Revelados

Conto I - She use to be mine


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''Uma coisa interessante sobre a solidão:

Se você não se aproxima de ninguém,

Você não perde ninguém.''

(Hope)

(Itália, 889 D.C)

POV JANE

Dor. Fogo.

Há dor e fogo em todos os lugares. Sinto minha pele queimar, minhas veias arderem e cada célula minha serem exposta as chamas que consomem meu corpo.

Estou na fogueira, sendo queimada viva. Não importa o quanto eu grite, o quanto chore ou o implore, por favor, para me tirarem do fogo. Ninguém me ouve, ninguém me ajuda.

Uma hora tem que acabar. Uma hora irei morrer e então haverá a paz.

Mas não. Nunca acaba, nunca para, nunca termina. Talvez eu já esteja morta e fui para o inferno, pois essa é a única lógica que consigo ter em meio minha mente conturbada e confusa.

Apesar de estar de olhos abertos, não consigo enxergar devido minhas vistas embasas, a dor é muita e isso atrapalha meu celebro. Apenas consigo ver um teto branco e nada mais. Não há mais nada além de mim e da minha dor que me queima.

Já era para minha pele ter derretido devido ao forte fogo, mas não, ela está tão intacta como sempre foi.

-Por favor.- imploro com o único fôlego que consigo.- Por favor, me tire do fogo!

Mas não há ninguém. Estou sozinha.

Não há ninguém.

Lembro-me do rosto da minha mãe, de seus cabelos claros e os olhos azuis e bondosos.

‘’Não importa o que aconteça, eu sempre estarei do seu lado, minha linda.’’ Relembro de sua voz doce em meus ouvidos.

Lembro-me de seu rosto sofrido e cheios de lágrimas quando me amarram no tronco, ela estava desesperada e triste de uma forma que nunca vi. Meu pai ao seu lado era o espelho idêntico ao seu, os cabelos em um loiro tão claro que são quase branco davam mais destaque ao rosto em angustia. Essa foi a última ver que vi seus rostos.

Meu irmão. Alec também foi para a fogueira comigo, está ele sofrendo o mesmo que eu?

Eu me sinto tão só...Já deveria estar acostumada com isso, foi assim toda minha vida.

Então minha mente se lembra de algo. Não realmente vejo, mas a lembrança da sensação toma-me: Um sorriso que não me deixava me sentir sozinha... Mas não me vem nenhum rosto para compor a imagem.

A dor aumenta.

Grito alto. O fogo não acaba. Grito novamente. Nada muda.

Então, depois de um tempo infinito, meu coração bate uma batida forte e sofrida em meu peito e para. Silêncio. Não escuto barulho algum.

A queimação acaba.

Sinto-me confusa e perdida. E com sede, muita sede de algo, ao ponto de rosnar.

Abro meus olhos e me deparo em uma sala grande e branca, minha garganta arde querendo algo que não sei o que é. Ponho as mãos na cabeça em desespero e tenho vontade de gritar novamente.

Levanto-me correndo e acabo parando do outro lado da sala em apenas um segundo, isso me assusta. Ergo minhas mãos na altura dos olhos e vejo que minha pele está mais branca e sinto-me mais forte.

—Alec...-chamo meu irmão sentindo um mau pressentimento dentro de mim, olho para os lados e não encontro ninguém na sala grande.- Alec, onde você está?

Tento pensar direito, mas a sede em minha garganta aumenta a ponto de me curvar com a mão no meu pescoço. Sinto-me confusa, não sei onde estou, como cheguei aqui, como sobrevivi ao fogo e nem onde está meu irmão.

E quero sangue. Preciso de sangue.

Quero correr, sair desse lugar desconhecido o mais rápido possível. Corro para o lado de fora passando pela janela e paro olhando para floresta a minha frente. É noite e chove forte, olho para o céu e fecho os olhos deixando que as gotas de chuva molhem meu rosto.

—O que eu sou?- Pergunto para o céu.

Um cheiro doce e embriagante chega até mim e no mesmo momento me vejo cega, eu preciso desse alimento. Quero esse cheiro para mim pois sei que irá acabar com a dor em minha garganta.

