Violet não foi a única que quis renovar o guarda-roupa. Antes, a Srta. Beauregarde era uma mãe neurótica e narcisista que projetava os sonhos na filha e suas roupas refletiam isso. Porém, agora que ela queria ser uma mãe responsável, precisava de vestimentas com um ar mais sério. Quando foi para a entrevista com o psicólogo, estava usando terninho e uma maquiagem bem mais leve do que as que costumava usar. Só que o terninho era rosa. Um rosa bem chamativo! Mesmo tentando, Scarlett não conseguia deixar seu estilo "cheguei" totalmente de lado...

Apesar disso, estava nervosa e muito sem graça quando chegou no consultório do Dr. River, o psicólogo que iria tratar de sua filha. O pior de tudo, é que ela sabia que ele estava percebendo, afinal, ele era um psicólogo, não tinha nem como ela disfarçar a maneira como se sentia...

— Oi, bom dia, Srta. Beauregarde! Tudo bem? — Ele cumprimentou, sorrindo.

O doutor era um homem negro de aproximadamente 40 anos (mas que parecia bem mais jovem) e muito simpático.

— Bom dia! — Ela respondeu, apertando a mão dele.

— Pode se sentar, fica à vontade!

Ela se sentou na poltrona mais alta que encontrou. O consultório era para crianças, então era tudo bem colorido, temático e pequeno. Era bem evidente que ela estava achando a situação muito estranha, mas não era exatamente o cenário o problema e, sim, a conversa que eles teriam. Tentando deixá-la mais à vontade, o doutor resolveu dizer:

— Bom, já devo adiantar que eu conheço um pouco você e a sua filha.

— Sério? A Maggie falou da gente? — Maggie era a irmã de Julie.

— Não — o doutor respondeu, rindo. — É que eu me lembro de ter visto vocês na TV. A Violet foi uma das crianças que ganharam um convite dourado dos chocolates Wonka, não foi?

— Ah... Nesse caso, você já deve imaginar que tipo de mãe eu fui... por muito tempo...

— A senhorita se importa de falar mais sobre isso?

Ela se importava, sim, mas não tinha outra saída, né? Então resolveu começar pelo começo: contando sobre sua gravidez não planejada no último semestre da faculdade. Seu namorado na época não quis assumir a criança porque tinha coisas mais importantes para fazer: tinha acabado de conseguir entrar em Harvard pra fazer especialização em Direito e não podia perder essa oportunidade cuidando de bebê. Sendo assim, os pais de Scarlett ajudaram-na a cuidar de Violet nos primeiros anos, porém a mãe e a avó da menina tinham opiniões diferentes sobre tudo e viviam discutindo, até que Scarlett, que já tinha seu próprio dinheiro guardado das competições de giro com bastão, de concursos de beleza e da empresa pra qual trabalhou por um tempo depois que Violet nasceu, acabou se mudando porque não suportava mais a mãe e sabia que esta também não a suportava.

Violet tinha 2 anos quando foram para a cidade de Atlanta e já começou a praticar esportes nessa época. Aos 3 anos, participou das primeiras competições. Ao longo dos anos ela também fez vários cursos aleatórios, como de desenho ou de dança; basicamente, se Scarlett via que a filha tinha algum talento, colocava a menina num curso pra ela se aprimorar e participar de ao menos uma competição daquilo.

Aos 7 anos, Violet começou a estudar na Crunchem Hall, uma escola de prestígio com uma educação de qualidade para que tivesse um futuro brilhante independente do que fosse fazer. Um tempo depois, Scarlett descobriu a existência de competições de mascar chicletes e, como Violet sempre tinha tido esse hábito, praticamente desde que aprendera a mastigar, a mãe resolveu incentivar ainda mais o vício da filha para que ela conseguisse bater o recorde mundial. Bom, ela acabou conseguindo, mas, atualmente, a Srta. Beauregarde se arrependia amargamente de ter permitido que isso acontecesse...

