A rainha estava destroçada e um pouco fora de si. Rubi não parava de mandar sua águia (que parecia entender perfeitamente cada palavra dita por ela) pelos ares a procura de pistas que pudessem ajudar nas investigações, e Esmeralda, tentava a todo custo conseguir uma audiência com seu pai, o que era impossível já que Argentus ocupava todo o tempo do rei, desde que chegou, á portas trancadas no Salão do Trono, onde havia um trono maior, acima do real, e muito mais belo, com pedras encrustadas por todo ele. Era o trono do Dragão. Em todos os reinos havia um.

Por fim, Esmeralda cansou de esperar que a reunião terminasse e abriu a porta com uma habilidade de feitiçaria que havia aprendido, afinal a porta estava apenas trancada, não havia nenhum tipo de magia. Ela adentrou o recinto suntuoso e foi passando por entre as altas pilastras que eram decoradas por novos estandartes, onde haviam asas, que obviamente eram de dragão, prateadas, representando o dragão de prata, com uma coroa dourada por entre elas, representando o rei, sobre um tecido grosso de tapeçaria de alta qualidade de um tom avermelhado tão intenso quanto os cabelos da rainha. Havia um tapete de seda vermelho, com rosas de tom vinho desenhadas, que mostrava o caminho entre as pilastras ao longo do Salão. Não havia mais a grande mesa que sempre esteve ali durante sua vida, onde as famílias nobres se sentavam em torno, nos banquetes em comemoração á diferentes honrarias. Nas paredes haviam escadas que iam para luxuosos camarotes onde o Conselho do Rei, família da rainha, se acomodava quando alguma decisão importante devia ser tomada pelo rei. Estes camarotes lembravam sacadas de pedra. Haviam plantas trepadeiras artificiais decorando as finas pilastras trançadas que pareciam sustentar a superfície das varandas. Hoje o Salão parecia sombrio e vazio para Esmeralda. Ela foi andando até o fim do Salão do Trono, onde encontrou seu pai sentado à mesa estranhamente informal, com muitos mapas e tintas, penas, sinetes, velas, livros e uma pequena e fina luneta de madeira. O dragão estava em sua forma humanoide, mais belo e resplandecente do que qualquer homem com quem já havia trocado algumas palavras. Havia um meio sorriso zombeteiro em seus lábios grossos e vermelhos. Os olhos eram estranhamente encolhidos em tom violeta.

– Milady... – A criatura se levantou imediatamente e fez uma meia mesura.

– Desculpe a interrupção, meu senhor, mas precisava falar com o rei. – Seu pai, que até então estava de costas e sentado, também levantou e virou-se para olhá-la nos olhos.

Aqueles olhos. Não eram os olhos do pai rígido, mas amoroso que Rei George costumava ser. Eram olhos frios e despidos de emoção, mas também havia algo de zombeteiro em seu rosto, como se antes da chegada de Esmeralda estivessem conversando sobre algo muito divertido. Esmeralda não podia negar que, apesar dos pesares, a presença de Argentus era de certa forma agradável, mas sabia que isso se dava ao carisma elevado da criatura. Havia algo de perigoso nessa amabilidade, Esmeralda sabia. Afinal todos naquele reino, inclusive a família real, eram apenas servos dele.

– Diga, minha jóia caçula... Nem sequer vi a hora passar tratando dos negócios de Selenia. – Disse o rei, um homem experiente, com barbas tão brancas quanto o resto do cabelo, que um dia foram loiros, mas isso devia fazer muito tempo.

– O senhor não sabe... – Disse a princesa, ora perplexa, ora desacreditada no ar inocente que a fala do pai trazia, mas ainda se tratava de seu pai e Safira ainda se tratava da joia mais estimada por ele, então afastou os pensamentos duvidosos. – Safira fugiu, ou foi raptada, não sabemos. Foi ainda pela manhã. Quando eu e Rubi fomos chamá-la, estranhando a demora, para o café, ela já não estava. A única coisa q levou foram suas armas. Não havia nem sequer uma carta...

Esmeralda percebeu que falava, falava e falava, mas não havia sequer alteração no rosto do pai, que permaneceu calado, pensativo, quando ela se conteve e parou de falar. O alto e forte homem ao seu lado, O Dragão de Prata, esteve calado e com um sorriso quase intimidador, mas ainda agradável, em seu rosto. Ele lhe dava medo. Quando ela acabou de falar ficou sério e fez uma expressão ligeiramente preocupada, mas Esmeralda sabia que sua preocupação não era por sua irmã, embora não soubesse bem por que era. O pai, por fim, quebrou o silencio:

– E onde estavam os guardas quando isso aconteceu? E todos os sentinelas que rodeiam as muralhas do meu reino? e Kiousuke?! – Ele gritava raivoso, mas Esmeralda ainda não havia se convencido da veracidade de sua preocupação.

– Não sei papai. Posso mandar que o chamem e... – Ela começou a falar antes de ser interrompida.

– Não será necessário milady, eu mesmo me encarrego da Guarda da Cidade. – Disse Argentus, que se manteve quase imperceptível até agora, fazendo outra meio mesura e saindo a passos largos.

– Eu não confio nele. – Esmeralda, terminou por dizer quando em fim ficou sozinha com o pai, ignorando as formalidades.

– Não é para confiar... Retire-se. Não há nada que possa fazer para encontrar sua irmã. Eu me encarregarei de mandar os melhores aventureiros á buscá-la. Talvez ela ainda nem tenha saído do reino.