Não penso, apenas corro em direção ao cheiro. Não demora muito e chego em um campo aberto. Vejo um rapaz de cabelos castanhos claros curvado sobre um corpo, sua boca em seu pescoço.

—Alec...- sussurro aliviada.

Mas a sede grita por mim novamente e o cheiro me embriaga antes que eu possa olhar no rosto de meu irmão. Vejo outras pessoas em mantos pretos espalhados pelo local, alguns estão na mesma posição que meu irmão e o restante apenas observa. Paro em frente há lugar onde pessoas da minha vila estão amarradas chorando.

O cheiro me cega e mordo o primeiro pescoço que vejo, o sangue quente desce em minha garganta e diminui um pouco a irritação. Mas acaba muito rápido e então passo para a próxima vítima. Depois outra e mais outra. Não me importo com quantos pescoços vou ter que morder, só me importo com a sede em minha garganta.

Quando termino com o quinto, viro-me rapidamente para a pilha de corpos mortos para jogar o que está em minhas mãos quando um sinal de nascença em um braço de um dos corpos me faz parar. Eu reconheço aquele sinal, havia tocado nele tantas vezes durante minha vida que jamais vou esquecer. Sempre achei engraçado sua forma de folha e lembro-me de ter desejado ter esse mesmo sinal.

—Mãe...- sussurro para o braço.

Viro-me depressa e seguro em sua mão que agora parece tão frágil entre meus dedos. O restante de seu corpo está escondido debaixo de outros.

—Mãe?- Pergunto surpresa e com alegria.

Empurro rapidamente os corpos que estão sobre o seu e vejo que seu rosto estar de lado. Toco em sua fase e sorrio.

—Mãe, eu estava com medo de nunca mais te vez.- falo e viro seu rosto para mim.- Onde você est...

Minha fala fica na garganta, sinto meu corpo travar e a mão que a segura virar estátua. Ela está com o rosto congelado em uma expressão horrível de terror e medo, como se tivesse visto um fantasma. Sua pele está totalmente branca e um pouco de sangue escorre de sua cabeça onde parece ter recebido uma pancada, e em seu pescoço também ainda escorre sangue.

Fico assustada e arfo. Tento me levantar mas apenas consigo empurrar meu corpo que está sentado um pouco para trás, ponho uma mão na boca tentando não chorar. Olho para quem está ao lado de minha mãe e vejo meu pai também morto.

Tento sair de perto deles mais minhas pernas apenas me fazem me arrastar para trás. Então eu grito. Grito o mais alto que posso com meus pulmões. Permaneço com os olhos nos meus pais mortos em caretas horríveis.

Alguém toca em meu ombro e isso me faz consegui levantar e correr de volta para minha mãe. Acaricio seu rosto e tento limpá-lo com a chuva que nos molha completamente, passo para o rosto de meu pai e sinto mais desespero se agarrar a mim.

Mãos seguram em meu ombro, tento me livrar delas, mas são fortes e conseguem me levantar e começam a me arrastar de perto dos meus pais. Grito em desespero e me debato contra as duas pessoas altas que me impedem, mas permaneço com os olhos em meus pais.

Minha linda mãe que agora está morta.

—Me solta! –peço em desespero.- Me deixe tocá-los!

Mas as pessoas permanecem me empurrando, arrastando-me pela lama, levando-me para longe da minha família. A chuva ensopa ainda mais meu corpo e sei que estou chorando, apesar de não sair lágrimas. Sinto angustia me tomar.

Não sei quem sou agora, não sei o que realmente aconteceu. Sinto-me perdida e sofrendo, de uma forma que esmaga meu peito e o rasga por dentro.

—Mãe! Pai!- grito enquanto ainda sou arrastada para longe deles.

Não consigo mais lutar contra o aperto dos que me seguram e deixo-me escorregar até senti a lama em meus joelhos dobrados. Respiro rápido e em desespero, meu peito dói.

—Saiam de perto dela.- Escuto uma voz que conheço.

