a cintura dele.

Ele tirou o clipe do cinto, deu uma olhada para o distintivo bem arranhado depois de tantos anos ali e, ao invés de entregá-lo para minha mãe, entregou para mim.

— Por que para mim?

— Você vai saber tomar conta direito dele. Assim como toma conta do outro.

Peguei o distintivo, me lembrando de quando ganhei o outro... eu tinha sido empossada como Agente Baby do NCIS à época, e hoje eu era realmente uma agente. Vinte anos se passaram entre as suas cenas e quanta coisa tinha mudado.

Nesse meio tempo, Papai e Ducky se despediam, meu tio falando que as portas sempre estariam abertas para uma visita.

Os dois se abraçaram e, não há palavras para se descrever uma amizade de mais de quarenta anos. Os dois amigos que se conheceram por estarem envolvidos com um caso do NCIS sem saber, lá em 1980, e que nem sonhavam em trabalhar na Agência, tinham dividido anos e anos de trabalho e missões e hoje já estavam aposentados.

— Bem, Ruiva, me ajude aqui. – Papai falou por fim.

Peguei as caixas, minha mochila e fui para o elevador, achando que papai estaria do meu lado. Mas não, ele tinha parado perto das janelas e quando mamãe estava quase no alto da escada, soltou.

— Te vejo em casa, Jen!

Todo o andar parou ao ouvir isso e olhou para a Diretora.

E a Diretora Shepard-Gibbs se virou para o ex-agente e só sibilou que ele sabia das regras.

— Ou será que você prefere, Madame Diretora? – Ele a provocou.

Minha mãe ficou vermelha escarlate e só levantou a cabeça e apressou os passos para a sala.

— Nem no último segundo o senhor deixa de provocá-la, hein? – Comentei quando ele parou do meu lado, esperando pelo elevador.

— Tinha que sair em grande estilo, Ruiva! – Piscou para mim.

Assim que colocamos o pé no saguão, e começamos a caminhar até estacionamento, os demais agentes foram se despedindo do Agente Gibbs. Alguns tinham um respeito tão grande pela figura imponente do ex-Marine que chegavam a temê-lo, outros apenas diziam que ele faria falta. A cena que mais chamou a minha atenção foram os Fuzileiros que guardam a base fazendo continência a ele. Um gesto que só era feito quando passava a Diretora e figuras do alto escalão do Governo, foi repetido de forma a honrar a carreira de papai, tanto como Marine, quanto como agente.

Semper Fi. – Foi o que ele falou antes de ir para o carro.

O grito de “Hurra” ecoou pelo estacionamento e eu tive que morder o lábio para não chorar.

Não deixei de perceber que não havia nenhum sinal da equipe que ele montou e liderou por tantos anos em nenhum lugar.

O caminho para casa foi tranquilo, com meu pai dirigindo dentro dos limites de velocidade no meio de uma manhã praticamente sem trânsito.

Chegando em casa, ele só me olhou e falou antes de tirássemos as caixas de dentro da caçamba da caminhonete:

— Você só trouxe essa mochila?

— Sim.

— O que aconteceu com a garota que carregava uma mala de roupas e outra de sapatos, só para passar um final de semana fora de casa?

Dei uma risada.

— Fui pega de surpresa com Hetty me entregando a passagem. Aí peguei a minha mala de sobrevivência. Além do mais, eu ainda tenho roupas aqui. E sapatos... eu calço o mesmo número de mamãe.

— Agora está explicado o motivo dela ter dito que você estava ficando cada dia mais parecida comigo.

— Hei! Pode ir parando aí, Agente Muito Aposentado. Não é assim que a banda toca! Eu não vou ficar arrastando pelo globo a mesma duffel bag surrada por quarenta anos! Aliás, está aí outra coisa que tem que ser aposentada.

— Nem pense nisso, Sophie.

— Vou dar essa ideia para mamãe!

Ganhei aquela encarada como resposta.

O restante do dia passou estranhamente calmo. Ainda mais se levarmos em conta que tínhamos uma grávida prestes a dar à luz a qualquer momento na família e que estava prestes a estourar de raiva.