Esmeralda sabia que a irmã podia voar, embora fosse proibido, e por ser proibido, resolveu não contar ao pai. Limitou-se a beijar-lhe a mão e sair do Salão, percorrendo o luxuoso e agora sombrio, lugar novamente. Estava cansada, mas dormir era um luxo que mesmo que quisesse, não conseguiria num momento de tormenta como este. Foi até o Pátio do Castelo onde sua mãe estava sentada sobre uma pedra com o olhar distante, e Rubi, em pé ao seu lado dando ordens a Rai Kiri, que, quieta, absorvia cada palavra. Não havia a menor duvida de que entendia cada uma. Esmeralda pôde ouvir que Rubi a mandava para a floresta, o que era muito perigoso para a ave e pouco provável de que Safira iria para lá. Mas não fez nenhuma objeção. Rai Kiri era experiente. Olhou para a mãe buscando sinal de vida em seu olhar, mas não encontrou. Então sentou-se ao seu lado na superfície gélida da Pedra e apoiou a cabeça em um dos ombros da rainha.

– Ela vai ficar bem, mamãe. Safira sabe se cuidar. – Tentou confortá-la, inutilmente.

– Não se preocupe comigo querida. Procure sua irmã, por sua conta. Eu sei que eles não vão achá-la, eles não querem... Por favor, só você pode fazer isso. Eu te imploro. – A principio Esmeralda pensou que a mãe não estava falando coisa com coisa, até que se lembrou do clima que encontrou no Salão do Trono e percebeu que talvez o pai não tivesse fazendo esforço suficiente para achá-la. Levantou-se num movimento tão brusco que por um centésimo de segundo pode perceber o retorno da sanidade no olhar da mãe, porém logo o vazio retornou àquele belo rosto cansado. Caminhou á passos largos até Rubi que acariciava a cabeça de sua águia gigante com um olhar desalentador. Percebendo a proximidade da irmã Rubi se adiantou e a abraçou. Como era frágil e sensível a bela Rubi. Apesar de ser mais velha, era ela quem sempre procurava o alento de Esmeralda quando algo a preocupava.

– Vai ficar tudo bem... Eu vou encontrar nossa irmã. – Esmeralda sabia que prometia mais do que podia cumprir, mas conseguiu manter a voz firme, de forma que mesmo ela quase acreditou. Mas estava determinada a tentar.

Naquele dia ninguém no castelo comeu. O rei continuava com seus negócios á portas trancadas. Agora devia estar tratando do sumiço de Safira. Ao entardecer mandou que chamassem Esmeralda com urgência.

Esmeralda mal entrou no gabinete onde ele havia mandado que ela fosse encontrá-lo e o rei já foi se precipitando.

– Querida, você vai se casar... – As palavras foram soltas no recinto como se não houvesse nenhuma importância nelas.

– Como? – Esmeralda estava perplexa.

– Vá até a velha ama e mande que costure o mais belo vestido branco dos 10 Reinos. Algo que deixe suas belas asas a mostra. O casamento será daqui a dois meses. Use este tempo para se acostumar á ideia. Não preciso que se sinta confortável com a situação agora, mas daqui a dois meses precisarei, então espero que não me decepcione. – Completou ignorando a perplexidade que suas palavras causaram em sua filha e olhando de um jeito ameaçador o belo rosto da princesa.

– Eu não vou me casar! Não neste momento. De onde tirou esta ideia absurda?! – A princesa começou a gritar, com histeria e revolta, recebendo total desprezo do pai.

– Vamos conversar civilizadamente ou você prefere que eu ordene a própria Guarda Real que te retire de meu gabinete?

– Eu só tenho uma coisa a dizer para o senhor. Eu vou me casar, se for o que deseja, mas nem tão cedo. Por hora prefiro procurar minha irmã pessoalmente.

– Você pretende deixar o castelo para procurar sua irmã? Mas se nunca se deram tão bem assim...

– Somos irmãs! E nos amamos simplesmente por este motivo. Não precisamos nos dar bem.

– Fale por você – Rebatou o pai, quase tão baixo quanto um pensamento, mas Esmeralda ouviu.

– Não importa. Eu quero ir atrás da minha irmã.

– Se assim deseja... Convocarei os melhores homens da Guarda Real para te acompanhar, e um Navio Arcano. Também terá Kiousuke, que mandarei exclusivamente para sua proteção. Ele está com as mesmas idéias de procurar por Safira individualmente. Leve todas as aias que quiser e o quanto de comida precisar. – Ele não parecia estar brincando. Esmeralda nunca pensou que fosse tão fácil.

– Está falando serio? – Quis certifica-se antes de comemorar.

– Se isso é o necessário pra que você cumpra com o juramento que Selenia fez com Solaris há anos atrás...

– Eu não fiz este juramento. Nem sequer era nascida... – Tentou rebater a princesa, mas logo foi interrompida por um pai que trocou o rosto sem expressão por um cheio de fúria.

– Mas é minha filha, e princesa de Selenia. E se não for para obedecer os costumes e deveres correspondentes as princesas deste reino, é completamente descartável! – Ele se levantou e bateu na mesa com o punho serrado, fazendo balançar tudo o que havia sobre ela. – Agora retire-se do meu gabinete porque estou cansado de sua petulância.

Passou uma semana e finalmente Esmeralda estava pronta para partir. O rei organizou uma festa de despedida que não era correspondente ao motivo da partida. Ninguém estava feliz naquele dia. A rainha estava cada vez pior, mas lá estava, em seu trono, ao lado do rei. Um olhar triste contornado por olheiras profundas as quais não conseguira esconder, seguia Esmeralda por todos os lados durante a festa. Os súditos convidados não suportavam a ideia de Selenia sem a presença das Três Joias. Não com a rainha triste, como estava. O reino havia perdido sua beleza. Rubi passava todo o tempo no quarto com sua mãe, que adoecia cada vez mais. Rai Kiri trazia diferentes tipos de ervas para chás, que a própria Rubi receitava na esperança de melhora da Rainha, mas nada adiantava...