Revelados

Conto II - Inner demons


.

.

.

.

.

.

.

‘’A gente se perde nos demônios internos, milhares de vozes, de pensamentos.
Mas é só você relutando pra encarar a verdade, é a falta de coragem, é o poder do medo.

E não é por ser fraco, é por não saber o seu potencial.’’

(F1re)

(Demons - Imagens dragons)

POV JASPER

(9 anos atrás)

Os cheiros a minha volta queimam minha garganta. Eu já deveria estar acostumado com isso, a não me deixar ser tão atingido pela forma como os humanos presentes me afetam.

Mas não é isso que acontece.

Mesmo que não respire, que não der aos meus sentidos o cheiro de sangue. Mesmo assim, o simples fato de saber que estou cercado por eles me lembra que pode ter se passado décadas desde que abandonei o sangue humano como fonte de alimento, a falta dele ainda queimará em brasa minha garganta.

Somado isso ao fato de sentir o que todos que passam a minha volta sentem. São sentimentos demais, tudo me golpeia de forma crua e intensa.

Tento não pensar em nada disso enquanto caminho pela rua movimentada.

A pequena humana, Carly, passou a morar conosco tem quase um ano. No início ela era bem quieta e triste, se mantinha pensativa, estava sofrendo pelo que aconteceu, agora ela é mais espontânea e alegre. E, de uma forma surpreendente, se encaixou perfeitamente em meio a um clã de vampiros.

Todos lá gostam dela, de sua companhia, de seu carisma. Ela está coberta de cuidados por Rosalie e Alice que a vivem enfeitando-a com as mais diversas roupas femininas, como uma boneca. Emmett adora brincar com ela e Renesmee das brincadeiras mais estranhas e divertidas possíveis. Edward e Bella a levam junto da filha para onde for. Esme e Carlisle a tratam como uma filha querida. E eu...

Bom, eu me mantenho afastado.

O mais afastado e distante possível.

Tento não ficar perto dela dentro de casa. Evito passar muito tempo aonde ela esteja. Procuro manter distância de sua presença.

Isso porque da ultima vez que convivemos diretamente com um humano, eu fiz uma besteira tão grande que no fim minhas ações quase levou a morte de Edward.

Por pouco, muito pouco- por conta de uma gota de sangue- eu quase matei Bella. E isso fez com que ela e Edward se separassem e depois quase morrerem nas mãos dos Volturi.

Naquela época, passei os meses me culpando amargamente pelo descontrole por conta de tão pouco. Mas foi incontrolável. Bastou uma gota do sangue ser vista e sentida, daquele doce e tão delicioso sangue e tudo mais se escureceu. Eu só queria o sangue, não importando de quem fosse.

E eu me pergunto: E se não tivessem me parado? Se eu estivesse com Bella mais perto? Se estivesse com ela sozinha? Nada haveria para me parar e eu teria matado a companheira do homem que considero um irmão.

Então agora, com outra humana entre nós, tudo isso voltou a me amedrontar. É claro, há a diferença que Bella tinha um sangue extremamente doce e chamativo, já Carly é o completo oposto com um sangue tão fraco quanto o de Renesmee. Mas mesmo assim, ela é humana, muito mais fraca que uma Híbrida e suscetível a acidentes.

Céus, e se algo do tipo que aconteceu antes ocorrer novamente??

Eu sinto o amor que todos desenvolveram por ela e vice e versa nesse ano, ficariam arrasados se algo acontecer com ela.

Eu jamais me perdoaria se lhe machucasse.

Então sim, eu me mantenho longe, distante e afastado. Todos os advérbios possíveis que envolva não orbitar próximo de Carly.

Acho que ela percebe que há algo. As vezes sinto seu sentimento de dúvida pairando no ar quando passo por perto e ao lhe olhar ela está me seguindo com os olhos e o rostinho inclinado. Como se eu fosse uma incógnita.

Mas assim é melhor. A distância é algo seguro de que a mantém a salvo.

Só preciso me manter assim por mais uns anos, ela decidindo ou não se transformar não faz muita diferença pois os anos passam rápido.

Entretanto, hoje terá que ser uma grande exceção nesse acordo feito entre mim e meus demônios internos.

O restante do clã foram caçar ficando apenas Eu, Carlisle e Alice. Carly está em aula na escola de dança, Alice foi a um desfile de moda e o Carlisle estaria de plantão até meia hora atrás. Ele deveria buscar Carly quando saísse do hospital, mas houve um imprevisto e ficará mais horas no trabalho. O que me leva ao evento que desencadeou eu estar nesse momento chegando na porta da escola de dança, Carlisle me ligou pedindo para ir buscá-la pois não teria como sair.

Eu quis dizer não, inventar qualquer desculpa, mas não havia nada que soasse minimamente plausível para não acatar esse pedido tão simples.

