Revolting Child

Violetas São Azuis


Na segunda sessão de Violet, o Dr. River trouxe uma surpresa pra ela: um livro de colorir. Era um livrinho antiestresse cheio de flores pra ela pintar. A menina achou estranho, mas começou a colorir lá no consultório mesmo. E ficou falando sobre a época em que fazia curso de desenho quando tinha 6 anos e como era boa nisso. Mas, assim como não tinha mais vontade de brincar ultimamente, ela também não tinha vontade de desenhar.

O doutor achou que fosse demorar mais pra Violet começar a se sentir à vontade durante as sessões, então ficou impressionado ao ver que na segunda ela já estava bem mais tranquila e falando sem parar. O oposto de quando chegou para a primeira.

— Então além de esportes e jogos você gosta de arte? — Perguntou o doutor.

— Uhn-hum.

— Eu imagino que os uniformes dos seus colegas da escola sejam um pouco diferentes do seu.

Ela sorriu e respondeu:

— Eles não são tão criativos quanto eu! Mas não dá pra fazer muita coisa com o uniforme por causa das regras chatas da escola. As minhas outras roupas tão bem mais legais! A minha mãe diz que eu tô me vestindo que nem uma doida, mas eu não ligo, é melhor do que me vestir que nem ela...

— Então você se vestia igual à sua mãe e agora resolveu escolher as próprias roupas?

— Isso. Porque eu decidi que quero ser a Violet, não uma versão menor da Scarlett.

O doutor sorriu olhando para o livrinho florido e disse:

— Que coincidência você dizer isso agora!

— Por quê?

— Porque essa flor que você tá pintando de azul é justamente uma violeta. Sabia disso?

— Não — a menina respondeu, impressionada com a coincidência.

— As violetas representam lealdade, modéstia e pureza de sentimentos.

Violet teve que parar de pintar quando ouviu isso. Esses significados não tinham nada a ver com ela! Na verdade, eram o extremo oposto dela... Se Violet Beauregarde fosse uma flor, ela provavelmente seria um narciso. Confusa, a menina tentou retomar o que dizia antes:

— Acontece que eu não tava falando de flores, tava falando de mim. Eu quero ser eu, não a minha mãe. Ou a filha que ela quer que eu seja...

— E que tipo de filha você acha que ela quer que você seja?

— Uma filha que faz tudo o que ela quer sem ter direito de escolher. Eu não me importava de fazer o que ela queria antes porque eu gostava do jeito como as coisas eram, mas depois que ela mudou todas as regras... não dá mais!

— Você quer dizer depois que ela te proibiu de competir por causa do que aconteceu na Fantástica Fábrica de Chocolate?

— Isso.

— E o que foi que aconteceu lá?

— A minha mãe não já te contou?

— Já. Mas eu só conheço a versão dela da história. Queria ouvir a sua também... mas só se você quiser contar.

Violet gostou de ouvir isso. Ela não achava que "a versão dela da história" faria diferença pra um adulto. Sentiu que estava sendo levada a sério, então resolveu contar na hora.

— Deve ter sido muito assustador! — Exclamou o doutor quando a menina chegou na parte dos efeitos colaterais da torta de amora azul.

— Foi horrível, né? No começo parecia uma alergia estranha e depois eu comecei a inchar, inchar...

— E como você se sentiu?

— Inchada. E azul.

— Não foi bem isso que eu perguntei... Você tava assim por fora, mas e por dentro, como você se sentiu?

Violet ficou calada como se não estivesse entendendo a pergunta. O único sentimento que expressava bem e não ficava nem um pouco desconfortável em falar a respeito era a raiva.

— Você ficou assustada? — Ele voltou a perguntar. — Porque eu acho que, no seu lugar, eu ficaria. Eu ia morrer de medo, ia começar a chorar, gritar...

— Eu não fiz nada disso! Quer dizer... eu até posso ter gritado... mas eu não chorei! Pode perguntar pra minha mãe ou pra qualquer outra pessoa que tava lá. E tinha um monte de gente lá porque, além do Sr. Wonka e dos outros convidados, tinham aqueles Umpa-Lumpas irritantes que não paravam de cantar, e alguns deles ficavam andando em cima de mim e me rolando, foi bem desconfortável! Ah, eu acho que é isso, foi assim que eu me senti: desconfortável. E enjoada também... Essa resposta tá boa pro senhor?

