1

Após o acidente que as tinha levado até uma ilha deserta, Emily passou cerca de meia hora desembolando e soltando as cordas do paraquedas, enquanto que Victoria estava sentada na beira da praia se aquecendo com o sol.

Emily olhou para o céu. O sol não estava muito forte e pela brisa que vinha do mar, ela concluiu que quando anoitecesse ia esfriar bastante. Emily caminhou até a beira da praia, onde Victoria ainda estava sentada

__ Mais tarde a temperatura vai cair — disse Emily — Precisamos de um abrigo e de fogo.

— Desculpe, mas eu não trouxe minha barraca de camping nem meu isqueiro. — respondeu Victoria irônica como sempre

Emily respirou fundo

— Estou falando sério — disse Emily — Quando o sol se pôr a temperatura vai cair muito e vamos congelar.

Victoria ficou em silêncio

— Também precisamos encontrar água — continuou Emily

— Tem um oceano inteiro na sua frente — respondeu Victoria apontado para o mar

Emily estava tentando não perder a paciência

— Quero dizer água doce, não podemos beber a água do mar — disse Emily tentando entender como Victoria conseguia ser irônica até mesmo num momento delicado como aquele.

Emily olhou fixamente para Victoria

— Sei que essa não é uma situação agradável e que as diferenças entre nós são gritantes, mas se quisermos sair daqui com vida, vamos ter que trabalhar juntas

Apesar de não ser nada fácil, Victoria sabia que no fundo Emily tinha razão.

— Esta bem, o que quer que eu faça? — perguntou Victoria

Emily se alegrou ao ver que ela ia colaborar

— Estive olhando e tem umas árvores com galhos mais baixos ali. — Disse Emily apontando para a entrada da mata. — Vamos estender o paraquedas sobre os galhos e colocar umas folhas no chão.

Emily percebeu que Victoria não estava digerindo muito bem a ideia.

— Não será uma noite confortável — disse Emily — mas é melhor que dormir na areia.

Victoria se levantou e caminhou ao lado de Emily até as árvores. Emily forçou alguns galhos mais finos para baixo de modo que ficou fácil colocar o tecido do paraquedas sobre eles e amarra-los nos troncos.

— Nada mal. — disse Emily.

— Isso foi cansativo — disse Victoria se sentando em uma grande pedra que ficava perto das arvores.

Colocar o paraquedas nos galhos não tinha sido um trabalho difícil e Emily tinha feito a pior parte, mas Victoria não estava acostumada com trabalho pesado. Na verdade ela não estava acostumada com nenhum trabalho.

— Pegue algumas folhas para colocarmos no chão, enquanto eu cuido do fogo. — disse Emily apontando para algumas folhas de palmeira e outras arvores.

— Quer que eu suba nas árvores? — perguntou Victoria?

— Não — respondeu Emily — pegue as folhas que estão no chão ou nos galhos baixos

Victoria soltou um longo suspiro

— Verifique se as folhas não contem espinhos ou coisas do tipo — disse Emily que já estava colhendo alguns galhos secos.

Victoria foi até a entrada na mata e começou a pegar algumas folhas, sempre verificando se não havia nenhum inseto nelas.

— Não acredito que isso esta acontecendo. — sussurrou ela. — A essa hora eu devia estar em Los Angeles, num evento social, tomando champanhe e no entanto estou no meio do nada colhendo folhas.

2

Na mansão Grayson, Daniel entrou correndo e visivelmente perturbado. Conrad estava na sala com um homem de aparência muito séria.

— Pai. — gritou Daniel — Eu acabei de ouvir no noticiário que...

—Sim querido, já sabemos — disse Conrad abraçando o filho

— Mamãe e Emily — sussurrou Daniel com lágrimas nos olhos

— Já providenciei uma equipe de busca. — disse Conrad — Vamos encontra-las.

O homem que estava com Conrad se dirige a porta

— Faremos tudo o que for possível senhor Grayson. — disse ele antes de se retirar

Conrad se sentou no sofá ao lado de Daniel

— Acha que elas sobreviveram? — perguntou Daniel muito abalado

— Vamos ter fé que sim querido. — respondeu Conrad enquanto abraçava o filho.

3

Enquanto Victoria resmungava colhendo folhas, Emily conseguiu encontrar alguns galhos secos, e já estava tentando obter folgo. No treinamento que fez com Takeda, ela aprendeu diversas técnicas para conseguir fazer fogo com vários tipos de materiais diferentes, e ela esperava que todas aquelas lições fossem uteis agora.