Então engulo meu medo e penso que nada de perigoso pode acontecer em colocá-la no carro e dirigir até em casa. Chegando lá posso me trancar no quarto e vigiá-la pelo cheiro e audição.

Paro em frente ao portão aberto e logo vejo-a. Carly está distraída ao lado de uma professora na porta, seus longos cabelos escuros presos em duas tranças embutidas com apliques de mechas azuis feitos por Alice hoje cedo, um enfeite de flor que balançam as pétalas preso no lado esquerdo. Sua roupa de malha e saia rosa cobrem seu pequeno corpo. Ela balança um pé coberto pela sapatilha branca no chão de cimento enquanto sua mão é segurada pela professora.

Alguns alunos brincam no espaço enfrente ao prédio e suas vozes felizes ecooam pela rua.

A professora me ver e fala com Carly que vieram lhe buscar, ela olha em minha direção. Surpresa passa pelo seu rosto, depois olha em volta como se procurasse mais alguém. Obviamente não esperava me ver, ainda mais sozinho.

Ela abre um enorme sorriso e acena em minha direção. Enrugo o rosto, achei que não gostaria de ter sido eu pois mal falo com ela. Carly segura a mochila que a professora lhe entrega e se despede dela com um beijo no rosto.

Vira-se e vem em minha direção correndo e saltitando, as tranças balançando com os movimentos.

—Jasper! –diz feliz sorrindo, a mochila em sua mão quicando com seus pequenos pulos – É a primeira vez que veio me buscar!

Sou surpreendido com sua aparente alegria em me ver.

Um outro aluno no pátio passa correndo a sua frente e os dois se batem.

Eu vejo a cena em câmera lenta: O encontro, a separação de ambos para cada lado, o baque surdo do corpo de Carly de contra o chão. Poderia facilmente ter chegado nela e lhe segurando, sinceramente não teria me importado com a surpresa humana ao meu redor pela minha velocidade. Mas não consegui.

Porque no momento só pensei que eu estava certo: Algo aconteceria com ela sobre meus cuidados. E o medo disso me paralisou.

—Ai!

A reclamação dela me despertou. Rápido demais, já estou agachado ao seu lado onde está caída de joelhos. Ergo seu frágil corpo olhando-a no rosto, esperando sentir a dor que sente.

— Onde se machucou? Dói? O hospital não fica longe, vou te levar para Carlisle.

A súbita preocupação me engole e surpreendo-me. Ela rir enquanto lhe ponho de pé, achando graça de mim. Nega com a cabeça com um sorriso, o enfeite de flor deslocou e se sustenta por um fio de cabelo.

—Eu estou bem.

Seguro-a no ombro olhando-a nos olhos esperando que a dor que esconde seja mostrada através de meu dom. Mas só sinto surpresa e alegria vindo dela.

Carly espana a poeira de sua roupa, as pequenas asas da borboleta balançam ao lado de seu rosto. Ainda fico em alerta, atento a qualquer sentimento estranho vindo dela.

Subitamente ela para e arfa em surpresa, dar um passo para trás de mim e me encara. Culpa e receio lhe atingem.

Não são esses sentimentos que esperava vindo dela, mas me fazem segurá-la no ombro novamente.

—Não se preocupe, vou te levar para Carlisle!

Ela só me olha atenta com olhos arregalados, seu corpo paralisado em minhas mãos. Surpresa também lhe toma.

—Jasper, você não sente? –Pergunta em um fio de voz, pisco aturdido. –O sangue.

Carly aponta para o joelho. É quando vejo, sua meia calça rosa está rasgada e o joelho ralado. Poucas fileiras de sangue saem da ferida.

Apenas fico olhando para o pouco de vermelho que escorre timidamente entre os dois pequenos arranhões. Essa quantidade seria suficiente para eu ter enlouquecido.

Mas hoje não.

Estava tão envolvido com a queda de Carly, preocupado em ter se machucado, que não percebi o sangue. Pela primeira vez em toda minha vida de vampiro, eu não fui cegado pelo cheiro nem tomado pelo desespero de provar.

Sim, o aroma, mesmo fraco, somado a visão, ainda arranham minha garganta e escurecem meus olhos. Mas é só isso...Apenas isso.

É totalmente controlável.

Desperto-me e retiro um lenço do bolso e o amarro no seu pequeno joelho. Ergo as vistas para ela, Carly me encara esperando.

—Eu sabia que você em minha responsabilidade iria acontecer algo.

Inclina o rosto levemente e estreita os olhos.

—Você não vai avançar em mim.

Não era uma pergunta, mesmo assim nego com a cabeça deixando um pequeno sorriso sair de mim.

Céus, só o pensamento de a machucar me traz um enorme peso no peito.

—Mamãe disse que para você é mais difícil se controlar.