A única voz da minha família que sobreviveu. Alec ajoelha-se ao meu lado enquanto estou olhando de longe para os nossos pais, ele me abraça e minha cabeça descansa em seu ombro, suas mãos acariciam meus longos cabelos.

Ele é o único que me restou.

—Eu estou aqui, Jane.- Diz baixo e suave.- Tente controlar suas emoções.

Mas eu não posso me controlar enquanto o peso da dor, culpa, medo e desespero pesam em meu corpo.

Eu sinto falta, deles e de...de...mais alguém...

—Eu os matei...- falo em desespero.

—Não, não foi você.- ele diz.- Quando eu chequei aqui mais cedo, eles já estavam mortos. Mas, sim, você se alimentou deles. Mas não foi sua culpa a morte.

Ergo as vistas para meu irmão, os olhos vermelhos são novos para mim no rosto que conheço.

—Ele também morreu? -questiono-o –Eu o matei?

Alec pisca confuso.

—Ele quem, irmã?

Ele...

Aquele que minha mente tenta lembrar, que meu peito sabe que pode encontrar conforto...

Ele, ao qual eu não me lembro.

Tudo se torna demais.

Quero gritar, correr.

Morrer.

Eu sou um monstro.

Meu peito arde de dor que não posso e nem tenho forças para controlar.

—Tente se controlar, Jane.- diz meu irmão afagando minha costa enquanto respiro com dificuldades.

Não posso me controlar, não enquanto sinto tantos sentimentos ao mesmo tempo fazendo-me ficar sobrecarregada. Não vou suportar muito tempo, minha dor interna vai me matar. O que eu estou sentindo vai me matar...

Esse é o problema, estou sentindo.

Fecho meus olhos e tento tirar tudo o que estou sentindo, empurrá-los para longe de mim criando uma barreira invisível onde me separe dos sentimentos. Se não posso com eles, vou me livrar deles.

-Isso...Se acalme...- diz Alec.

Empurros para essa barreira que criei dentro de mim, levo-os para um lugar escuro...E então não há mais nada. Não há mais dor, não há mais choro, medo, desespero...Não há mais nada dentro de mim.

Sinto-me aliviada quando percebo que consegui me separar dos sentimentos, pois assim não há como sofrer. Sei que não conseguirei manter essa barreira por muito tempo, logo terei que lhe dar com os sentimentos novamente.

Mas por hora, isso é bom.

—Como se sente?

—Bem.- Minto para meu irmão.

Há apenas um grande vazio dentro de mim. Já não estou arfando alto e sim respiro calma. Levanto-me de seus braços e a sensação de nada dentro de mim me traz conforto.

Dou alguns passos lentos para longe de Alec.

Continuo caminhando com o andar arrastado até entrar na floresta. Ergo minhas vistas novamente para o céu e fecho meus olhos deixando que a chuva caia livremente em meu rosto. Da última vez que fiz isso, há pouco tempos atrás, eu sentia-me confusa e perdida.

Eu ainda me sinto assim, mas isso irá mudar.

Aprenderei a não me sentir perdida ou com medo.

E então nunca mais haverá dor em mim.

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(Ela Costumava Ser Minha)

Às vezes a vida entra de fininho pela porta de trás
E esculpe uma pessoa
E te faz crer que é tudo verdade
E agora tenho você
E você não é o que pedi
Para ser sincera, eu abriria mão de tudo
Para ter a chance de recomeçar
E reescrever um final ou dois
Para a menina que eu conhecia

Ela é imperfeita, mas ela tenta
Ela é boa, mas ela mente
Ela é dura consigo mesma
Ela está quebrada e não vai pedir ajuda

Ela está uma bagunça, mas ela é gentil
Ela é sozinha a maior parte do tempo
Ela é tudo isso misturado
E assado em uma linda torta
Ela se foi, mas ela costumava ser minha

Não é fácil saber
Eu não sou nada como eu costumava ser
Embora seja verdade
Eu nunca fui o centro doce da atenção
Eu ainda me lembro daquela garota

Ela é imperfeita, mas ela tenta
Ela é boa, mas ela mente
Ela é dura consigo mesma
Ela está quebrada e não vai pedir ajuda