Ruined Dreams

Kill Kill (Born to Die)


Os dias passaram lentos e nublados diante de meus olhos preocupados. Tudo parecia rodar em câmera lenta, sentia-me em alerta extremo, ainda a espera daquele que viria me buscar.

Era como se tivesse vendido a alma ao diabo e meu tempo na Terra já tivesse se excedido e nada mais me restaria a não ser esperar por minha morte. Esperar o Cão entrar raivoso por aquela porta e dilacerar minha garganta numa morte violenta e icônica.

Já não me adiantaria clamar a Deus, pois o Mesmo deu-me forças para vir até aqui, agora entendia bem a mensagem: “Arque com suas escolhas. Dei-lhe o livre arbítrio.

Sentia-me num dilema. A bíblia numa mão e a arma na outra, a quem recorrer? A mim mesma? Ao pegar a arma, assim esperar o fim lutando? Ou ajoelhar-me escondida com a bíblia em mãos enquanto fugia de meu destino?

Me sinto como se fosse uma prisioneira de meu próprio corpo e de seu corpo ninguém pode libertá-lo, bom, apenas a morte e dela não quero experimentar. Não agora.

Meu homem tentava acalmar-me dizendo-me “está tudo bem” “estou aqui” “confie em mim” porém já não me era mais o bastante, pois a cada dia passado, era um passo mais perto de meu funeral. James está próximo, está chegando, se embrenhando por entre as árvores a minha espera, a espera do que acha que é seu.

Não tivemos notícias do bronzeado, pareceu ter sumido na última semana. Sumiu sob o sol que o queimava, evaporou. Tarik nos mantinha informado e da janela da frente eu via os carros à paisana que em nada me deixavam segura. As rondas eram frequentes, mas em nada me ajudavam a dormir, a ter um pouco de paz. Nada.

Apenas ele, Jake. Só meu amor quem conseguia me arrancar sorrisos com suas graças, porém mesmo assim ele ainda sentia minha hesitação em tudo que fazia. Já vivi assim, imagine, agora tenho Jake, mas um dia já fui só e sofri tudo isso sozinha.

Sinto mãos em meus ombros num afago calmo, logo todo o corpo dele se cola ao meu.

— Está aqui já faz mais de meia hora.

Não fitei-o, continuei a encarar a tarde fria do lado de fora, em breve choveria. Se via apenas o asfalto escuro marcado por listras amarelas e do outro lado nada. Os pinheiros altos e arbustos ralos encontravam a terra marrom escura. Por que Jake morava num local tão afastado?

— Os pinheiros são bem bonitos – divaguei solene.

Jake soltou um riso anasalado, apertou-me mais contra seu peito.

— Está tudo bem mesmo?

— Já é a vigésima vez que você me pergunta isso hoje.

— Desculpe.

Suspirei cansada, virei-me para fitá-lo e toquei-lhe o rosto.

— Eu que peço desculpas. Estou sendo insuportável, eu sei, não consigo lidar com isso e é meu jeito. Sei que estou sendo péssima, estamos sob pressão.

Num ato lento ele soltou-me e expeliu o ar dos pulmões com exasperação.

— Eu te entendo, mas quero que saiba que estou aqui, ok? Precisa parar de se isolar quando está com medo, parar de me esconder as coisas. Conte comigo ao menos, vou protegê-la.

— Você não pode contra James e sabe disso.

O maxilar de Jake contraiu-se. Logo me arrependi do que disse, mesmo sendo a mais pura verdade.

— Então quem pode contra? Ninguém nessa droga de mundo? – irou-se – Por isso fugia dele? Por que ninguém é pário para esse maldito, por acaso?

Seu tom de voz era de escarnio, cheio de raiva.

— Não se ire comigo! Não é culpa minha!

— Não estou irado e sei que a culpa não é sua, apenas não quero que seja assim toda vez que algo acontecer, entendeu? Que você se feche nessa sua mente e me exclua.

Exasperei-me.

— É o meu jeito, não sei lidar com isso, Jake. Sempre estive sozinha, nunca tive com quem contar.

O homem aproximou-se novamente.

— Mas agora tem. Tem a mim e nunca sairei daqui.

Coloquei minhas mãos em seus ombros.

— Sim, eu sei, eu sei – o fitei de cenho franzido – Me perdoe, estou tentando mudar… esse meu jeito.

Suas mãos acharam minha cintura.

— Não quero brigar. Não por causa daquele maldito.

Assenti tristemente, o abracei.

— Eu também não quero. Me perdoe Jake, apenas estou com medo, muito medo. Medo por nós, de tudo.

— Sei que dizer que tudo ficará bem não a acalmará, não sei o que dizer e não quero demonstrar minha apreensão, me desculpe, eu deveria protegê-la.