Enfim, chegou a competição mais famosa de todas, da qual o Dr. River já tinha falado: a da Fantástica Fábrica de Chocolate. Então Scarlett contou a coisa terrível que aconteceu, com um pouco de receio do doutor achar que ela era louca e estava inventando a história sobre a amora azul. Mas, felizmente, ele acreditou, já tinha lidado com outras crianças que tinham passado por situações bem estranhas antes. Então a mulher contou sobre a revolta de Violet quando decidiu mudar as coisas na vida delas a partir de então e disse que esse era o principal motivo para ter procurado ajuda profissional para a filha.

Essas informações foram mais do que o suficiente para o Dr. River ter uma noção do histórico e das possíveis questões de Violet a serem resolvidas, então puderam marcar a primeira consulta. Antes de Scarlett sair, no entanto, ele achou que devia recomendar que ela também fizesse terapia, afinal, estava passando por um momento difícil e de muitos questionamentos, seria bom também receber ajuda profissional. E isso ajudaria ainda mais na relação dela com Violet e com sua própria mãe. O doutor até recomendou alguns psicólogos da clínica que trabalhavam com adultos pra ela procurar.

A Srta. Beauregarde sorriu e disse que ia pensar, mas não ia coisa nenhuma. Ela achava que não precisava de terapia porque já havia reconhecido sozinha todos os seus erros, já tinha mudado. Quem precisava mudar agora era Violet. E quanto aos problemas com a avó da menina... bom, nesse caso, era a Sra. Rosette Beauregarde quem devia fazer terapia, não Scarlett.

***

Violet estava visivelmente chateada quando chegou para sua primeira consulta com o Dr. River. Mais uma vez, sua mãe havia tomado uma decisão sem considerar a opinião dela. Porém, quando a menina reparou no ambiente em que estava, sua expressão mudou um pouco. Fazia tempo que Violet não ia a um lugar que parecesse tão... divertido. Mas então se lembrou que o último lugar assim em que esteve foi a fábrica de Willy Wonka e parou de prestar atenção nos brinquedos, lembrando-se de que os adultos sempre tentavam manipular as crianças de algum jeito.

O doutor se apresentou e cumprimentou a menina alegremente, mas ela não respondeu nada, só continuou séria. Ele observou que a mochila dela parecia estar pesada (ela tinha acabado de voltar da escola, estava de mochila e uniforme) e disse que ela podia deixá-la em qualquer lugar da sala e se sentar em algum dos pufes ou poltronas que tinham lá. Violet jogou a mochila no chão agressivamente e, ainda de pé, crusou os braços. O doutor resolveu não insistir e perguntou:

— Você gostou dos brinquedos?

— Não. — Ela finalmente falou alguma coisa.

— Tem certeza? Eu tive a impressão de que você tava prestando atenção neles.

— Então a sua impressão tava errada.

— Talvez... Do que você gosta de brincar então?

— Eu não brinco.

— Por quê?

— Antes eu não tinha tempo e agora eu não tenho vontade.

— Entendi. Você não tinha tempo por causa das competições, né? — A menina ficou em silêncio e ele continuou: — E quando você não tinha tempo, do que você tinha vontade de brincar?

Ela o olhou com a testa franzida. Então ele ia ficar lá fazendo um monte de perguntas aleatórias? Ela não era obrigada a responder... E pra que ele queria saber do que ela gostava de brincar? Eu hein...

— Eu vou tentar adivinhar então — ele voltou a falar.

Violet revirou os olhos e finalmente se sentou, na mesma poltrona que sua mãe. Pelo jeito, o tempo que ficaria naquela sala ia parecer muito mais do que 1 hora...

— Deixa eu ver... Você tem cara de que gosta de brincar de... boneca.

— Fala sério! Só porque eu sou menina?

