Depois que saiu da Fantástica Fábrica de Chocolate do Willy Wonka, Violet Beauregarde estava bem mais flexível, o que achava ótimo, pois isso lhe proporcionaria uma grande vantagem em vários esportes. A menina estava doida pra se inscrever em diversas competições e adquirir novos troféus para a sua coleção. Mas tinha um porém: ela estava azul. E, por mais que Violet não estivesse se importando, sua mãe estava horrorizada após os acontecimentos da fábrica. A princípio, a maior preocupação da mulher era saber como sua filha poderia continuar competindo se tinha virado uma amora, mas, após sentir a maior dor de sua vida ao vê-la ser espremida na Sala dos Sucos, teve uma epifania. E passou a repensar sobre a criação que tinha dado à filha até então.

Aquela menina tinha acabado de passar por um momento traumático e já estava pensando em mais competições?! Era só pra isso que ela vivia: ganhar. E é claro que não tinha culpa de ser assim, afinal, Scarlett Beauregarde, sua mãe, sempre a incentivara nesse estilo de vida doentio. A verdade é que, quando era jovem (ops, eu não posso dizer isso, ela ainda é jovem), enfim, antes de ficar grávida, ela também era uma campeã, mas teve que sossegar por causa da filha, o que não era um problema, pois Scarlett amava sua menininha e sabia que Violet poderia fazer tudo o que ela mesma não tinha podido fazer. Foi então que resolveu usar seu diploma em Publicidade para promover a filha e fechar contratos com seus antigos patrocinadores do giro com bastão para que patrocinassem a menina.

Mas agora percebia que isso não estava certo. Teria que dar um jeito de reparar todos os estragos que havia causado na filha. Para isso, teria que mudar drasticamente a maneira como a criava, começando por... Ah, não, não dava pra pensar direito com aquela menina azul dando mortais por todos os lados, tinha que levá-la num médico urgentemente pra saber se aqueles efeitos colaterais da torta de amora azul seriam permanentes! Ou será que era melhor ir a um dermatologista?... Que tipo de médico seria especialista pra tratar dessa maluquice???

Violet acabou sendo examinada por seu pediatra de sempre, mesmo. Sua estimativa era de que o efeito deveria passar em aproximadamente 2 semanas. Scarlett perguntou se ele recomendava algum medicamento que pudesse acelerar o processo, mas, infelizmente, ele não conhecia nenhum. Se a menina continuasse azul, a mãe poderia levá-la ao hospital novamente. Desanimada, a Srta. Beauregarde agradeceu pela ajuda.

Quando voltaram para casa, disse à filha que ligaria para a diretora de sua escola, avisando que ela estava doente e teria que faltar por duas semanas. Violet já estava feliz o suficiente com suas novas habilidades, mas agora que sabia que faltaria duas semanas de aula por causa delas, estava pulando de alegria. Ou melhor, dando saltos mortais de alegria. Ela faria tantas coisas legais nessas "férias"! Estava doida pra se inscrever em todos os campeonatos infantis que tivessem na cidade, principalmente os de ginástica!

Mas Scarlett disse "não". Não era só pra escola que ela não queria que a filha saísse, ela não poderia ir a lugar nenhum enquanto ainda estivesse azul. Será que não tinha percebido os olhares assustados das pessoas nos aeroportos e no avião quando voltavam da Fábrica de Chocolate ou os das pessoas do hospital???

Não, ela não tinha percebido. Ao contrário da mãe, Violet não ligava pra aparência. Todos achavam que as duas eram iguais em tudo porque estavam sempre vestidas com roupas iguais e tinham o corte de cabelo praticamente igual, mas isso era escolha de Scarlett. Violet só não fazia nenhuma objeção em relação ao seu visual justamente porque não ligava pra roupas. E também, gostava de se parecer com sua mãe porque admirava muito ela.

Até então, Violet também não tinha feito objeção a nenhuma das outras imposições de sua mãe, pois realmente gostava de competir e queria ser a melhor em tudo. Mas isso estava prestes a mudar. Scarlett decidiu que a filha estava proibida de participar de competições por, pelo menos, um ano. E também cancelaria sua matrícula das aulas de karatê, natação, ginástica e todos os outros esportes que ela fazia.