Mamãe conseguiu uma brecha na agenda e veio almoçar conosco. O motorista da Família Sanders deixou Will e Jack por aqui assim que as aulas deles acabaram. Will, já com 14 anos, estava achando a aposentadoria do avô um fato muito bizarro. Jack, como sempre, não falou nada, só olhou de papai para mim, seu olhar dizendo tudo, ele não esperava por isso, mas estava feliz que agora tinha o avô preferido de folga permanente. Pelo menos meu sobrinho de 10 anos estava feliz com a situação.

Com os dois por aqui, acabamos jogando batalha naval... e ainda bem que Will estava fazendo dupla com meu pai, porque o garoto era péssimo em estratégia de guerra!

Achei que Kelly apareceria para o jantar, todavia, quem veio buscar os filhos foi Henry, que conseguiu um tempo na agenda e passou por aqui, ficando por um tempo e conversando com os sogros, pedindo alguns conselhos quanto ao gabinete de transição de governo. Ele foi eleito presidente nas últimas eleições. Tinha ganhado com o maior número de votos dos cidadãos e dos delegados na história americana.

Com o pai e os avós longe e Jack entretido no filme de super-heróis que ele tinha escolhido para ver, Will me chamou na cozinha.

— Diga Loiro.

— Essa aposentadoria do vô é realmente de verdade?

— Sim.

— E ele vai embora de novo?

Levantei uma sobrancelha para ele.

— Mamãe tem dito isso aos quatro ventos. Vem falando que você é doida de apoiar o vovô. Que ele vai embora para o México mais cedo ou mais tarde. Ela fala isso todo dia.

— Ele não vai, Will. E a sua mãe está com o que chamamos de cérebro de grávida, não fala coisa com coisa!

— Tem certeza? Eu não quero que o vovô vá embora.

— Absoluta. Seu avô só está cansado de servir o país. Assim como o Senador Sanders parou, chegou a hora do Agente Gibbs parar. – Expliquei.

— Vovô foi embora para o Texas e raramente aparece por aqui.

— Ele vai aparecer para a posse de seu pai. – Garanti.

— Mas e o... – Will apontou com o dedo para onde meus pais tinham ido.

— Ele vai inventar de consertar cada defeito que encontrar nessa casa. Depois é bem capaz que passe para a sua. E então... deve dar as caras em Los Angeles para reclamar do meu apartamento. Para então começar a ir na casa de cada um da equipe. Não dou três meses para a sua avó se descabelar com as reformas que ele vai começar a fazer.

— Isso é uma aposta bem específica, tia.

— Eles são meus pais, William. Eu os conheço bem. Agora vamos voltar para a sala e assistir o filme que Jack escolheu.

Passei a hora seguinte ao lado de meus sobrinhos, mas não prestei atenção ao que via, apesar de sempre ter gostado de filmes da Marvel, estava preocupada com outra pessoa.

Assim, sem conseguir ficar quieta, mandei uma mensagem para Tony:

Deu tudo certo por aí? O pessoal está te escutando?

Ele não me respondeu. Torci internamente para que estivesse ocupado demais para fazer isso.

Logo que o filme acabou, Henry se despediu de nós, pedindo desculpas novamente por Kelly não ter aparecido.

— Eu conheço a minha filha, Henry. Sei o que se passa na cabeça dela. – Papai garantiu.

O único feliz com tudo isso foi Jack, que falou que voltaria para dormir por aqui no final de semana.

O sábado pela manhã foi estranhamente quieto. Sem telefones tocando, sem ninguém da família aparecendo em uma hora estranha para comer algo de graça. Foi tudo tão novo que até fomos almoçar fora e foi só aí que vimos alguma movimentação, pois alguns senadores reconheceram a minha mãe e dois Fuzileiros que serviram com meu pai vieram saber se era verdade que ele havia parado de vez. Assim que papai confirmou a história, os dois se olharam e disseram:

— O mundo agora acaba.

Acabamos de almoçar, mamãe pediu para que passássemos em algumas lojas, pois ela precisava comprar algumas coisinhas. Esse passeio durou três horas e meu pai não abriu a boca para reclamar e nem tomou litros de café. Mas quando chegamos no carro – com ele servindo de carregador de bolsas – só me jogou as chaves e me mandou dirigir.

— Está se aposentando até do volante, Jethro? – Mamãe perguntou achando graça.