Sorri sem mostrar os dentes. No fundo eu sabia que Jake também temia tudo isso e tentava mostrar sua segurança mesmo temendo. Sentia-me um tanto segura e confiante, pois Jake demonstrava isso.

— Pelo menos um de nós tem de ser forte e acho que esse alguém não sou eu.

Ele sorriu.

— Enquanto eu tiver você, Lizzy, serei forte até meu último suspiro.

Afaguei-lhe o rosto com carinho numa tentativa de conforto, sorrimos e nos beijamos levemente. Precisávamos de cumplicidade num momento desse e não afrontas, teríamos de ser fortes. Mesmo quando James chegasse e nos arruinasse teríamos de ser firmes, lutar contra, até o fim.

Chovia do lado de fora, os pingos caíam com força, o vento intenso formava um farfalhar medonho das árvores no quintal e quando o relâmpago cortava os céus tudo ficava mais amedrontador.

Sentada no sofá, sozinha na sala observava tudo ao mesmo tempo que não conseguia ver nada. A penumbra era apenas interrompida pelos relâmpagos lá fora.

Meu sono não vinha de jeito nenhum e cansei-me de virar na cama. Deixei Jake dormindo e desci para torturar-me mais um pouco com meus pensamentos. Não queria atrapalhá-lo, não mais do que já venho fazendo.

Uma ideia doida percorre minha mente, talvez eu devesse deixar Jake se assim pudesse protegê-lo, porém se fizesse isso, poderia colocá-lo ainda mais em risco. A última coisa que quero é feri-lo, não que brigar, não quero mais apreensão e tensão entre nós.

Sei que ele está tentando compreender-me, dar-me tempo, me ajudar e cuidar de mim. Mas tudo isso parece-me pouco, não fazer efeito diante do medo que sinto, diante do dilema que vivo. Suspiro numa tentativa de amenizar minha exasperação.

O silêncio cobria o local quando sinto algo estranho, alguém me observa, sinto uma presença. Viro o rosto e encontro uma sombra e logo meu coração palpita em meu peito, porém quando um relâmpago ilumina o recinto encontro por um segundo a face do demônio. James.

Ele aproxima-se um passo, mais um relâmpago e vejo o metal luminoso em sua mão, a arma.

— Me leve – falo tremendo os lábios – Não faça nada a ele.

— Não vai fugir? – indaga debochado – Por favor, dê-me o prazer de caçá-la.

Levanto-me trêmula e rodeio a mesinha de centro, ele se aproxima.

— Faço o que quiser apenas o deixe fora disso.

Ele ri desdenhando.

— Cale a maldita boca – diz ríspido – Não tente me persuadir, não funciona mais, Elizabeth. Você não tem mais poder sobre mim.

Meus joelhos fraquejam e pondero sobre correr.

— Já lhe disse que estou a sua mercê, me leve.

Ele rodeia a mesa e me pega pela nuca, segura-me forte pelos cabelos, encosta o cano frio em minha mandíbula. Pressiona a pistola com tanta força que penso que irá perfurar minha pele.

— Maldita. Foge de mim, volta para seu amante medíocre e ainda tem a audácia de tentar persuadir-me – meneia a cabeça, depois ri sádico – Você é mesmo tola, Elizabeth. Excepcionalmente tola.

Com cada palavra era uma lágrima que de meus olhos brotava, sabia que ali seria meu fim.

— Nada a declarar, querida? – indaga-me – Vai apenas chorar? Não vai lutar?

— Faço o que quiser…

— Cale-se! Não venha com essa – agora segura em meu queixo, beija minha boca, comprimo meus lábios em repulsa, afasta seus lábios dos meus e coloca a arma em meu ventre – Agora diga-me aonde o bastardo está, pois vou matá-lo.

— Não… por favor, James… eu vou com você para onde quiser.

Num momento de ira ele desfere-me um soco no olho, qual faz-me cambalear e cair. As lágrimas misturam-se com a dor, seria pior do que eu imaginara.

Pegou-me pelo cotovelo, pôs-me em pé.

— Vamos, quero que o veja morrer.

— James, não, me escute. Me leve, eu vou com você – imploro – Me diga o que tenho de fazer, por favor, eu peço.

O homem parece ponderar por alguns segundos.

— Ajoelhe-se – diz e prontamente faço – Agora diga que me ama, que nunca me deixará novamente e que é minha.

Umedeci meus lábios trêmulos.

— James eu te amo, nunca o deixarei, sou sua.

— Convincente – pediu.

Tomei ar e toquei-lhe a mão fria.

— James, você é o amor da minha vida, eu lhe amo mais que tudo. Nunca o deixarei novamente, nunca partirei. Me perdoe, sou inteiramente sua, corpo e alma.

Ele ficou a encarar-me por alguns segundos, não sabia como seria seu semblante pois a escuridão impedia-me de vê-lo. Esperei pela sua resposta.

