Rock Family

Capítulo 5 - Muito prazer, Taylor


Acordei de manhã e ouvi o mesmo silêncio que me atormentara na última semana. Normalmente, eu acordaria Bill e ele esconderia o rosto no cobertor e negaria. Parecia que tudo se tornava cada vez mais difícil de esquecer.

Saí pela porta do quarto e já ia á caminho do quarto dos meninos, quando fui chamada atenção por um som incomum aquele horário. Uma guitarra zumbindo o som de uma de nossas músicas, uma das nossas primeiras: “Kisses and knocks”. Compomos juntos quando tínhamos em volta de quinze ou catorze anos.

Tentei lembrar de quem poderia estar fazendo aquele som e só então me lembrei de Taylor, o nosso mais novo companheiro de apartamento. Não sabia se era só pra causar uma boa primeira impressão, mas ele parecia acordar cedo e ser compromissado com a música, demos o repertório para que ele gravasse e ele aproveitou a manhã para fazer isso.

Sorri e segui para o quarto dos garotos. As nossas manhãs não eram as mesmas, e não seriam ainda mais depois da chegada de Taylor. Eu não tinha mais a mesma energia para acordar Marco e Louis, parecia que não significava mais a mesma coisa.

Mas fiz o de sempre, balancei-os em suas camas e eles resmungaram sem querer acordar. Não reclamei com a mesma vontade, apenas disse:

- Anda, está tarde.

E saí pela porta, para preparar o café da manhã. Fiquei no fogão preparando as panquecas e achei notar a presença de alguém do corredor, depois ouvi uma voz distinta:

- Já acordou?

Eu tomei um susto, olhei rapidamente para ver quem era e virei logo meus olhos para frigideira quando vi que era Taylor. Era nossa primeira conversa, não costumava ficar nervosa no início de diálogos, mas parecia mais difícil sabendo que estava sozinha com ele na cozinha.

- É. Eu acordo eles.

Respondi. Ele riu, como se conhecesse Marco e Louis. Foi então que ele caminhou sorrateiro até meu lado, esticou os olhos para ver o que eu preparava. Depois comentou:

- Panquecas?

Eu bufei um breve riso.

- É. Eu também faço o café da manhã.

Expliquei. Ele riu e se sentou na mesa atrás de mim.

- Nossa, são te atribuídas muitas tarefas, não?

Brincou. Ri.

- Sim, até de mais, eles acham que cozinhar é coisa de garota, eu também não me incomodo, já tenho o costume.

Ele ficou um tempo em silêncio.

- É, dá pra ver, ta com um cheiro bom. – Elogiou, eu sorri. – Dá pra colocar uma pra mim?

Ri, parecia tudo um jeito de pedir café da manhã. Respondi:

- Claro, eu já tinha mesmo colocado na conta.

- Ótimo.

Agradeceu, logo ouvi os passos arrastados dos garotos chegando na cozinha, com a mesma voz de sono de sempre.

- Ai, caramba, que sono...

Marco bocejou. Louis concordou ainda zonzo:

- Pode crer...

Só então notaram a presença de Taylor na mesa, dessa vez foram mais simpáticos, pareciam já ter baixado a guarda.

- Bom dia, Taylor.

- Bom dia.

Taylor bufou. Eu terminei as panquecas, peguei o prato e coloquei na mesa.

- Hum... Finalmente Maria resolveu fazer panquecas...

Marco espiou as panquecas douradas que fiz.

- Acordou de bom humor hoje, Maria?

Louis estranhou meu ânimo, eu geralmente tinha preguiça de fazer panquecas, mas aquela manhã, quis gastar mais tempo fazendo alguma coisa. Eu ri e peguei as minhas para pôr no meu prato.

Taylor sorria de lado e me observava como se fosse uma coisa muito interessante me olhar. Eu não estava confortável com alguém com quem não estava acostumada em viver ali, sentia-me com a necessidade de refazer todos os meus passos, com medo de que tivesse uma impressão errada.

- Então, a gente tem que ensaiar hoje, com o Taylor.

Marco avisou-me. Eu já sabia disso, assenti.

- O repertório é bom, já consegui pegar as músicas.

Taylor elogiou. Marco inflou o ego, ele que escrevia a maioria das canções da banda. Sorriu tentando disfarçar o apreço pelo comentário.

- Que bom, assim é mais fácil.

Eu disfarcei meu riso, Marco se esforçava para não gostar de Taylor, como se se esforçasse para se manter fiel á Bill e odiá-lo pra sempre, quando na verdade, não significava nada ser gentil com Taylor.

Fomos até o quarto de ensaio e começamos á tocar. Senti um certo aperto no peito, era a primeira vez que cantava sem Bill na bateria, não tinha mais meus três melhores amigos cantando comigo nos shows, a música não parecia a mesma coisa. Mas engoli o choro e comecei a cantar.

Taylor era mesmo bom, tocava tudo com facilidade. Mas eu ainda tinha lembranças enquanto cantava, dos show em que Bill tocava, me vinha imagens dele balançando os cabelos tingidos de verde enquanto tocava as baquetas nos tambores, com o sorriso de alguém que adorava aquilo. A música nos juntava como amigos, banda, irmãos.

Terminamos todas as músicas e tinha corrido tudo bem, depois de uns ajustes de Marco no som de Taylor, que aceitou muito bem as sugestões.