— Enquanto a Ruiva estiver por aqui, sim. Mas não pense que serei seu carona.

Mamãe deu uma bolsada nele e se sentou no banco da frente, relegando meu pai para o banco de trás.

— Vamos, Miniatura, deixe seu pai sentir na pele o que nós sentimos por anos.

Eu tinha amor à vida e jamais faria algo assim e quando mamãe notou isso, respirou fundo dramaticamente e soltou:

— Garotinha do papai.

— Pelo menos uma tinha que salvar, não é Jen?

— Quem carregou essa Pestinha na barriga por oito meses fui eu. Quem teve que aturá-la chorando fui eu. Merecia mais consideração. - Ela começou e não parou de falar até que chegamos em casa. Jogando na minha cara, e na cara de meu pai, tudo o que ela fez por mim nos últimos vinte e cinco anos, ou como ela gostou de dramatizar, um quarto de século.

Papai só ia rindo do rompante da esposa e cada vez que ela via a reação dele, ficava ainda mais furiosa. Pelo visto esse seria o mais novo passatempo dele.

Quando, enfim, chegamos perto de nossa casa, vimos que tínhamos visitas. Sim, no plural.

Abri o portão da garagem e nem tinha guardado o carro quando as portas dos cinco carros se abriram, saindo cada membro da nossa família e seus respectivos filhos.

— Creio que é para você, Jethro. – Falou mamãe, agora muito mais calma.

Parei o carro e meu pai desceu, ele não deu três passos e Abby praticamente pulou no pescoço dele gritando para quem quisesse ouvir que ela estava arrependida de não ter se despedido dele dentro do prédio. Kelly veio disputar espaço com a Gótica mais Feliz do Mundo, falando e chorando ao mesmo tempo.

— Acho que agora as coisas vão voltar ao normal. – Comentei assim que guardei o carro.

Todos entraram pela garagem, falando ao mesmo tempo, pedindo as suas desculpas, proclamando que estavam errados e que agora entendiam o motivo de papai ter se aposentado e que eles sabiam que ele não iria embora para o México novamente.

Foi preciso que papai assobiasse e saísse distribuindo tapas no alto da cabeça de cada um para que eles se calassem.

— Certo, Chefe. – Falaram ao mesmo tempo.

— Não sou mais o Chefe de vocês. – Ele disse mal-humorado.

— Sempre será o El Jefe, Gibbs! Sempre! – Falou Abbs.

Daí até a noite de domingo foi uma reunião de família e uma comemoração em homenagem à aposentadoria de meu pai, sendo que o final de tudo teve que ser antecipado, afinal, minha sobrinha resolveu que era uma boa hora para chegar ao mundo.

A família foi para a Maternidade e eu tive que ir para o aeroporto, afinal, a Diretora Shepard-Gibbs não quis me dar licença de tia da futura primeira filha.

Ainda no voo, recebi as fotos do nascimento de Kate Gibbs-Sanders. Uma garotinha ruiva, com grandes olhos azuis e, lógico, em uma das legendas, devidamente escrita por Abbs, mas creio que sob ordens de Kelly, estava assim:

Ainda bem que meu vovô, além de aposentado, ama ruivas, assim vai tomar conta de mim o tempo inteiro.

E pelo visto meu pai teria muito trabalho pela frente. No fim das contas, ele não ficaria aposentado por muito tempo...

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TRÊS MESES DEPOIS

— Eu estou falando sério, Sophie. Eu vou matar o seu pai! Eu simplesmente não aguento mais!

Era um domingo de manhã e minha mãe estava ao telefone me usando de psicóloga gratuita há duas horas, sem me deixar abrir a boca.

— Ele simplesmente não para! Já arrumou o que tinha que arrumar dentro dessa casa, isso enquanto olha a Kate, apesar de que ela é uma bebê muito boazinha, bem mais do que você.

Sim, também estava escutando bastante essas comparações entre minha sobrinha recém-nascida e eu. Só porque éramos ruivas.

— Estou começando a pensar seriamente em comprar um monte de madeira e mandá-lo fazer outro barco... assim ele fica quieto e me deixa trabalhar. Você acredita que até dentro do meu escritório, lá no NCIS, ele já está querendo mexer...