— O quê?! — Exclamou Violet. — Eu não vou poder praticar esportes? Você não se importa com a minha saúde???

— É claro que me importo, mas você ainda vai fazer exercícios na Educação Física da sua escola.

— Você não sabe como é a Educação Física na minha escola... — a menina respondeu num tom baixo e estranho, como se tivesse algo muito sombrio por trás de sua fala, mas a mãe não percebeu.

— E aqui em casa nós temos muitos equipamentos esportivos, você vai ficar bem — continuou. — Aliás, sua saúde vai ficar ainda melhor do que antes porque você também está proibida de comer besteira!

— Mas e os doces que eu ganhei da fábrica do Sr. Wonka? Tinha um caminhão enorme pra mim com doces pra vida toda!

— Você acha mesmo que depois do que aquele chiclete fez com você eu vou te deixar comer alguma coisa que venha daquela fábrica??? Nem pensar! Os docinhos que você ganhou continuam lá na Inglaterra e aqui você também não vai comer mais nenhuma porcaria! Eu vou marcar uma consulta com a nutricionista e agora você vai ter uma alimentação saudável e balanceada. Ah, e o mais importante: vai parar de mascar chiclete!

Ah, não, agora ela foi longe demais! Como assim parar de mascar chiclete??? Ela tinha passado três meses mascando o mesmo chiclete pra depois jogar fora assim sem mais nem menos? Violet protestou muito, mas sua mãe a fez jogar o chiclete fora. Se não jogasse, ela mesma tiraria de trás da orelha da menina enquanto ela estivesse dormindo.

Depois de cuspir o chiclete, Violet lançou um olhar ameaçador para a mãe. Ela conhecia bem aquele olhar, era como a menina costumava olhar para seus concorrentes mais fortes. Mas nunca tinha olhado pra mãe daquele jeito... Por um segundo, a mulher até pensou em voltar atrás com suas novas exigências, não queria que a filha a visse como uma inimiga... Mas ela não podia voltar atrás. Queria que Violet se tornasse uma pessoa melhor e, para que isso acontecesse, era essencial que ela abandonasse os velhos hábitos.

***

— VIOLET BEAUREGARDE, DESÇA AQUI AGORA! — Scarlett berrou, depois de receber um telefonema inusitado.

Violet, que estava em seu quarto polindo seu mais novo troféu, atendeu ao pedido da mãe e desceu as escadas. Tinha se passado uma semana desde a visita à Fábrica de Chocolate e o azul da pele da menina, que apareceu na sala de estar, já estava se desbotando.

Furiosa, Scarlett continuou:

— Você pode me explicar por que eu acabei de receber uma ligação de um dos membros do comitê organizador de uma competição de trave de equilíbrio de ginástica artística, que eu nem sabia que tinha acontecido, te acusando de ganhar o primeiro lugar injustamente por uso de doping???

— Com certeza porque eles são muito injustos! Eu não usei nenhuma substância ilícita, só tava com os efeitos colaterais do chiclete refeição, mas não tinha nenhuma cláusula contra chicletes no regulamento da competição...

— Violet, que competição foi essa? Por que eu não sabia disso? Como você participou? Quando???

— Sabe antes de ontem, quando você passou a tarde toda no salão? Eu dei muita sorte, porque foi exatamente na hora da competição, então não foi difícil ir sem você perceber — ela tinha um sorriso vitorioso no rosto, como se tivesse conseguido derrotar a mãe numa competição.

— E quem assinou os documentos pra você participar??? — Scarlett ficava cada vez mais indignada.

— Bom, as assinaturas eram suas. Ninguém nem desconfiou...

— Você falsificou a minha assinatura?!

— Era o único jeito, você não ia me deixar participar! Mas eu ganhei o troféu do primeiro lugar, não é só porque eu perdi o prêmio daquela fábrica idiota que eu sou uma perdedora!

Scarlett finalmente entendeu o porquê do comportamento rebelde da filha. Ela achava que estava proibida de participar das competições como uma espécie de punição por ter perdido o prêmio de Willy Wonka. Pensando bem, sua mãe devia ter explicado o porquê de suas imposições ao invés de só jogar tudo assim no ar...