— Não, eu tava brincando. — Ele disse, rindo. — Você gosta de... faz-de-conta? Pega-pega? Esconde-esconde?...

— Você vai falar o nome de todas as brincadeiras que você conhece? Olha, é melhor não perder o seu tempo, porque eu não tô nem um pouco a fim de conversar! E nem de jogar aqueles jogos. — Disse ela, apontando para os jogos.

— Ah-há, eu sabia! Você prestou mesmo atenção nos jogos.

— Eu não prestei atenção, só vi que tem jogos aqui porque eu não sou cega.

— Bom, se você não quer conversar e também não quer jogar, não tem problema, a gente não precisa fazer essas coisas.

— Então o que a gente vai ficar fazendo esse tempo todo?

— O que você quer fazer?

— Nada.

— Então é isso: não vamos fazer nada.

O Dr. River parou de falar e Violet ficou muito confusa. Por mais que, no momento, estivesse odiando seguir ordens, não sabia bem o que fazer agora que um adulto a estava deixando fazer o que quisesse, ou melhor, não a estava obrigando a fazer o que ela não queria. A menina começou a ficar agoniada. Ficava balançando os pés rapidamente como costumava fazer nas aulas chatas da escola, mudava de posição na poltrona, ficava olhando pra lugares diferentes do consultório... Violet não suportava o tédio e com certeza não suportava ficar parada!

Olhou para a sua mochila, jogada no chão, lembrando-se de que havia chicletes dentro dela. A menina não estava mais mascando sempre o mesmo chiclete e escondendo atrás da orelha porque sabia que sua mãe ia perceber, mas não podia deixar de mascar de chiclete, precisava deles. Aliás, percebeu que estaria suportando infinitamente melhor esse momento se estivesse mascando um chiclete, eles a ajudavam a enganar o tédio. Ela podia se concentrar em fazer bolas enormes ao invés de ficar lá sem fazer nada...

— Quer alguma coisa da sua mochila? — Perguntou o doutor.

Violet respondeu que não, pois se ele soubesse dos chicletes, com certeza contaria à mãe dela. Enfim, a menina precisava fazer alguma coisa ou então ia acabar morrendo de tédio naquela sala. Olhou para o relógio em seu pulso e viu que só havia se passado 5 minutos desde a hora do início da sessão.

— Talvez eu queira jogar alguma coisa... — Ela disse, por fim.

O doutor sorriu e foi mostrar os jogos que tinha para ela escolher.

***

A competitividade de Violet ficou evidente em todos os jogos que eles jogaram. Ela levou cada um deles muito a sério e ganhou todos. O doutor ficou curioso pra saber qual seria a reação dela se perdesse algum, provavelmente não seria nada boa...

Apesar da menina ter se concentrado nos jogos, ele conseguiu conversar um pouco com ela em intervalos entre um jogo e outro. Violet acabou respondendo a pergunta sobre brincadeiras que ele havia feito. Disse que gostava de jogos de tabuleiro e tinha vários deles, mas só brincava quando seu avô a visitava. Por sua vez, quando ia na casa dos avós, ela gostava de jogar dominó com ele.

— Mas por que você só joga com o seu avô se você também tem jogos? — Perguntou o Dr. River.

— Bom, como eu já falei, eu não tinha muito tempo pra essas coisas. Além disso, a minha mãe não gosta muito desses jogos e eu não posso jogar sozinha, né? Ah, mas sabia que eu desenvolvi uma técnica pra jogar pingue-pongue sozinha quando a minha mãe não pudesse jogar comigo? A nossa mesa é dobrável, então eu deixava um lado pra cima, sacava a bolinha pra ele e ela voltava pra eu rebater, é bem legal!

— É legal mesmo! Mas não ia ser mais legal se você jogasse pingue-pongue e esses outros jogos com algum amigo? Uma criança da sua idade, por exemplo?

— Acontece que eu não tenho amigos.

— Por que não?

— Porque eu não preciso.