E eu deixei mamãe falando e falando e falando, dizia meus “huns huns” “Claro” e “Nossas” quando era estritamente necessário, mas como o assunto era o mesmo, não prestei muito a atenção.

Até que ela falou:

— E sabe o que é mais estranho, Sophie? Eu ainda não vi sinais de seu pai. Fui trabalhar ontem, mesmo sem precisar, só para que não eu assassinasse meu marido aposentado, e desde que voltei eu não o vi...

— Deve ter comprado as madeiras que a senhora queria comprar e se esquecido de sair do porão, fazendo algo para a Kate, talvez.

— É, deve ser isso. Está tudo tão quieto que vou deixá-lo lá, quando ele estiver com fome aparece. – Pude escutar que ela tinha acabado de se jogar no sofá, mas não parou com o falatório.

Eu continuei a limpar o meu apartamento, deixando minha mãe falando, e ela só se interrompeu quando escutou a campainha tocando. A campainha da minha casa.

— Esperando alguém, filha? – Ela perguntou.

— Não. É meu dia de folga e eu estou fazendo faxina. Só um minutinho que eu vou abrir. – Respondi.

Corri para a porta, ainda limpando a mão em um pano e quando abro...

— Uhn... Papai?! – Praticamente gritei.

— Bom dia, filha!

Minha mãe que tinha ficado estranhamente calada, deu um berro do outro lado do telefone.

— Jethro está aí!?

— É... bem. Oi, pai! Entra!

Minha mãe tinha se engasgado com alguma coisa lá em D.C. e como papai não sabia da ligação continuou falando.

— Acho que sua mãe está um tanto sem paciência, então resolvi passar alguns dias por aqui, tem problema?

— Não! Claro que não!

— Fala com o seu pai para voltar para Washington AGORA! – Mamãe mandou do outro lado da linha telefônica.

— Ligação importante? – Ele apontou para meus fones de ouvido.

— Não. Só fofoca!

— Não se atreva a desligar na...

Desliguei a ligação de mamãe e olhei para meu pai.

— E então, depois que eu terminar a faxina, quer fazer alguma coisa?

Minha mãe tornou a me ligar, ignorei a chamada. Senti o meu celular no bolso vibrando, umas dez vezes seguidas. Com certeza ela estaria furiosa agora.

Meu pai até que não me perturbou tanto assim, mas como eu passava grande parte do meu dia e às vezes da minha noite também, fora de casa, quase não encontrei com ele. A grande mudança agora era que tudo, absolutamente tudo funcionava maravilhosamente bem dentro do meu apartamento.

E, em uma sexta-feira à noite, depois de que eu passei quase uma semana trabalhando direto e dormindo apenas pouquíssimas horas por noite, eis que ao abrir a porta da sala dou de cara com...

— AH! Sophie! Finalmente voltou para casa!

— Mamãe?!

— Sim! Estou aqui tem três dias e ainda não tinha te visto!

— A senhora está aqui há três dias?!

— Sim, mas parece que você não percebeu... andou igual a uma sonambula até o quarto, apagou e se levantou antes que pudéssemos falar algo.

Balancei a cabeça, eu podia jurar que isso era um sonho.

— E... a senhora está... – Deixei a frase no ar.

— Ah! Como o seu pai não voltou para casa, resolvi tirar uns dias de folga e ficar aqui com ele.

— AQUI?!

— Sim! Faz bem sair de D.C. de vez em quando e podemos aproveitar Los Angeles. E, quem sabe, assim eu não vou começando a pensar na minha aposentadoria também.

— Claro. Seja bem-vinda. – Comentei e, em choque, fui para meu quarto tomar um banho. Eu definitivamente deveria estar alucinando de cansada, era isso.

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QUINZE DIAS DEPOIS

— Sim, eu gostaria de falar no gabinete da Primeira-Dama.

— E quem fala?

— Agente Especial Shepard-Gibbs, NCIS.

— Senhora, a Primeira-Dama está ocupada.

— Você não está entendendo, é uma questão de segurança nacional!

— Senhora.

— Qual é o seu nome? – Perguntei desesperada.

— Secretario Collins.

