Rock Family

Capítulo 4-Procura-se baterista e aluguel dividido


Coloquei aquele anúncio no jornal fazia um tempo. O novo baterista, faria parte da banda e ocuparia o quarto de Bill no apartamento, dividindo igualmente as tarefas, o dinheiro, tudo como acontecia com nosso falecido amigo.

As ligações de Carl estavam cada vez mais constantes ameaçando nos tirar da programação do bar, o prazo até que arranjássemos outro baterista era de uma semana. Uma semana. Uma semana para substituir alguém que convivera conosco durante anos, não era justo.

Carl costumava ser um chefe compreensivo, gostava de nossa música, do dinheiro que ela lhe rendia e costumava ser flexível quanto á problemas sérios, como aquele, mas eu sabia que ele não tinha como sustentar a casa por mais de uma semana sem apresentações á noite. Era rigoroso quanto á competência, mas também não nos exigia o impossível. “Sinto muito pela perda de seu amigo, mas a casa está vazia, precisam arranjar outro baterista ou terei de cancelar o contrato.”, dizia.

Recebemos telefonemas de vários bateristas desempregados, todos com nomes desconhecidos, nenhum deles tinha a voz de Bill, o talento, a graça, o papo, nada. Nenhum deles era Bill, portanto ainda sentíamos embrulhos no estômago em ter de avaliar garotos que achavam que podiam ser ele, ou era aquilo que enxergávamos, todos eles tentando ser Bill, não seriam nunca.

Mas não pudemos fugir. Marcamos as entrevistas no apartamento, em horários diferentes para escolher o cara certo. Não podíamos contratar um preguiçoso pouco eficiente que não gosta de dar conta da casa, ou das responsabilidades, seria uma tarefa árdua.

Porque infelizmente, nosso tipo de música, rock, atraía pessoas de poucos compromissos com a vida e desleixados, mas ainda tínhamos esperanças, não são todos que não sabem apreciar com relutância a música, nós éramos prova disso.

Sentamos no sofá e então a campainha tocou. Eu daquela vez, me recusei de todo o jeito atender a porta, daquela vez, eu não iria mais segurar a barra por causa da sensibilidade emocional dos meninos, eles teriam de ver quem era. Não estava nem um pouco disposta em abrir a porta para um sujeito que com certeza não seria Bill. Não teria as mesmas qualidades, nem os mesmos defeitos, o mesmo jeito de andar, falar, de sorrir, nos fazer rir. Nada, nada seria igual e eu sabia disso.

Assisti depois de um tempo, Louis se levantar sem ânimo para atender a porta, eu e Marco aguardamos no sofá.

Então, ouvi a voz do sujeito falando com Louis, pediu licença e enfim, entrou pela porta.

Não me interessei em ver quem era, tive de fazer isso. Virei o rosto á contragosto para o rapaz que entrara. Olhei-o de cima abaixo.

- Taylor, certo?

Marco confirmou seu nome nos horários das entrevistas no papel. Olhei imersa na razão de avaliar seu rosto. Não era oriental com cabelos tingidos de verde como Bill. Era um rosto longo e oval, os olhos eram cor de mel, os cabelos eram louros-escuros, tinha um corte repicado na frente, os cabelos caíam espirrados na testa cobertos por uma touca estilo frouxa preta, o nariz era singelo, os lábios cheios e finos, sorriam de lado. A sua expressão tinha um ar de humildade misturada com soberania, fitou-me por uns instantes deitada no sofá, depois olhou para Marco e respondeu:

- Eu mesmo.

Sua aparência sugeria alguém inofensivo, calmo, sereno, mas no seu olhar, algo transmitia-me uma sensação avassaladora e cruel. Meus olhos desceram para seu corpo. Ele era forte, vestia uma roupa subjetiva, uma camiseta xadrez com um casaco jeans, calças jeans e tênis. Tinha um brinco de argola preto na orelha esquerda. Não podia negar de que notei o quanto sua aparência era formidável, mas naquele momento, não podia me distrair.