Nessa hora, Violet parou de falar e se concentrou no jogo seguinte. Um tempo depois, em outro intervalo entre jogos, ela disse:

— Ah, acabei de lembrar que tem um brinquedo na minha escola!

— Sério? Qual?

— Um trepa-trepa. Ele é bem grande!

A menina parecia um pouco animada falando sobre isso, então o doutor deduziu:

— E você gosta de brincar nele?

Ela afirmou com a cabeça e disse:

— É a única coisa que eu gosto naquela escola.

Scarlett não havia mencionado ao terapeuta que sua filha havia pedido para mudar de escola e muito menos contado sobre o Sufoco, história na qual não acreditou; apenas tinha falado sobre o campeonato do qual ela participou escondida falsificando sua assinatura e dito que ela andava sendo malcriada e mentirosa. Como ainda era a primeira sessão e Violet não era muito transparente em relação ao que sentia, o Dr. River achou que ela provavelmente não gostava da escola apenas por ser muito rígida, pelos deveres de casa e tudo mais. Ele não imaginava que tipo de coisa se passava na Crunchem Hall, então, no momento, sua maior preocupação era com fato de Violet não ter amigos, outro detalhe que não havia sido mencionado pela mãe da menina. Por isso, a pergunta que fez em seguida foi:

— Você não brinca com as outras crianças na escola?

— Ah... o trepa-trepa é muito grande e não é só meu, né? Então os outros também sobem lá... Antes eu era a única que conseguia chegar até a parte mais alta, mas agora outras crianças também conseguem, então nem isso eu tenho só pra mim mais! Pelo menos eu...

Ela ia dizer que ainda tinha seus esconderijos da diretora, mas não ia contar uma coisa dessas a um adulto, então começou a falar sobre o próximo jogo. O doutor até perguntou o que ela ia dizer antes, mas ela desviou do assunto e se concentrou só no jogo até a sessão acabar. O terapeuta concluiu que o fato de querer ser a melhor em tudo era o principal motivo pra Violet não conseguir fazer amizades. Ela via tudo na vida como uma competição, portanto, se seus colegas de escola não eram jurados que lhe dariam uma medalha, ela não se interessava por eles e, pior, ainda os via como concorrentes. Mas talvez não fosse só isso. O doutor tinha a impressão de que talvez ela também não confiasse nos outros, não tivesse coragem de se aproximar das pessoas, o que podia ter a ver com o fato de ter sido abandonada pelo pai... Aliás, o Dr. River também percebeu que Violet não confiava nele. Ele precisava conquistar a confiança dela ou senão a menina nunca se sentiria segura para lhe contar tudo o que se passava com ela e seria muito mais difícil pra ele ajudá-la a entender a si mesma e superar os seus problemas.

Outra conclusão a que o doutor chegou foi que todos os anos de pressão com as competições e talvez também a rigidez da escola haviam deixado a menina estressada demais para uma criança da idade dela, o que ele pôde ver pela maneira como ela agiu no início da sessão. Aquela menina precisava de lazer, precisava não se preocupar com as coisas. Ela teve uma vida tão ocupada quanto à de um adulto, não tinha tempo para ser criança e quase não sabia agir como uma. Mas ela era criança, e precisava viver a infância. Bem como precisava se relacionar melhor com outras crianças.

O trabalho com Violet Beauregarde não seria fácil, mas até que a primeira sessão foi bem melhor do que o esperado, pois a menina saiu bem mais tranquila do que quando entrara. Quando Scarlett perguntou à filha o que ela havia achado da terapia, se surpreendeu ao ouvir um:

— Não foi tão ruim quanto eu pensava...

Na verdade, essa era a coisa menos desinteressante que ela havia feito desde a competição de ginástica artística. Até que não ia ser ruim ir lá jogar alguns jogos uma vez por semana depois da aula, melhor do que estar com sua mãe ou na escola...