— Collins, aqui quem fala é a irmã da Primeira-Dama, Sophie Shepard-Gibbs. Eu conheço a Kelly muito antes de você pensar que a conhece. Quem escolheu a roupa que ela usou no dia da posse e que o mundo inteiro elogiou fui eu. AGORA COLOCA A KELLY NESSE MALDITO TELEFONE NESSE INSTANTE OU EU VOU TE MATAR USANDO UM CARTÃO DE CRÉDITO! OU MELHOR UM CLIPE DE PAPEL! E Deus sabe que eu tenho treinamento para isso!

Dez segundos depois escutei a linha ser transferida.

— Primeira-Dama Kelly Sanders.

— Omitindo o Gibbs? – Perguntei.

— Sophie? Por que está me ligando nessa linha? O que aconteceu?

— É questão de segurança nacional, Kells. Pelo amor de Deus, me ajuda!

— Espera que eu vou...

— Não! Me escute primeiro.

— O que foi? Onde você está?

— Eu estou em Los Angeles, dentro do meu carro, parada debaixo de uma das milhares pontes que há aqui.

— Você está em perigo?

— Físico não? Mas minha cabeça está perigando ficar louca.

— Sophie, eu não estou te entendendo.

— KELLY, PELO AMOR DE DEUS! VEM BUSCAR OS NOSSOS PAIS! TEM VINTE DIAS QUE OS DOIS ESTÃO AQUI E ELES JÁ ESTÃO ME DEIXANDO DOIDA! Temos que arranjar algo para o papai fazer, assim a mãe vai embora com ele. Eu não sei quanto tempo mais eu aguento os dois falando na minha cabeça!!

Kelly deu uma sonora gargalhada do outro lado da linha.

— Não foi você que apoiou a aposentadoria do papai há quase cinco meses atrás?

— Ninguém me falou que uma estadia prolongada no meu apartamento estava no pacote!

— Agora aguenta os dois!

— Kelly, por favor!! Eu já...

E ela desligou na minha cara!

— Como você pôde?! – Encarei perplexa o aparelho em minha mão.

Papai, eu nunca mais fico do seu lado em guerra nenhuma! O senhor não tinha me dito que me daria tanto trabalho!!

E o resumo da ópera foi o seguinte: meu pai sem ter o que fazer, resolveu por passear pela Califórnia, minha mãe tirou férias com ele e o ponto de apoio dos dois era a minha casa.

E desde que eles chegaram por aqui, não era mais a minha casa, era a casa deles. Pois eles mudaram tudo de lugar.

E não tinha reza, prece, oração, macumba, vudu, simpatia que fazia os dois voltarem para D.C. Nem mesmo eu falando que eles deveriam estar perdendo momentos importantes do crescimento de Will, Jack e Kate.

A única coisa que fez os dois voltarem para a capital foi, além do final das férias de minha mãe, um caso do NCIS. Tony ligou e pediu por ajuda e meu pai, já um tanto entediado de ficar só viajando, fez as malas e voltou no primeiro voo.

Eu fiz questão de garantir que eles iriam embarcar. Antes que eles entregassem as passagens, olharam para mim e disseram:

— Deveríamos fazer isso mais vezes! Quem sabe daqui a seis meses?

— É! Pois é! – Foi a minha resposta.

E uma semana depois, estava embarcando para o Afeganistão, doida para ficar o mais longe possível do Agente Muito Aposentado e da Futura Diretora Aposentada e suas manias estranhas de pessoas que cismaram de curtir a vida.

Eles até que mereciam... mas meus neurônios cansados não mereciam passar pela provação de perder a casa e os poucos minutos de descanso que eu andava tendo.

E, para encerrar eu nunca mais toquei no assunto, até que Kelly, adorando ver o meu desespero, começou a jogar ideias para os dois iram para a Califórnia me visitar em cada um dos feriados prolongados.

E eles fizeram isso.

Um dia a Primeira-Dama iria me pagar com juros e correções, isso ela ia.

Agora eu tenho que ir pegar meus pais no aeroporto. Eles vieram passar o Dia da Independência comigo.

Mal sabem eles que me ofereci para ficar de plantão... mas Hetty descobriu e me deu folga do mesmo jeito.

Não tinha jeito, era assim agora, quando papai não estava dando consultoria para a equipe, ele estava por aqui. Esse era o novo ciclo da vida dele.

E, posso te garantir, estava deixando todo mundo maluco!