Então Scarlett, agora mais paciente, chamou a filha pra se sentar no sofá e explicou tudo. Não tinha problema ela ter perdido o prêmio da fábrica, o problema era ter sido transformada numa amora azul gigante por conta de sua necessidade de ser a melhor em tudo.

— Eu achei que você não confiava mais no meu potencial... — Respondeu a menina.

— É claro que eu confio! Mas ganhar esse campeonato de ginástica não foi justo, primeiro porque você falsificou a minha assinatura pra entrar e, segundo, porque aquele chiclete te deu uma vantagem enorme sobre as outras competidoras! Você tem que dar esse troféu pra menina que ficou em segundo lugar.

— E se eu não quiser devolver? Fui eu que ganhei o troféu. Não foi o chiclete que executou aquela série na trave, fui eu, sozinha! — A menina se levantou e continuou: — Eu me esforcei muito, treinei a semana inteira pra isso! E tem mais: você não pode me proibir de competir!

A mãe de Violet também se levantou e voltou a falar num tom sério:

— É claro que posso, eu sou sua mãe!

— Isso não é justo! Eu gosto de esportes e de quebrar recordes, eu quero competir!

— Filha, você só acha que gosta dessas coisas porque eu te ensinei a ser assim.

— Isso não tem nada a ver! Eu sei muito do que eu gosto e o que eu quero!

— Você só tem 10 anos, não sabe o que quer! Agora me dá a porcaria desse troféu pra eu poder devolver pro comitê e esclarecer esse mal entendido?

Scarlett não tinha noção de como o que disse doeu na filha. Não a parte de devolver o troféu, mas essa coisa sobre ela não saber o que quer. Violet sempre tinha achado que sua mãe era diferente dos outros adultos, achava que ela a levava a sério, que a via como uma pessoa e não como um projetinho de gente que não entende nada que acontece a seu redor... E isso era grande parte do motivo pra ela ser uma menina tão confiante a ponto de lutar contra dois caras com o dobro de seu tamanho no karatê e ainda vencê-los. Porém, apesar de tudo, parecia que sua mãe era aquele tipo de pessoa que acha que "crianças devem ser vistas, mas não ouvidas"... ou que crianças são vermes, como dizia a diretora de sua escola.

Ah, mas Violet não ia deixar que sua mãe continuasse pensando assim! Ia mostrar que tinha, sim, vontade própria, que sua personalidade não tinha absolutamente nada a ver com a de Scarlett e que a mãe não tinha nenhum controle ou influência sobre ela!

***

Custou até que Scarlett conseguisse devolver o troféu do campeonato de ginástica pois Violet ficava escondendo ele em vários lugares diferentes para a mãe não achar. Aquela menina estava cada dia mais insuportável, o tempo todo inventava alguma coisa diferente pra irritar a mãe, que não via a hora de ela voltar pra escola e parar de importuná-la. Não adiantava colocá-la de castigo porque ela já estava sem sair de casa, então meio que já estava de castigo. Scarlett não sabia o que fazer com essa menina, só queria que ela fosse uma pessoa melhor, mas temia que ela ficasse ainda pior do que antes...

No último fim de semana antes de voltar pra escola, quando Violet já estava praticamente de volta à sua cor normal, Scarlett estava no quarto que usava como escritório em casa checando seus e-mails para ver se alguma das muitas empresas para as quais havia enviado seu currículo desde que cancelou o contrato com os patrocinadores de Violet havia lhe respondido. A menina, então, apareceu lá e a interrompeu, dizendo que queria continuar com o cabelo azul. Por um lado, Scarlett ficou aliviada, pois isso não chegava nem perto da maneira grosseira com a qual a menina a vinha tratando ultimamente, mas, por outro lado... cabelo azul??? Que coisa mais ridícula! E mais, como ela não queria apagar completamente de sua cabeça (literalmente) a situação terrível pela qual havia passado naquela fábrica???

— Por quê? — Foi só o que Scarlett disse.

— Eu gostei dele assim. — A menina respondeu e, em seguida, com os olhos semicerrados e um sorrisinho no rosto, disse: — Você odiou, né?