O trabalho foi demorado e cansativo, Emily sentia seus braços latejarem, mas depois de um longo tempo ela finalmente conseguiu obter uma faísca. Rapidamente ela juntou todas às folhas secas que tinha obtido e tentou a todo custo manter a preciosa chama acesa. Em alguns minutos ela conseguiu uma linda fogueira.

Feliz por ter conseguido fogo, Emily caminhou até o abrigo para ver se Victoria tinha colocado as folhas de forma correta. Ao chegar, Emily deparou-se com Victoria sentada na pedra.

— Estou morta. — disse ela — Esse negocio de colher folhas é muito cansativo

Cansativo? — pensou Emily. Ela acabara de passar horas esfregando galhos ininterruptamente em busca de uma faísca de fogo, e Victoria diz que colher folhas é cansativo? A vontade de Emily era de dar uma boa resposta, mas ela achou que não valia a pena começar uma briga ali. Em vez disso, foi ver o abrigo.

Ao chegar ao abrigo, Emily encontrou as folhas dispostas de forma perfeita, porem percebeu que metade estava coberto com folhas num tom verde escuro, e que a outra metade era de folhas em verde claro, meio amarelado.

— O verde claro é o seu lado — Disse Victoria ainda sentada na pedra apreciando os raios do sol

Era bem típico de Victoria querer demarcar o território. Emily não se surpreendeu com aquilo e percebeu que a parte de folhas verde escuro era um pouco maior do que a outra parte. A situação era tão ridícula que chegou a ser engraçado e Emily levou na esportiva.

4

Ao cair da noite o frio aumentou drasticamente. Emily e Victoria se aqueceram em volta da fogueira.

— Estou com fome. — reclamou Victoria

— Eu também — concordou Emily — mas não encontrei nenhum planta comestível ou frutos por aqui

Emily já tinha andado pela praia e notou que havia vários coqueiros, mas infelizmente nenhum continha cocos. Talvez não fosse época, algum animal tivesse comido, ou simplesmente aquilo não era um coqueiro e sim uma palmeira. Emily não conhecia muito bem os vegetais, por isso não sabia diferencia-los.

— E o que vamos fazer? — perguntou Victoria

— Por hoje tudo o que temos que fazer é descansar. — respondeu Emily — Amanhã veremos o que acontece

Emily se levantou e seguiu para o abrigo que elas construíram. Victoria continuou sentada perto do fogo

— Não esqueça que o seu lado é o verde claro – disse Victoria

Emily soltou um sorriso enquanto seguia para o abrigo.

5

Victoria despertou com o sol batendo em seu rosto. Ela se levantou com cuidado, se alongando o máximo que conseguiu. Todos os ossos de seu corpo pareciam estalar, não fora uma noite agradável para nenhum das duas.

Victoria dormiu muito pouco, passou a maior parte da noite tentando observar, através luz da lua, se não tinha nenhum tipo de animal a rondando, e isso valia também para os insetos. Ela conseguiu adormecer quase que com o dia clareando e não fazia ideia de quanto tempo tinha dormido. Infelizmente nem ela nem Emily estavam usando relógio na hora do acidente.

Victoria caminhou para fora do abrigo, olhou em volta, mas não viu Emily. A fogueira ainda estava acesa e ela reparou que havia algumas pedras no fogo.

— Será que a Emily pensa que vou comer pedras no café na manhã? — pensou Victoria em voz alta.

Ela caminhou até a beira na praia e ficou olhando para o mar na esperança de ver algum tipo de embarcação. Nada. Ela não conseguiu avistar nada além do horizonte.

Victoria se virou e olhou para a ilha em que estavam. Não parecia ser um local muito grande, apesar de ter uma enorme montanha aos fundos, que ela não conseguia definir se ainda fazia parte da ilha. É nessa montanha que ela vira a fumaça do avião no dia anterior, e ainda se perguntava se o piloto teria tido tempo de saltar. Os pensamentos de Victoria foram, interrompidos com a voz da Emily

— Consegui água doce — disse Emily com uma expressão alegre

Emily caminhou até a fogueira carregando um recipiente que não passava do casco de um jabuti. Com a ajuda de alguns galhos, ela retirou as pedras que estavam no meio da fogueira e as colocou no casco que continha de uma água esverdeada. Imediatamente a água começou a borbulhar como se fosse um pequeno vulcão.

Victoria se aproximou tentando entender o que ela esta fazendo.