Carly sabia de toda verdade sobre nós, pouco a pouco, nesse um ano, Esme e Carlisle foi lhe explicando. Ela ainda só não sabe dos Volturi, mas sei que isso não mudará muito sua vida.

—Sim, para mim é mais complicado.

Ela abre um enorme sorriso, dois dentes pequenos faltando devido a troca de dentição a deixa ainda mais inocente.

—Você é o mais forte de todos, Jasper!

Enrugo o rosto e inclino a cabeça. Forte não é o adjetivo que uso para mim normalmente. Para falar a verdade, é bem o oposto disso.

—Porque pensa isso se sabe que para mim é mais difícil? Eu sou o mais fraco do clã nesse sentido.

Carly deixa o sorriso diminuir e quase sumir enquanto me encara, seus olhos castanhos me analisando.

—Não é verdade. –diz firme demais para uma garota de sete anos –Para você é mais difícil e mesmo assim consegue se controlar todo dia. Você tem mais dificuldades que todos e mesmo assim ainda está aqui. –Põe a mãozinha em meu peito olhando-me fundo –É preciso ser muito forte para enfrentar seus problemas.

Eu sempre me tive como um fraco. Alguém que não consegue ser como o restante do clã. A curva de diferença dos Cullen. Entretanto uma pequena humana com cabelos trançados me fez pensar que talvez não seja isso... talvez eu não seja fraco...

E uma nova primeira vez em minha trajetória de vampiro se mostra: Eu me sinto bem com minha fraqueza.

Um pequeno sorriso cresce em mim e ela o acompanha. Seguro em seu enfeite de flor e o prendo novamente no cabelo.

—Você ficou muito preocupado quando eu cair. –ela rir falando. –Sua cara ficou assim:

E então faz uma imitação minha arregalando os olhos e paralisando o rosto. Não tem como me manter sério, mesmo que tente.

—Eu gosto de você, Jasper. Você é muito legal.

—Mas nós quase nem nos falamos nesse último ano.

A frase soa triste em mim, e sei o motivo. Estranhamente não quero mais o acordo com meus demônios, não quero distância. Mas sei que é preciso. É seguro.

Carly dar de ombros.

—Tudo bem. Eu sei que se mantem longe porque tem medo de me machucar, não é?

—Esme lhe explicou isso?

—Não. –Sorrir novamente mostrando as janelinhas nos dentes –Eu percebi.

Bagunço levemente suas tranças.

—Garota experta.

—E você tem medo de me machucar porque também gosta de mim.

Novamente, não é uma pergunta. Ela afirmou.

Ela é experta até demais.

Penso olhando nos olhos humanos a minha frente.

Segundo a rotina de Carly, ela deve jantar logo e ir para cama cedo. Seria o tempo cronometrado de chegar em casa e fazer isso.

Mas não quero ir agora. Não quero ter que reavivar a distância nesse momento.

—Que tal sorvete?

Escuto-me perguntar. Carly ilumina o rosto.

—Sim!

Lança seus pequenos braços em mim. Sua súbita alegria é tudo a minha volta.

Não gosto de contato físico. Para mim é... estressante, para dizer o mínimo. Devido a sentir as emoções alheias, ter contato se torna difícil e quase insuportável. Mas com Carly...Eu gostei.

A pego no colo para que não force o joelho machucado e seguro no outro ombro sua mochila. Ela começa a falar quais sabores irá querer, mudando a escolha quando lembra de um sabor que goste mais.

O dia está se findando e as nuvens que cobrem o sol tornam-se cada vez mais escuras pela chegada da noite. Caminho vagarosamente com a pequena garota tagarela no colo, rindo levemente de sua conversa infantil.

Quando esse dia findar, o acordo com meus demônios será reafirmado e nossa distância retornará.

Porque é seguro. Porque é o melhor...

Entretanto nove anos se passaram desde esse dia e esse acordo jamais voltou. Eu não conseguir me afastar.

—______________________________________

(Demônios)

Quando os dias são frios

E as cartas todas se abaixam

E os santos que vemos

São todos feitos de ouro

Quando todos os seus sonhos falham

E aqueles que saudamos

São os piores de todos

E o sangue fica seco

Quero esconder a verdade

Quero abrigar você

Mas com a fera dentro

Não há onde nos escondermos

Não importa aquilo que criamos

Ainda somos feitos de ganância

Este é o meu fim

Quando você sentir o meu calor

Olhe nos meu olhos

É onde meus demônios se escondem

Não se aproxime muito

É escuro aqui dentro

É onde meus demônios se escondem

Dizem que é o que você faz

Eu digo que está nas mãos do destino

Está marcado na minha alma

Tenho que deixar você ir

Seus olhos, eles brilham tanto

Quero guardar a luz deles

Não posso fugir agora

A menos que você me mostre como