— Boa tentativa, vadia – agarrou-me os cabelos e me puxou –Agora vamos…

Sua fala não foi terminada pois um disparo foi feito. James cambaleou pra trás mas não caiu, urrou de dor por um milésimo de segundos e ao topo da escada vi Jake com a arma em punho. Oh, não!

— A deixe, se não o mato – dizia ele descendo a escada nos apontando a pistola.

James num movimento rápido agarrou-me pelo pescoço, passou-me um dos braços numa chave enquanto a outra mão tinha a arma mirada em minha cabeça.

— Boa tentativa, caipira – riu James ao falar – Mas Elizabeth é minha, ninguém irá tirá-la de mim.

— A solte. Agora.

James riu novamente.

— Ao que me parece, nós dois a amamos e apenas um pode ficar com ela. O certo seria eu, o maridodela. Então entregue-me a maldita arma e a libero.

Eu sabia que o moreno mentia.

— Não entregue a arma, Jake – exclamei e o bronzeado colocou mais força no aperto em meu pescoço.

— Calada, Elizabeth! Será que não vê que tudo isso aqui é culpa sua? Agora cale-se. E você, caipira, dê-me a porra da arma, antes que eu desconte o tiro que você me deu ou… mate essa vadia aqui.

Por um segundo Jake ponderou, ainda com a arma em punho. Estávamos perdidos, se ele abaixasse aquela arma morreríamos.

O vi levantar as mãos devagar e ao fazer aquilo a arma de James saiu de minha cabeça para apontar na direção de Jake. Não tive tempo de pronunciar um único ruído antes de dois disparos forem feitos contra meu amor.

Seu corpo caiu de costas no mesmo instante que gritei. No impulso e desespero desprendi dos braços de James, qual deixou-me ir até o corpo de meu amado abatido. Ajoelhei-me ao lado de Jake e o toquei o peito, havia sangue em toda camisa, não sabia bem onde havia pego. Acariciei-lhe o rosto, procurei por seu olhar, mas não achei. Segurei sua mão e chorei.

— É tudo minha culpa – falei entre soluços – Me perdoe.

Toquei-lhe o pulso e vi que havia batimento, seu peito movia-se, ele respirava, mas não mexia-se.

— Sim, culpa sua, querida Lizzy – desdenhou James ainda em seu lugar, virei meu rosto e vi que segurava algo em seu ombro, talvez a ferida do tiro que levou – Vejo que o filho da puta ainda está vivo. Poderia dar-me licença e deixar-me terminar o que comecei?

Quando vi James aproximando-se e com intenção de tirar o último resquício de vida de meu homem, tudo moveu-se lentamente. Um pouco acima da cabeça de Jake, avistei a pistola, estava ali, chamando-me, acenando-me, não pensei duas vezes antes de pegá-la e mirá-la em James.

Não o dei tempo para racionar ou fugir, na penumbra do recinto disparei contra James três vezes. O som ecoou pelo local como um trovão, uma luz brilhou, a pólvora queimou, a bala encontrou a carne podre do homem que odeio.

O vi cair de costas, tão lentamente que quase não acreditei. Levantei-me ainda com a arma em minha mão. Todo meu corpo tremia e minha respiração parecia descompassada como nunca antes esteve.

Então essa era a sensação de vingança?

Aproximei-me e peguei sua arma enquanto ele respirava sofregamente. O sangue escorria de seu corpo, aproximei-me dele a ponto da gosma quente encostar em meus dedos.

Outro relâmpago partiu o céu e tive o prazer de ver aquela cena. James caído, abatido, ensanguentado em minha frente, a ponto de partir.

Agachei-me ao seu lado.

— Isso é o que acontece, seu imbecil – escarniei contra sua face dolorosa – quando você ensina sua esposa a atirar.

Ele riu em meio ao sangue que lhe escorria a boca, tossiu e segurou meu pulso com seus dedos frios.

— Eu te amo tanto… – sussurrou, depois sorriu. Como o maldito tinha forças para sorrir? – Te vejo do outro lado… meu amor…

E seus dedos soltaram-se de meu braço para achar o chão frio.

— Vai sonhando – zombei.

Fitei seu corpo sem vida e pela primeira vez um alívio me abatia, um alívio que em anos não sentia. Virei-me para ver Jake, corri até o telefone e liguei para a ambulância.

— Vai ficar tudo bem – beijei-lhe os lábios – Consegue falar, Jake?

— Dói como o próprio inferno.

Sussurrou e eu sorri aliviada.

— Os paramédicos estão chegando, vai ficar tudo bem – segurei sua mão, ele retribuiu o aperto – Vamos ficar bem.

Ele assentiu e naquele momento soube. Sim, tudo ficaria bem. Virei-me e avistei James novamente, estava acabado, finalmente encarei meu demônio e o derrotei.