É claro que além de desconfortável e enjoada ela tinha ficado bem assustada. Na verdade, tinha ficado assustada desde que o imponente barco cor-de-rosa começou a atravessar um monte túneis escuros pelo rio de chocolate sem que ela pudesse saber pra onde estava indo... Mas Violet tinha uma enorme dificuldade em admitir quando sentia qualquer coisa que a fizesse parecer fraca, então não fez nenhuma menção à palavra "medo". Pelo menos admitiu que tinha gritado, já era um avanço...

Depois, para descrever sua experiência sendo espremida na Sala dos Sucos, a menina usou a palavra "sufocante".

— Mas depois que acabou, depois que todo o suco saiu e eu voltei a ser pequena e me sequei... eu me senti bem. Eu me senti muito bem, na verdade! Eu podia respirar de novo. E também fazer um monte de acrobacias porque eu tava bem flexível! Eu tava livre.

O doutor, muito impressionado com tudo que ouviu, disse:

— Que bom que você conseguiu se sentir bem depois de tudo!

— É. — Ela concordou.

Depois de contar sobre a fábrica, Violet contou tudo o que aconteceu entre ela e a mãe depois que voltaram. Falou, inclusive, que tinha deixado de ficar com raiva dela e cogitado seguir as novas regras mas mudou de ideia porque quis mudar de escola e a mãe não concordou. Mas não contou sobre o Sufoco. Violet sentiu que o Dr. River parecia estar levando ela a sério, mas se contasse sobre isso, ele provavelmente a diagnosticaria com algum problema mental ou só pensaria que ela era uma mentirosa, assim como sua mãe pensava.

Enfim, Violet estava muito confusa com todas as mudanças em sua vida após a visita à Fantástica Fábrica de Chocolate e tudo o que dizia parecia contraditório, justamente porque ela não sabia exatamente o que queria depois de tudo o que aconteceu apesar de achar que soubesse. Às vezes, quando falava, parecia que queria que sua vida voltasse a ser como era antes, por outro lado, não queria mais se parecer com a mãe, que era quem controlava sua vida antiga; além de não querer mais estudar numa escola que provavelmente a fazia se esforçar tanto quanto as competições de que sentia falta.

— Violet, você falou muito sobre saber o que quer e quem você quer ser — disse ele, por fim —, mas você já parou pra pensar no porquê de você querer essas coisas?

— Claro! Eu quero ser uma atleta profissional quando eu crescer, uma campeã olímpica, por isso não posso parar de competir.

— Entendi. E em qual esporte você quer competir?

— Todos. Eu pretendo ganhar pelo menos uma medalha de ouro em cada esporte. Quer dizer, só nos individuais, porque senão eu vou ter que depender de outras pessoas pra poder ganhar e isso tá fora de cogitação! Ah, e eu também nunca, na minha vida, vou competir no lançamento de martelo!

— Por quê?

— Porque a diretora horrível da minha escola foi campeã nesse esporte e eu não quero ter isso em comum com ela, credo! Ah, falando nisso, é por causa dela que eu quero mudar de escola.

— Você não acha que fica muito pesado fazer tantos esportes assim? Será que não seria melhor escolher um só?

— Mas aí ia ser igual a qualquer outro atleta, não, eu tenho que me destacar, tenho que ser a melhor!

— Mas ninguém pode ser o melhor em tudo, Violet. Cada pessoa tem o seu talento.

— Mas eu não sou igual às outras pessoas. A minha mãe diz... quer dizer, dizia... que eu sou... era... especial.

De repente, ela ficou com uma expressão triste. Sua mãe nunca mais tinha dito que ela era especial ou que ela era um milagre como costumava dizer antes... Agora, Violet só era considerada uma criança revoltante. Antes que o doutor pudesse dizer mais alguma coisa, acabou o tempo da sessão. Ele perguntou se Violet queria ficar com o livro das flores e ela assentiu. Mas ele não pôde deixá-la sair sem antes dizer que tinha certeza de que a mãe da menina ainda a achava especial, que deixar as competições não mudava isso. Mas Violet não acreditou nele.

***

O Dr. River estava sempre atualizando Scarlett sobre as impressões que tinha a respeito de Violet ao longo das sessões, bem como dando conselhos sobre como a mãe deveria proceder com a menina. Porém, nem sempre a mulher seguia esses conselhos. Na maioria das vezes porque não conseguia, mesmo. Por exemplo, o doutor mencionou a importância de Violet se aproximar de outras crianças, mas só havia uma família com crianças da idade próxima à dela na vizinhança e essa família havia se mudado há algumas semanas. E as poucas amigas de Scarlett que tinham filhos só tinham bebês.