- Então Taylor, pode sentar.

Marco pediu-lhe num tom cansado. Ele não se sentiu desconfortável, jogou-se de pernas abertas relaxado na cadeira posta em frente ao sofá, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Louis lançou-me um olhar confuso, como se não tivesse gostado muito dele.

Eu ignorei, os garotos iriam levar para o lado sentimental, mas eu não podia ser assim, tinha que manter o profissionalismo e escolher alguém de talento e audácia, se dependesse deles, não escolheriam ninguém para manter o lugar de Bill dele para sempre.

- Bom, você sabe que o baterista que escolhermos vai dividir apartamento com a gente...?

Marco confirmou.

- Sei.

- Então por isso, a gente vai ter que fazer umas perguntas pessoais... Sua idade?

- 19 e meio.

- Da onde você é?

- Daqui mesmo.

- Mora atualmente com quem?

- Minha mãe.

- E quer se separar dela por que motivo?

- Tava na hora de eu fazer alguma coisa. Ela precisa de um tempo pra ela.

- E... Como você é nas horas vagas? O que você faz?

- Toco, leio, saio, jogo, converso, essas coisas.

- Tarefas domésticas podem ser inclusas no seu dia-a-dia?

- Claro. Eu não ligo em fazer umas coisas de vez em quando, desencana, eu não sou um inútil.

Estava sereno, não parecia ter medo da entrevista. Isso era bom, queríamos alguém seguro de si para tocar conosco.

- E você toca desde quando, o quê?

- Desde os sete anos, toco bateria, mas o meu melhor é a guitarra.

- Guitarra? Sabe que estamos procurando um baterista, certo?

- Sei, não me incomodo em ser o baterista.

- Então pode mostrar o que sabe?

Marco apontou-lhe a bateria de Bill posta ao lado da cadeira, em frente ao corredor. Ele assentiu e se levantou habilmente. Ver alguém que não fosse Bill sentar naquela bateria pela primeira vez e tocar, foi como um nocaute de emoções, controlamo-nos para não parecermos estranhos.

Tentei prestar atenção no seu jeito de tocar. Ele era bom, tocava sem dificuldade, com passos ritmados e estilo. Não pude evitar de ver Bill sentado ali, tocando como uma criança no parque. Ele adorava fazer aquilo, ser baterista, ria, jogava as baquetas pro alto, o mundo havia perdido um enorme talento natural.

Eu não pude ser levada pelas emoções naquele momento, tive de ser obrigatoriamente imparcial. Quando terminou de tocar. Dei minha opinião.

- Ótimo. – Disse. – Mas eu acho que você é um melhor guitarrista, não?

Ele parecia um pouco sem harmonia com o instrumento, conseguia ver que a sua alma não era aquela. Marco não concordou:

- Maria, estamos procurando um baterista.

Eu quis insistir, ele podia não ser o músico que procurávamos, mas seria difícil achar alguém que fosse bom no instrumento e organizado como ele dizia e parecia ser, também não queria perder meu tempo assistindo outros.

- Desencana, Marco. Vai buscar a guitarra.

Mandei. Ele soltou uma baforada chateada e voltou logo depois do corredor com a guitarra, o cabo ia pelo corredor até a sala de ensaio, onde estava o amplificador.

Taylor sorriu, pegou na guitarra, soberbo e depois, tocando nas cordas, mostrou um acorde intenso e rápido, ele era muito melhor na guitarra, parecia no lugar certo, tinha a felicidade de fazer o que gostava, o som era melhor, melodioso, harmônico e natural. Não podíamos perder a oportunidade de tê-lo na banda.

- Irado.

Louis admitiu. Taylor assentiu agradecendo. Marco pareceu ter gostado, mas ainda não sabia o que eu planejava.

- Sim, mas eu sou o guitarrista.

- Mas você toca muito bem bateria. Era o segundo melhor do que Bill.