Ao terminar, vi Marco e Louis soltarem um suspiro:

- Ai, caramba, cansei. Quero água.

Saíram pela porta. Eu ainda continuei lá, olhei pro chão por alguns minutos, ainda tentando esquecer tudo e entender aquela nova situação.

Mas meus pensamentos foram interrompidos por um comentário.

- Canta bem.

Levei um susto, e da mesma pessoa que pregou-me o último, Taylor. Sorria de lado pra mim.

- Ah, sim, valeu.

Agradeci o elogio.

- Eu achei mesmo que você fosse a vocalista. Caramba, a gente nem se falou muito né? Eu mal agradeci pelo que você fez.

Ele disse. Eu franzi o cenho, nãos sabia a quê ele se referia.

- O que eu fiz?

Perguntei sem entender.

- Marco e Louis iam me dispensar se não tivesse intervindo por mim.

Lembrou-me. Eu me senti meio envergonhada, foi como se eu desse um sinal de interesse.

- Ah, isso... – Fingi descaso, dei as costas pra ele pra pegar as folhas com as músicas espalhadas pelo quarto. – Você parecia ser bom.

- Eu não era o melhor na bateria, mas você parecia interessada em me ter na banda.

Eu conseguia captar o seu tom de sugestão. Ele parecia querer instigar o fato de eu ter interesse nele, eu engoli o seco, não queria que ele achasse aquilo.

- Profissional? Sim.

Recusei sua proposta.

- Ta tudo bem, mas você me deu uma chance, quero dizer, obrigada. – Fitou-me. – Você parece ser a única que não me odeia aqui. Louis e Marco parecem ter uma resistência, sei lá.

Ele zombou da ideia. Era óbvio que ele já havia percebido o quanto não era bem-vindo ali.

- Não é culpa deles, é só por causa do nosso antigo baterista, Bill.

Falei por falar, esperava que ele não perguntasse mais nada, mas era ilusão:

- Ah sim, o baterista, estão sempre lembrando dele, com uma espécie de mágoa, sei lá. O que rolou? Ele... Caiu fora?

Acho que ele pensava que estávamos chateados com Bill, que ele tinha abandonado a banda, mas estava muito longe de ser aquilo, eu neguei num ato:

- Ele morreu.

Fui bem direta. Ele mudou de expressão, ficou envergonhado pelo que disse, depois lamentou em tom de compaixão:

- Nossa, sinto muito.

Com sua humanidade, senti-me mais confortável em contar a história toda:

- Ele sofreu um acidente faz uma semana e alguns dias, saindo do mercado. Foi atropelado.

- Nossa, isso é péssimo. Agora entendo porque me odeiam, tem que ver outro cara no lugar do amigo de vocês depois de alguns dias depois da morte dele. Tem toda razão.

Eu me surpreendi um pouco. Ele parecia, solidário, agora. Via seu olhar de compreensão. Por algum motivo, ele me transmitia uma grande energia, como se fosse uma pessoa que me obrigava a adorá-la. Do nada, ele parecia tudo que eu precisava, como se eu tentasse fugir, mas ele insistisse em ser perfeito.

- É. Não liga para Marco e Louis, você é um cara legal, com um tempo vai fazer parte da banda.

Tranquilizei-o. Sorriu.

- É, mas não precisa tentar fingir que não ligou, eu dei a maior mancada sugerindo que ele foi embora. – Ele quebrou a tensão fazendo aquela piada. Ri. – Então vamos começar de novo. Sou Taylor.

- Maria.

Cedi á brincadeira. Ele só apertou minha mão. Sua palma era áspera e seus dedos tinham diversos anéis de latão. Eu ri da sua falta de palavras depois disso, então quebrei o silêncio:

- Muito prazer, Taylor.

- Com certeza todo meu. - Disse. – Então Maria... Você é a única mulher da banda... Como isso aconteceu?

- Somos amigos á muito tempo, sempre me dei melhor com homens.

- É, você e Marco namoram á quanto tempo?

Pairei sem entender. Da onde ele tirou aquela ideia?

- Eu e... Marco?

- Vai dizer que não rola alguma coisa?

- Com certeza não. – Neguei. – Da onde tirou essa ideia?

- Sei lá... Aquela papo de não olhar pela fechadura.

Eu enrubesci completamente, eu ainda tinha esperanças de que ele tivesse esquecido aquela regra patética.

- Ele é como um irmão mais velho, gosta de me proteger, mas nunca aconteceu, ou acontecerá nada. Quero deixar claro.

- Ah, ta. Irmãos, agora entendi, vocês pareciam muito distantes para gostarem um do outro, mesmo...

Aceitou a ideia.

Saímos do quarto depois. Não parecíamos mais dois estranhos depois daquela conversa, agora ele parecia à par de tudo. Conversamos mais, rimos, Marco e Louis não entenderam muito bem como começamos a nos falar, mas eu não liguei muito pro desconforto deles, pareciam nada felizes com a minha aproximação do “invasor”.

À noite, nos apresentamos, para o alívio de Carl. Foi ainda mais difícil me apresentar ali sem Bill, chorei durante uma ou três músicas, mas consegui que o choro não me atrapalhasse á cantar.

Com um tempo, Marco e Louis também começaram á amolecer em relação á Taylor, que foi lentamente conquistando seu espaço na banda e na casa. Logo, ele já era um de nós.