E as provocações voltaram. Porém, Scarlett estava cansada de brigar tanto com a filha, já tinha feito muito isso nos últimos dias, além disso, apesar de achar muito feio, proibir Violet de ter o cabelo azul não ajudaria nem um pouco no processo de tentar criar a filha melhor, não era como proibir as competições, por exemplo.

— Se você quer ter o cabelo azul, que seja...

— Tá vendo, mamãe? Eu gosto de uma coisa que você não gosta. Eu não sou igual a você!

Scarlett estava confusa. Nem se lembrava direito do que tinha dito no outro dia, mas que acabou sendo muito marcante para Violet.

— Não é só porque eu sou criança que eu não tenho opinião. — Continuou a menina. — Quando eu crescer, eu não quero ser nem um pouco parecida com você!

Scarlett desligou a tela do computador com o qual estava trabalhando e olhou para a filha. Sentiu que Violet estava prestes a dizer algo que a deixaria muito magoada, mas, mesmo assim, perguntou:

— Por que você tá dizendo isso?

— Porque agora eu sei que tipo de pessoa você é.

A mãe da menina deu um suspiro de raiva, mas continuou a perguntar:

— E que tipo de pessoa eu seria?

— Você é uma chata que quer controlar tudo e ninguém te suporta! — As palavras de Violet eram altas e furiosas. — Por isso você só tem amigas falsas e os seus namoros nunca duram mais que um dia! E eu aposto que também foi por isso que o meu pai foi embora!

Scarlett estava chocada. Nunca imaginou ouvir algo assim de sua própria filha. Se levantou, olhando furiosamente para Violet, que estava pronta para levar uma bronca daquelas. Porém, o que ouviu da voz firme da mãe foi:

— Você tem razão! Eu sou uma pessoa horrível e você tava ficando cada vez mais parecida comigo, por isso eu tive que mudar a maneira de te criar ou você ia acabar igual a mim!

Violet ficou sem palavras. Ficou mais assustada com o que ouviu do que teria ficado se levasse uma bronca. Porque uma bronca não a teria feito se sentir culpada pelo que disse, ela apenas obteria sucesso novamente em irritar a mãe. Mas vê-la concordar com tudo o que disse fez a menina ficar realmente arrependida. Principalmente por ter falado de seu pai... Elas nunca tocavam nesse assunto!

A menina se sentiu ainda pior quando percebeu que lágrimas estavam se formando nos olhos de sua mãe. Mas Violet não pediu desculpa. Era orgulhosa demais para voltar atrás, além disso, sua mãe disse que ela tinha razão, então ela não precisava pedir desculpas, né?... Saiu do quarto se sentindo péssima. Nunca tinha feito sua mãe chorar...

Nos dias que se seguiram, as duas não se falaram direito, apenas trocavam monossílabos. Violet não tentou mais irritá-la, apenas continuou com o cabelo azul, como havia dito. Sua mãe continuou achando ridículo, mas tentava não demonstrar. No dia em que a menina voltaria à escola, as duas passaram a viagem de carro toda num silêncio torturante. A escola Crunchem Hall, onde Violet estudava, era num lugar mais afastado da cidade, portanto, demorava pra chegar lá.

Quando finalmente chegaram, Scarlett desejou uma boa aula à filha, que, depois que saiu do carro, ficou se perguntando em que situação estava. Ela meio que tinha declarado uma guerra à mãe desde que esta lhe proibiu os esportes, as competições e os chicletes, mas não tinha ideia se tinha vencido ou não... Será que, se estava com o cabelo azul, que era com certeza contra a vontade da mãe, era sinal de que tinha ganhado? Ou sua mãe estava usando alguma estratégia pra, no final, acabar controlando sua vida de novo?

Violet percebeu que não podia baixar a guarda assim, tinha que achar um jeito de voltar às competições ou senão...

— AI! — Exclamou a menina ao ter seus pensamentos interrompidos por alguém que puxava seus cabelos azuis com muita força.

— Bem-vinda de volta, Beauregarde! — Disse a diretora Trunchbull com sua voz e seu olhar assustadores.