Remoendo o Passado

Capítulo quase único


Três horas da tarde e parecia mais como se fosse seis. O céu estava completamente fechado e sem cara de que iria deixar o sol raiar tão cedo... sorri um pouco com isso, gosto de dias assim, me confortam em minha desconfortabilidade comigo mesmo.

Soprei a fumaça que saía do café quente que fiz: forte na medida e bem doce. Não sei exatamente o porquê de gostar tanto do meu café assim sendo que muitas pessoas preferem mais amargo, bem forte, etc, mas talvez seja porque a vida já é amarga demais para me dar ao luxo de não adoçar um pouco tudo isso, penso isto.

Suspiro depois de um generoso gole que me aqueceu por dentro de uma forma gostosa que só aquela bebida conseguia. Queria me sentir sempre assim mas é praticamente impossível, resolvo diariamente tantos conflitos internos meus que chega perco-me sobre qual batalha estou lutando no momento.

Divaguei um pouco até que meus pensamentos pousassem no mesmo problema de sempre: ele.

Suzuki Akira, ou Reita para os mais próximos, meu melhor amigo, confidente e também, o amor mais doloroso e duradouro que tive. Pensei um pouco até minha cabeça ir para uma imaginária conversa que gostaria de ter com ele.

...

— Lembra de quando nos conhecemos?

—Tem como não lembrar? Nos odiamos de primeiro em um RPG interpretativo e sinceramente, mal entendo até hoje como conseguimos chegar ao que somos hoje juntos de tanto que brigávamos. -O respondi como se fosse uma coisa óbvia demais, o que de fato era. Nós dois lembrávamos bem aquele dia.

—Você que é muito estressado.

—Você que é, babaca!

—Olha aí, já 'tá' estressando de novo. Credo, chibi, é muito ódio pra pouca altura! -Eu odiava quando ele fazia essas zoações com minha altura mas nunca quis ser chato, então me acostumei... assim como me acostumei com muitas outras coisas.

—Não demorou muito e você se confessou para mim mesmo nem me conhecendo direito...

—Éramos muito novos.

—...

—Esquece isso, tá bom? -Ele sempre fazia isso.

—Mais tarde você arranjou uma garota.

—É, e larguei ela para ficar com você e então terminamos e refizemos isso mais duas vezes.

—Porque você foi um péssimo amante...

—Sim, eu concordo nisso. Eu fui um tremendo babaca e, aliás, pode falar a palavra. Não amante, namorado.

—Não sei se dá pra chamar aquilo de namoro.

—Foi um namoro pra mim.

—Que você nunca fala pra ninguém. -Retruquei indignado. Ele fala como se se importasse muito com tudo isso quando na verdade é o contrário.

—Nem você.

—Porque foi horrível pra mim. Pra você não pega nada mas foi pra mim que você sempre voltava quando um amigo aleatório que você me trocava te fazia mal, era pra mim que você voltava quando suas namoradas não queriam mais nada com você, era eu que te ouvia e te ajudava, um dia depois de um dos términos você já tava com alguém. Lembra do que me disse? Eu ainda lembro, tá cravado no meu coração. "Não vou parar minha vida por você e você não deveria fazer o mesmo." Custava ter um mínimo de consideração por meus sentimentos?

—Me desculpe...

—Você só sabe falar isso...

—E quer que eu faça o que?

—EU NÃO SEI! SE AJOELHE, PEÇA PERDÃO, CHORE, DEMONSTRE! Você só fala "desculpa" como se isso fosse refazer tudo, lembra que você me diminuía? Que sempre desacreditava que eu pudesse te superar? Que quando finalmente encontrei alguém você interferiu em tudo porque disse que gostava de mim como se não fosse tarde demais? Você lembra quando me forçou a te mandar nudes porque você queria muito e quando mandei você simplesmente ignorou e desdenhou disso? Você lembra disso? Você lembra do dia que tentei me suicidar porque não aguentava mais o que eu estava passando, minha vida... e então, te mandei mensagem porque jurou que eu poderia contar com você, "amigos pra sempre", lembra...? E lembra também de como me ignorou porque estava ficando com uma garota que me odiava e te afastou de mim, que era abusiva com você mesmo eu tendo te avisado e que você jurou que amava ela na minha cara mesmo eu te amando? -Desabafei com lágrimas escorrendo sem dó nem piedade, com minha voz fraquejando até o fim e minha cabeça começando a pesar. Meu coração doía, talvez por causa da ansiedade mas doía, e muito. Eu odiei ele por muito tempo, eu não conseguia nem olhar para ele. Eu estava destroçado, me sentia traído na época.

Com Akira era sempre assim, eu não sabia me controlar, não sabia impor limites... eu só surtava, me estressava e gritava, eu chorava como se não tivesse amanhã. Eu o odiava por colocar minhas reações e sentimentos tão além.

—... -Nada, como sempre. Ele nunca responde, ele nunca encara de frente. Rio de escárnio, eu queria muito poder dar um soco nesse filho da puta!

—Lembra de como isso destroçou minha auto-estima? De como piorou minhas inseguranças e me fez ter dificuldades de encontrar alguém? De como quis sumir diversas vezes me sentindo incapaz e desmerecedor de qualquer coisa?

—Lembro. Eu lembro sim... -Sua voz quase não saiu. Ele sente a culpa mas nem de longe tem a dimensão do que eu sinto ou senti com ele.

Suspirei. No fim, sempre acabamos assim. Ele nunca me responde. Ele nunca tenta nada. Porque ele é covarde, e eu trouxa. Como seguir em frente assim?

—Vamos mudar de assunto...? -Propus, aquilo não chegaria a nada.

—Eu sinto muito...

—Não quero ouvir isso de quem não sente. -Fui áspero, sempre sou. Nunca aguento bater de frente com Akira sem deixar evidente o deboche, escárnio e a aspereza. Não tinha como ser maduro o suficiente nessa situação. Foram seis anos assim, seis fucking anos.

Quando paro pra pensar o que dá para fazer em seis anos, penso que aquilo foi como a eternidade. Um infinito doloroso e sofrido que impressiono-me que tenha eu pensando que um diria acabaria, ás vezes pensava que não mesmo mas adianta de alguma coisa? Já passou, é passado e Akira nunca conversaria direito comigo, ele nem mesmo me procura quase, na primeira frase que eu soltasse ele rapidamente mudaria de assunto.

Ás vezes penso que enlouqueci, dando uma nova chance à ele... independentemente de ele ter mudado e evoluído mesmo que não encare o passado, ele acabou comigo. Mas... como eu não poderia dar...?

Dou outro generoso gole em meu café buscando a sensação de estar aquecido por dentro novamente, estava chovendo demais naquele dia... mesmo que no céu não esteja pingando nem uma gota...

...