O jeito era Violet fazer amizade com os colegas da escola, mas, como a escola era muito longe, todos eles moravam longe também. Mas ainda havia uma solução: convidar alguma criança pra passar um fim de semana na casa delas. Vai que dava certo, né?

— Pra que isso? — A menina perguntou com uma cara de desprezo quando a mãe sugeriu a ideia.

— Pra vocês brincarem, ué. Por que a gente não chama aquela menina de quem você fala às vezes? Como é o nome dela mesmo? Cordelia...

— A Cornelia Prinzmetal? De jeito nenhum! Ela é uma chata da 6ª série que fica pegando no meu pé porque acha que manda em alguma coisa na escola. Você ia saber disso se prestasse mais atenção no que eu falo!

— Tá, e na sua sala? Não tem ninguém que você ache legal?

Pela cara que ela fez, não, não tinha. Violet achou ridícula essa ideia de chamar alguém pra brincar e sua mãe acabou não insistindo. Como também não tinha amizade com os pais dos colegas de Violet, achou que seria estranho ir atrás deles apenas com esse propósito, então desistiu de tentar fazer a filha socializar com outras crianças.

Outro conselho que Scarlett recebeu do doutor foi sobre a questão do lazer. Ele achava que seria bom ela sair pra passear com a filha de vez em quando, mas a mãe de Violet achou que, pra fazer isso, a menina teria que merecer. Só se ela começasse a se comportar melhor elas sairiam pra passear.

Por fim, ela foi aconselhada a conversar mais com a filha. O doutor percebeu que, se tivesse uma boa relação com a mãe, metade dos problemas da menina estariam resolvidos, pois os conflitos com ela eram a principal causa de seu atual comportamento. E Scarlett sabia disso e estava se esforçando muito para seguir esse conselho em particular, mas era tão difícil! Sempre que elas conversavam, acabava em briga. Violet achava que tudo o que sua mãe falava era com o objetivo de deixá-la mal e Scarlett pensava a mesma coisa da filha.

Nesse caso, o melhor era ficar em silêncio, mesmo. E ficava uma paz quando elas não se falavam... O livrinho das flores estava ajudando nisso. Violet estava ficando mais calma, passava todo o seu tempo livre pintando flores. Parecia a Alice no País das Maravilhas. Até que chegou um momento que sua mãe achou que já dava pra tentar se reaproximar dela. Pensou em levá-la em algum fim de semana no Centennial Olympic Park, um parque público da cidade de Atlanta, que era o preferido de Violet. Mas não ia dizer nada antes, vai que a menina se comportava bem só por causa do passeio? Não, ela ia continuar avaliando seu comportamento até a hora de ir.

Na manhã do domingo que Scarlett escolheu para o passeio, ela resolveu ler o jornal enquanto tomavam o café da manhã e se deparou com uma notícia que a fez se sentir muito bem. O jornal dizia que os novos doces de Willy Wonka não estavam vendendo bem, a qualidade deles havia caído consideravelmente. Era a primeira vez que a mulher ficava realmente feliz com alguma coisa desde o dia fatídico em que havia posto os pés naquela fábrica.

— Que bom que ele está tendo o que merece! — Disse.

— Quem? — Violet perguntou, alheia ao que sua mãe falava.

A mais velha mostrou o jornal à filha, que, depois de pensar um pouco, perguntou:

— Você acha que ele merece isso pelo que aconteceu comigo e com as outras crianças ou pelos foras que ele te deu?

Scarlett ficou indignada com o comentário da filha, principalmente porque ela sorria sarcasticamente, o que significava que havia dito isso apenas para provocá-la. Era impressionante como sua filha, antes tão obediente, não tinha o mínimo respeito por ela depois da visita àquela fábrica estúpida.

— ISSO É JEITO DE FALAR COM A SUA MÃE?

— Ué, eu não disse nada de mais... só o que eu vi. Você vai me colocar de castigo por falar a verdade?

— Fique sabendo, mocinha, que eu sempre vou odiar qualquer pessoa que já fez mal à minha filha, por isso eu desejo tudo de pior pro Willy Wonka e pra fábrica dele!

Scarlett achou que isso finalmente tinha calado sua filha, mas, chocando ainda mais a mãe, ela disse:

— Entendi... Então você também deseja isso pra si mesma?