__ Essa é uma ótima técnica para ferver água quando não se tem um recipiente que possa ir ao fogo — respondeu Emily antes mesmo que Victoria perguntasse qualquer coisa

— Onde conseguiu a água? — perguntou Victoria, não estando muito confiante com a aparência do liquido

— Tem um pequeno lago mata à dentro — respondeu Emily

— E esse casco de tartaruga? Onde você conseguiu? — perguntou Victoria

— Não é de tartaruga. É de jabuti — explicou Emily retirando com cuidado as pedras de dentro do casco — eu o encontrei perto do lago. Provavelmente o jabuti foi morto por algum animal restando apenas o casco. Foi uma sorte

Emily assoprava e balançava o casco para esfriar a água. Victoria continuou olhando com desconfiança.

— Por que a água tem essa cor estranha e esse cheiro? — perguntou Victoria, tendo certeza de que não queria beber aquilo

— A cor se deve a proliferação de micro algas — explicou Emily — e o cheiro... bem o cheiro é porque provavelmente muitos animais entram no lago para beber água, se lavar, e até defecar

Victoria olhou para Emily como se pudesse mata-la com o olhar

— Defecar? — disse Victoria como se não acreditasse no que acabora de ouvir

— E você vai beber isso? — questionou ela

— Nós vamos — respondeu Emily se certificando que a água já tinha esfriado o suficiente para beber.

Emily segurou o casco e tomou um pouco da água. Podia não ser a água mais pura do mundo, mas ela sentiu o liquido percorrer todo o seu corpo e imediatamente pareceu que tinha recuperado suas forças.

— Não é tão ruim — disse Emily estendendo o casco para Victoria

— Nem em sonho eu vou beber isso — falou Victoria se recusando a pegar a água

Emily sabia que isso ia acontecer, e sabia que não ia ser fácil convencer Victoria a se hidratar, mas era preciso.

— A água esta limpa — disse Emily tentando fazer Victoria entender que precisa beber o liquido

— Ah não queridinha — respondeu Victoria com seu tradicional tom de deboche — Essa água esta imunda e eu não vou bebe-la.

Emily respirou fundo e depois soltou o ar lentamente.

— Ok ela não esta limpa — disse Emily — mas é segura. A água foi fervida e qualquer bactéria ou microrganismo que possa nos fazer mal esta completamente morto

— Então além de fezes de animais essa água tem bactérias mortas? — questionou Victoria — Agora mesmo é que eu não bebo.

Dito isso Victoria caminhou de volta para o abrigo que elas construíram, e sentou-se na sua parte, coberto por folhas verde escuras.

Emily respirou fundo e seguiu para o abrigo. Ela colocou o casco de jabuti, ainda com um pouco de água apoiado em uma pedra e sentou-se ao lado de Victoria.

— Você precisa se hidratar ou vai morrer — disse Emily num tom sério

— Não vou beber aquela água imunda — falou Victoria relutante — deve haver outra maneira

— Bom, você pode torcer para que chova. — respondeu Emily já perdendo a paciência.

Emily se levantou e pegou um galho que tinha encontrado quando fora procurar agua. Ela o apoiou numa pedra, e com uma pedra menor começou a raspa-lo, tentando formar uma ponta. Após alguns cansativos minutos depois ela achou que já estava bom. Pegou sua lança improvisada e seguiu para a entrada da mata.

Ao passar pelo abrigo, viu Victoria sentada

— Vou tentar encontrar alguma coisa para comermos — disse Emily caminhando para a mata

Victoria sentia sua cabeça latejar. Sua garganta estava seca e seus olhos doíam. Ela olhou para o lado e viu o casco com agua em cima da pedra. Por um momento ela refletiu sobre o que era pior: aguentar o desconforto causado pela sede, ou o nojo de beber aquela água.

Ela se levantou e caminhou até a pedra. Pegou o casco e levou-o a altura da boca, mas antes que pudesse beber, ela sentiu o cheiro da agua, que não era nada agradável.

— Que nojo — exclamou Victoria soltando o casco e deixando toda a agua cair.

Ela caminhou de volta para o abrigo e se deitou. Preferia morrer a deixar que aquela água imunda entrasse em seu corpo.

Enquanto caminhava na mata a procura de comida, Emily fechou os olhos e pediu a Deus que alguém viesse resgata-las logo. Ficar presa numa ilha já era uma situação complicada para qualquer pessoa, mas ficar presa numa ilha com Victoria Grayson era desgastante demais para qualquer mortal.