Marco entendeu quando eu disse. Ele pareceu gostar da ideia, gostava muito de tocar bateria, e parecia ter ainda mais harmonia com o instrumento depois que Bill se foi, sentia-se mais perto dele.

- Eu posso ceder a guitarra para ele.

Marco aceitou, Taylor soltou um urro de felicidade.

- Ah, valeu cara! Não vai se arrepender.

Ele disse e depois colocou a guitarra no sofá, assistimos meio perdidos ele ir até a porta, depois voltar com umas malas. Parecia que ele já tinha vindo pronto pra mudança.

- Você já trouxe as malas?

Louis indagou-o abismado. Ele riu e depois respondeu num ar soberbo:

- É, digamos que eu sabia que iam me aceitar, então quis diminuir o trabalho.

Levou as malas para o quarto de Bill e de lá pudemos ouvir seu comentário:

- Quarto irado.

Marco deu de ombros, parecia cada vez mais desconfortável conviver com alguém que não era Bill.

Marco assistiu Taylor arrumar o quarto á seu gosto. Tentava não se incomodar quando ele arrancava alguns pôsteres de bandas que Bill tinha nas paredes do quarto e ir até a cozinha jogar no lixo, parecia tudo uma invasão para Marco, como jogar as coisas de seu amigo fora como se não fosse nada, podia ver o quanto odiava ter de fazer aquilo cada vez mais claro em seus olhos. Louis também não se mostrava feliz, mas parecia mais conformado que antes.

Só sobrara eu, com minha racionalidade ás vezes inconveniente, para tentar ver tudo aquilo como um sacrifício profissional. Mas, mais tarde, quando Taylor já parecia estar no fim da arrumação, Marco nos levou com muita insistência até a porta do quarto de Taylor, dizendo ter que falar com ele e que precisava que estivéssemos presentes.

Senti-me ridícula quando Taylor abriu a porta do quarto de deparou-se conosco ali, Louis e Marco encarando-o e só eu parecia desconfortável com aquilo, sabia que o que Marco tinha á dizer, seja lá o que fosse, estava longe de ser importante. Era só uma forma de mostrar o quanto o odiava, mascarado em algo que ele dizia ser responsabilidade dizer, sabia disso, conhecia bem Marco.

- Posso ajudar?

Taylor perguntou rindo. Marco e Louis permaneceram sérios.

- Temos umas coisas pra dizer, as três regras fundamentais da casa.

Marco disse-lhe num tom superior. Eu suspirei e fitei o chão envergonhada com aquela inconveniência.

- Tudo bem.

Cedeu os ouvidos.

- Primeiro, não pode trazer ninguém desconhecido ou fora da nossa aprovação para cá. Segundo, tem de cumprir as tarefas domésticas e contribuir financeiramente também e terceiro, A Maria é a única garota da banda e merece respeito, se eu souber que está a vigiando pela fechadura ou algo parecido, arranco sua cabeça.

- Marco!

Reivindiquei imediatamente, fuzilando-o com os olhos. Enrubesci diante de Taylor, que tentou prender o riso.

- O que foi? To tentando te proteger.

Marco defendeu-se, eu suspirei de cansaço. Taylor assentiu a tudo ainda dando risada. Empurrei-os pelo corredor para que fôssemos almoçar e aproveitar para tentar entrosar Taylor:

- Esquece o que eles disseram, vem almoçar.

Ele riu e nos seguiu.

Era difícil tentar esquecer Bill e aceitar Taylor quando Marco e Louis pareciam completamente hostis á isso. Taylor não parecia ligar, não parecia esperar nada de nós, só uma chance numa banda.

Nós pedimos comida pelo telefone e ele comeu no sofá enquanto ficamos na mesa. Observei-o um tanto. Parecia um pouco ingênuo em meio de tanta soberba, ria com um tom infantil dos programas da televisão e tinha uma olhar alheio de vez em quando. Enfim, aquela noite, não consegui entrosar ninguém.