— Como é?! — A Srta. Beauregarde não estava acreditando no que estava ouvindo. Desejou muito que tivesse entendido errado!

— Acontece que você também já me fez mal. Bem mais do que ele...

— JÁ PRO SEU QUARTO!

Violet deu de ombros e foi pro quarto pintar. Ela não tinha nada mais interessante pra fazer, mesmo... Com isso, o passeio estava oficialmente cancelado, era impossível Scarlett deixar que aquela menina tivesse qualquer tipo de diversão naquele dia! Pelo jeito, nem a terapia estava funcionando... Era o que a mãe pensava.

Mas Violet estava, sim, evoluindo como pessoa. No consultório, ela conseguia se abrir sobre alguns de seus sentimentos e refletir sobre suas ações. Até estava começando a parar de mascar chiclete escondida. Ela tinha confessado que fazia isso e o doutor disse que não era bom pra saúde mascar chiclete o tempo todo. Mas é claro que não era isso que a tinha convencido a tentar parar, né? O que a convenceu foi o doutor perguntar se ela achava que conseguiria parar se tentasse. Então ela se sentiu desafiada e resolveu provar que ia parar. Estava sendo bem difícil, tinha dias em que simplesmente não conseguia resistir, mas estava se esforçando muito.

Porém, com as outras pessoas, Violet continuava agindo como antes. Ela não sabia ser de outro jeito com elas... O Dr. River sempre tentava incentivá-la a parar de brigar com a mãe, pensar nos outros e ter mais empatia, mas não tinha jeito. Outra coisa que Violet não conseguia era falar com o doutor sobre a escola. Quer dizer, ela dizia que odiava a diretora, que odiava as regras, às vezes falava mal da Cornelia... mas nunca dava detalhes sobre o que acontecia lá.

***

Depois que terminou de pintar todas as flores do livrinho, Violet decidiu desenhar suas próprias flores para pintar. Fez um desenho com várias violetas e outro com umas flores que tinham na floresta perto da escola. Ela foi pesquisar e descobriu que eram hortênsias. Coincidentemente, Hortensia era o nome do meio de Violet. Violet Hortensia Beauregarde. Não que se interessasse por esse tipo de coisa, mas acabou ficando curiosa pra saber qual seria o significado dessa flor...

A menina colocou o livro e seus novos desenhos na mochila da escola no dia primeira sessão que teria após tê-los terminado, já que ia de lá para o consultório. Estava doida pra mostrá-los ao doutor! Violet pintava tudo tão certinho e dentro das linhas, que quem visse aquele livro e aqueles desenhos nunca ia imaginar que pertenciam a uma garotinha rebelde que não gostava de regras.

— Oi, Violet! Tudo bem? — Cornelia a cumprimentou quando chegou na escola naquele dia.

— Por que tá sendo educada comigo? — Violet estranhou.

Ah, não! Será que sua mãe tinha retomado aquela ideia terrível de convidar a Cornelia pra casa delas? Será que tinha falado com os pais dela??? Isso seria um pesadelo!

— Ué, eu sempre sou educada. — Continuou a delegada. — Ei, você leu o jornal hoje?

— Eu não leio jornal, é coisa de gente velha.

— Ah, mas você devia ler esse. — Só então Violet percebeu que a menina tinha um jornal na mão. — A notícia da primeira página vai te interessar!

Cornelia entregou o jornal pra Violet com a mesma expressão que tinha quando foi falar com ela depois do dia do Sufoco. Quando viu qual era a referida notícia, a mais nova ficou alarmada e perguntou:

— Quem mais viu isso?!

— Todo mundo! — Cornelia respondeu, rindo.

Ah, não, aquilo era muito humilhante! O único jeito de não ter que encarar os outros colegas era matando aula. E foi o que Violet fez. Ficou em um dos seus esconderijos até chegar a hora de sua mãe buscá-la. Mas a verdade é que ela nem precisava ter feito isso, pois acontecia tanta coisa naquela escola, que logo os outros alunos esqueceram a notícia. A Dona Trunchbull pegou um menino da 2ª série comendo dois M&M's na aula e o atirou pela janela, então, no momento, só estavam todos preocupados em saber se ele estava bem. Até mesmo Cornelia, por mais que achasse que ele vacilou em inventar de comer esses M&M's. Por que era tão difícil esses pirralhos seguirem as regras?...